O que é cultura do conforto? - Mina
 
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Do aconchego ao escapismo, o que a cultura do conforto diz sobre nós?

Assistir ao mesmo filme quinhentas vezes ou ouvir aquele álbum no repeat são hábitos que têm uma importância muito maior para o seu bem-estar do que você se dá conta. Especialistas analisam as maravilhas e os alertas desse apego ao que nos é familiar

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Sabe quando a gente passa horas procurando um filme ou série para assistir e acaba apostando, mais uma vez, em algo que já viu? Ou aquele costume de recorrer sempre à mesma playlist para relaxar no fim do dia? Esse tipo de comportamento tem nome: cultura do conforto, uma forma de buscar aconchego naquilo que já conhecemos. Um costume adotado por muita gente, principalmente quando a coisa aperta. 

“As coisas que nos marcaram em outras épocas da vida têm o poder de nos transportar a elas”

Uma pesquisa realizada pelo Grupo Consumoteca mostrou que, no auge da pandemia, 72% das pessoas estavam preferindo assistir a filmes ou séries que já tinham visto, porque, de certa forma, eles traziam lembranças de como era a vida antes do coronavírus. Era como uma viagem no tempo para dias mais felizes. Embora tenha se fortalecido no período, esse revivalismo não é apenas um fenômeno pandêmico. 

Rohit Bhargava, especialista em inovação e famoso por antecipar as principais tendências do mundo dos negócios, descreveu nosso abrangente desejo de voltar às coisas mais simples como um mecanismo de defesa diante de um mundo que se move cada vez mais depressa. “Sobrecarregados pela tecnologia e pela sensação de que a vida agora é muito complexa e superficial, as pessoas buscam experiências mais simples, que ofereçam um sentimento de nostalgia e que as façam lembrar de uma época mais confiável”, disse na SXSW Conference & Festivals, em agosto deste ano. 

A cultura do conforto se encaixa exatamente nessa necessidade de aconchego e segurança. “É o ato de perseguir memórias que despertam um senso familiar de alívio. Livros, filmes, seriados, músicas que você adora e que trazem um sentimento leve e agradável quando os consome”, explica a estrategista de marcas Beatriz Guarezi. Em sua newsletter Bits to Brands, ela pontua que “conforto” é uma palavra que resume três aspectos importantes sobre essa tendência, sobre nós mesmos e sobre o que consumimos:

O primeiro é o conforto de saber o final. “Isso explica por que, por mais que você pague cinco serviços de streaming diferentes e tenha milhares de opções à disposição, você se pega assistindo a Friends, How I Met Your Mother, Grey’s Anatomy, Gilmore Girls, Modern Family…”, ou coisas que já assistiu várias vezes. Além disso, nossas séries preferidas oferecem experiências que sabemos que dificilmente nos decepcionarão. Depois, vem o conforto de voltar para tempos mais simples. “As coisas que nos marcaram em outras épocas da vida têm o poder de nos transportar a elas”, diz. Por fim, o conforto de não precisar pensar, já que é muito menos exigente cognitivamente assistir a algo com o qual estamos familiarizados do que assistir a algo novo.

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O papel da nostalgia

Alguns estudiosos consideram a nostalgia como uma reação à modernidade. Lucia Santa Cruz, professora da ESPM e líder do Laboratório de Estudos de Memória Brasileira e Representação, explica que “moderno” significava um desprezo pela tradição e pelo velho e, com isso, uma celebração da novidade. Mas se a modernidade valorizou a ruptura com o antigo, também produziu um sentimento de perda em relação ao que estava sendo substituído. “No entanto, o sentimento nostálgico era visto como reacionário (no sentido de conservador) e escapista e, por isso, deveria ser evitado”, diz. 

“A nostalgia hoje em dia não é alienante, é produtiva e propositiva”

Foi no final do século XX que a perspectiva da nostalgia como um sentimento que acorrentava a pessoa ao passado foi superada. Hoje, acredita-se que ela pode ser uma emoção positiva e, até mesmo, funcionar como uma força criativa. “Isso porque o indivíduo pode recolher no passado elementos que o impulsionem na elaboração de um futuro melhor que o presente (ou até mesmo que o próprio passado). Dessa forma, a nostalgia não é alienante, mas é produtiva e propositiva, apresentando novos caminhos”, avalia. 

Escapismo

É natural que em momentos estressantes ou incômodos a gente recorra ao conforto de revisitar um lugar conhecido e previsível, onde nos sentimos seguros e onde podemos descansar, de certa forma. “Isso pode ser considerado uma forma de escape diante do contexto atual, uma maneira de distração que, na maioria das vezes, é saudável”, diz a psicóloga Caroline Benigno Cardoso. Ainda que por vezes as distrações sejam necessárias e bem-vindas, é preciso atenção para que não se torne uma fuga da realidade mais disfuncional. “O problema do escapismo é tentar substituir a vida real, que é difícil de ser vivida, por experiências de desconexão com a realidade por muito tempo, trazendo prejuízos para a pessoa nas suas obrigações, nas relações, nos estudos e trabalho”, ressalta a psicóloga.

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Qual seria então a melhor forma de “dar um tempo” das dificuldades do mundo real? “A relação saudável me parece ser usar do escapismo apenas como entretenimento, mas manter o pensamento analítico, buscando compreender a realidade e ler os fatos com visão crítica, de modo a viver o presente e projetar futuros possíveis e desejáveis”, sugere Lucia Santa Cruz. Então fica o aprendizado: está tudo bem curtir o mesmo filminho repetidas vezes quando precisar de relaxar a mente ou encontrar certa paz interior, o que não dá é para viver em fuga. Afinal, novas experiências também são capazes de trazer emoções deliciosas para a nossa vida. 

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