Não maratone sua série favorita. Deguste - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

Não maratone sua série favorita. Deguste

É tão bom que as coisas boas durem, sejam dias de férias, namoros, uma feijoada ou aquela série querida

Por:
3 minutos |

Toda vez que alguém gosta de uma série já pensa logo em maratonar. E, aliás, desde que o substantivo feminino que se refere à prova de longa duração virou verbo, a ansiedade em devorar temporadas se tornou algo normal. O uso da palavra ansiedade não foi à toa aqui. O que mais resume essa ânsia por acabar logo com alguma coisa? Seja um chocolate, um quebra cabeça, uma trepada ou uma série? Porque, me digam: o que acontece quando a pessoa assiste o último episódio da temporada nova? Ela acaba e, com isso, acaba também a alegria envolvida em consumir aquilo. É o melhor exemplo do “tem, mas acabou”. 

A gente já está nessa de slow food, slow travel e movimentos slow no geral há mais de década. Desde que aquele grupo de ativistas ocupou uma praça em Roma protestando contra a abertura de um McDonald ‘s em 1986, que a gente vem discutindo o tema. Apesar de ainda ser muito conhecido por reforçar a conexão entre a comida, a terra e a cultura, hoje, o movimento tem uma atuação bem maior, versa sobre nosso modo de vida frenético e nossa vontade de dominar, devorar e maratonar tudo que vemos pela frente.

Os maratonadores que me desculpem, mas foi exatamente com essa ânsia que a gente devastou o planeta

E os maratonadores que me desculpem, mas foi exatamente com essa ânsia que a gente devastou o planeta. É com essa ânsia que consumimos muito mais do que precisamos. É com ela também que comemos mais do que nosso corpo pede e maratonamos pessoas arrastando pro lado nos aplicativos. Esse hábito não dá em boa coisa.

Daí eu pergunto: pra quê? Onde vamos com tanta pressa?

E vejam, eu não tô aqui querendo cassar o direito de ninguém de assistir a sua série preferida sem pausa ou então de pais e mães que só tem um dia sem as crianças e resolvem se jogar nos streamings. Tô falando de gente que maratona qualquer série – ou todas as séries. Ou pior: assiste em fast foward, acelerando a velocidade pra…. pra que mesmo? Pra acabar logo? Gente, isso me dá uma sensação de ejaculação precoce. Juro. 

+ Veja mais: E se ao invés de competir a gente colaborar?
+ Veja mais: Trabalho não é tudo: um dia para organizar o lazer

Não é porque muitos seriados poderiam ser um filme que precisamos entrar no modo acelerado para todos 

E aqui quero resgatar Carl Honoré, com seu best seller Devagar: Como um movimento mundial está desafiando o culto da velocidade, lançado em 2005. O livro traça a história de nossa relação de pressa com o tempo e fala da cultura da aceleração que criamos. “Por que estamos sempre com pressa?”, o autor questiona. E eu replico: porque queremos tanto acabar a série que amamos? Numa metáfora da vida, é como se quiséssemos correr até a linha de chegada. E no fim está a morte. 

É verdade que tem gente que devora tudo, de livros a podcasts, passando por pessoas, viagens, álcool e drogas. No geral, são pessoas com um probleminha de compulsão. Mas tenho certeza que nem metade dos maratonadores de série estão neste grupo. Aposto minhas fichas que são apenas pessoas acostumadas à aceleração, gente que se esqueceu da delícia que é guardar um pedacinho de chocolate para amanhã ou passar o dia deixando o caldo apurar. 

+ Veja mais: Como as músicas mexem com as emoções
+ Veja mais: Prefiro ver um filme do que transar

Estamos todos tão acostumados com o ao vivo e com os Stories que nos esquecemos de degustar a paisagem, o jantar e as obras audiovisuais. E, convenhamos, não é porque muitos seriados poderiam ser um filme que precisamos entrar no modo acelerado para todos os outros. Afinal, é tão bom que coisas boas durem, sejam dias de férias, namoros, uma feijoada ou aquela série querida que saiu nova temporada. 

Mais lidas

Veja também