Romper com a mãe é importante na construção da autonomia - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

Rompa com sua mãe, sua autonomia agradece

Você já teve a sensação de que, por mais que se esforce para agradar sua mãe, nunca é suficiente? Então talvez seja o momento de parar de tentar e se libertar do pesado e inalcançável fardo que é tentar ser o orgulho da mamãe.

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Por melhor que seja sua relação com a sua mãe, é pouco provável que você nunca tenha discordado ou entrado em conflito com ela por alguma decisão. Das pequenas, como um corte de cabelo ou uma roupa que ela considera inadequada, até as mais importantes, como a escolha de uma profissão, de um casamento. 

Tudo isso é normal e faz parte de qualquer relação. Mas romper com as expectativas que as nossas mães depositam sobre nós pode ser um marco importante – e necessário – de amadurecimento dos filhos, mas também das mães. 

Parar de viver para agradar as mães é fundamental para construir a sua personalidade 

Esse rompimento foi tema de um texto publicado pela jornalista e influenciadora Bela Reis em suas redes sociais. Nele, Bela fala sobre o momento em que frustrou as expectativas de sua mãe, a jornalista de economia da GloboNews Flávia Oliveira, aos 15 anos, e como essa ruptura foi importante primeiro para transformá-la em uma pessoa autônoma, segura de suas decisões. 

“Parei de tentar ter aprovação da minha mãe em tudo que eu fazia. Essa foi a salvação da nossa relação, da minha individualidade”, diz, em trecho de sua newsletter Associação dos Sem Carisma, de 26 de maio. 

A psicóloga Ediane Ribeiro e a psicanalista Elisama Santos, autora de Educação Não Violenta (2019) e Mesmo Rio (2022), concordam: parar de viver para agradar as nossas mães é fundamental para construir a nossa personalidade, ganhar segurança e responsabilidade nas decisões, estabelecer limites e, inclusive, garantir uma relação familiar saudável.

E, aqui, vale reforçar: não estamos falando de um rompimento traumático da relação entre mães e filhos, muito menos em deixar de falar com a família, mas de um rompimento simbólico das expectativas que as mães depositam sobre os filhos. Ou, nas palavras de Elisama Santos, o “rompimento com uma falsa obrigação de fazer feliz o adulto que nos criou”. 

E acrescenta: “Nenhum filho nasceu pra dar orgulho à mãe. Se vamos dar orgulho ou não, se vamos desagradar, faz parte, são os caminhos da vida”, fala a psicanalista. “Quando descobrimos, construímos algo essencial: a autonomia”.

Frustrar é preciso

Não existe idade certa ou ideal para que esse rompimento aconteça – o momento certo, acredita Elisama, é quando a gente percebe que está vivendo uma vida gerida por outra pessoa e consegue assumir as consequências das nossas escolhas. 

O importante é que ele esteja ancorado na percepção das próprias necessidades, dos próprios desejos, que por vezes serão contrastantes com os dos nossos pais. “Quando vivemos a partir das escolhas feitas por outra pessoa, nosso cérebro só tem um recurso, que é desenvolver uma espécie de anestesia para se adaptar a ambientes que nos machucam. Assim, esses sentimentos de dor podem se manifestar de outras formas: compulsões, vícios e adoecimentos psíquicos, como ansiedade e depressão.”

É uma oportunidade de construir uma relação verdadeira e com limites claros

Ela continua: “Essa repressão, ligada à dificuldade de existir dentro da família sendo quem se é, sendo respeitado pelas próprias escolhas, acumula mágoas e adoece a relação”. Embora fundamental, esse momento quase nunca é fácil (nem para os filhos e nem para as mães). 

As mães acreditam que, porque criaram seus filhos, sabem o que é melhor para eles, mesmo quando já são adultos. Mas não é verdade”, defende Elisama. Ao que a psicóloga Ediane completa: “Quando a mãe vê nesse filho uma pessoa com escolhas diferentes do que ela imaginava, passa por uma espécie de luto da maternidade de uma criança para uma outra maternidade, de um adolescente ou adulto autônomo”.

Para os filhos, que até então foram ensinados a viver conforme seus pais – e muitas vezes aceitando algum tipo de violência para agradar e evitar conflitos – esse rompimento causa dor e medo. “Vivemos numa sociedade cristã, permeada por culpa, que diz que, sem a bênção dos pais, seremos infelizes para sempre”, diz Elisama Santos. 

Jogo de poder

Há casos em que esse comportamento da mãe, de não lidar bem com a busca do filho por autonomia, sinaliza algum tipo de adoecimento psíquico, como transtorno de personalidade narcísica, mas esses casos são a minoria.

O mais comum é que essa dificuldade seja consequência de uma codependência emocional: “A mãe se torna dependente da dependência do filho por ela”, resume a psicóloga. “Esse comportamento não necessariamente está relacionado a um transtorno, mas ao que ela aprendeu com relacionamentos. Ou seja, manifesta com os filhos os mecanismos que absorveu muito antes da maternidade, com os cuidadores dela”. 

Mas, antes de culpar nossas mães por esse comportamento, vale lembrar: salvo raras exceções, fomos criados por mulheres que não tiveram suas emoções validadas ao longo da vida. Portanto, é difícil exigir que elas saibam acolher decisões tão diferentes das delas.

Além disso, o papel da mulher sempre esteve – e, em certa medida, ainda está – muito associado a cuidar e servir. Portanto, analisa Elisama Santos, “a mulher aprende que o único lugar de poder que ela pode ocupar é dentro de casa; quando o filho rompe com essa autoridade e se recusa a seguir as vontades dessa mãe, ele está privando ela de exercer esse poder”. 

De todo modo, ter empatia com o processo das nossas mães não significa acatar tudo o que elas desejam, muito menos passar a vida inteira em busca de uma aprovação que não necessariamente vai vir. Romper esse ciclo pode ser um movimento doloroso no começo, mas a tendência é que dê leveza à relação uma vez que limites bem definidos (mesmo que internamente) ajudam a reduzir os atravancos.

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