Menopausa também pode afetar o cérebro da mulher - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Relação entre cérebro, menopausa e Alzheimer sacode a ciência

A menopausa pode afetar o cérebro feminino mais do que a gente imagina e pesquisas mostram que esse fator pode ter relação com o risco de Alzheimer – a descoberta é importante para direcionar tratamentos e pesquisas

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Ondas de calor, insônia, esquecimentos, depressão, ansiedade. Embora seja possível atravessar o climatério de forma plena, sem tantos sinais, muitas mulheres (e pessoas com ovários) sentem mudanças bruscas no corpo entre os 45 e 55 anos, em média. A “culpa” dessa avalanche de sintomas, como já se sabe, é da queda repentina do estrogênio, hormônio crucial para o ciclo reprodutivo feminino e para a saúde da mulher no geral. Nessa fase, ele para de ser produzido pelos ovários, assim como a progesterona.

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Mas, para surpresa de muitos, pesquisas recentes mostram que o cérebro é tão afetado na menopausa quanto os ovários. É o que afirma a pesquisadora Lisa Mosconi, professora associada de neurologia da Weill Cornell Medicine e diretora da Women’s Brain Initiative, nos Estados Unidos. 

Pesquisas mostram que o cérebro é tão afetado na menopausa quanto os ovários

“A interação com o sistema reprodutivo é essencial no processo de envelhecimento cerebral das mulheres”, diz ela, em sua palestra no TED Talks. A neurocientista explica que essa interação é mediada por hormônios como o estrogênio, predominante entre as mulheres (e pessoas com ovários), e a testosterona (e pessoas com testículos), (que se esgota mais tarde, num processo lento e quase assintomático), no caso dos homens. “Quando alguém diz que está com fogachos, suores noturnos e perda de memória, ela está se referindo a sintomas neurológicos. Isso ocorre porque o cérebro e os ovários fazem parte do sistema neuroendócrino, ou seja, estão interligados.” 

Em outras palavras, o estrogênio também influencia no funcionamento cerebral e sua ausência pode ter efeitos negativos no sono, nas emoções, na memória e no controle da temperatura corporal. Além da função reprodutiva, ele está envolvido no metabolismo energético dos neurônios – quando os níveis de estrogênio diminuem, os neurônios tendem a desacelerar e envelhecer, segundo a pesquisadora.

E o Alzheimer com isso?

Enquanto as perdas cognitivas da menopausa (como falta de atenção e concentração) normalmente são temporárias porque o cérebro se adapta com o tempo, outras alterações podem ocorrer na paralela: “Alguns estudos têm provado que estes processos podem levar à formação de placas amilóides, características da doença de Alzheimer”, a pesquisadora nota, entre mulheres (e pessoas com ovário) que possuem predisposição genética. É bom que se diga: nem todas desenvolvem essas placas, da mesma forma que nem todas as mulheres com essas placas ficam com demência. “É um fator de risco, não um diagnóstico.”

Ainda assim, a preocupação faz sentido: a doença de Alzheimer é a causa de demência mais comum no mundo e afeta seis milhões de pessoas só nos Estados Unidos, onde quase dois terços delas são mulheres. Ou seja: para cada homem com Alzheimer existem duas mulheres. E mais: somos muito mais propensas do que eles a sofrer de ansiedade, depressão, enxaquecas, lesões cerebrais e derrames. 

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Agora, a descoberta sobre a relação do Alzheimer com a menopausa acende uma luz na ciência, já que a doença sempre foi associada à velhice, e não à meia-idade. “Muitos estudos, incluindo o nosso, demonstram que o Alzheimer começa com mudanças negativas no cérebro anos – senão décadas – antes dos sintomas clínicos”, diz a pesquisadora. Com isso, talvez seja possível em breve encontrar um caminho para a prevenção de demências.

A descoberta sobre a relação do Alzheimer com a menopausa acende uma luz na ciência


Em seu livro The XX Brain, Mosconi aponta que as pesquisas em torno da saúde da mulher têm sido historicamente negligenciadas pela comunidade médico-científica, que sempre priorizou o estudo de doenças tipicamente masculinas. Para o ginecologista Marcelo Steiner, especialista em climatério, isso explica por que ainda estamos longe de entender completamente o cérebro feminino. “Por muito tempo os estudos não tiveram o cuidado de avaliar essas particularidades. As pesquisas de maior investimento geralmente foram voltadas a questões que comprometiam mais os homens.”   

Reposição hormonal: fazer ou não fazer?

Marcelo lembra que a reposição hormonal é um dos principais caminhos para tratar os sintomas agudos da chegada da menopausa. “Felizmente, hoje temos critérios mais assertivos para analisar, caso a caso, quando se deve tomar estrogênio e até a forma de ingestão – via oral, adesivo ou em gel, por exemplo. Essa decisão depende da idade, do histórico familiar e dos hábitos de cada paciente”, afirma ele. A terapia de reposição hormonal (TRH) é o principal tratamento para aliviar sintomas como as ondas de calor. No entanto, não é recomendada atualmente para prevenção de demência na maioria dos casos.

“Em linhas gerais, a gente propõe a TRH quando há declínio abrupto da produção natural dos hormônios femininos para que a mulher realize uma transição mais amena entre a vida reprodutiva e a pós-menopausa”, explica o médico Wagner José Gonçalves, professor aposentado livre docente de ginecologia na Unifesp. “Apesar disso, as alterações degenerativas não costumam ser combatidas ao longo dos anos. Isso indica que não previne Alzheimer nem outros quadros demenciais.”

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Janela para o bem-estar

Em contrapartida, os médicos avisam que dá, sim, para chegar lá com a cabeça boa. Só que genética, lifestyle e saúde geral fazem toda a diferença: não fumar, praticar atividade física, investir numa dieta saudável e rica em fitoestrogênios aprender coisas novas e dormir bem conta muito. “O estresse pode literalmente roubar nosso estrogênio, uma vez que o cortisol, principal hormônio do estresse, funciona em equilíbrio com o estrogênio. Portanto, se o cortisol subir, o estrogênio baixa. Se o cortisol baixar, o estrogênio sobe”, explica a neurocientista. 
Não à toa, a chamada “janela de oportunidade”, intervalo de tempo que marca o início dos sintomas e a pós-menopausa, quando a terapia de reposição hormonal geralmente é indicada, representa sobretudo uma chance de revisar a vida. De certa maneira, aí está a pegadinha, pois, na época dos 50 anos, é comum ter de cuidar dos pais, dos filhos, dos afetos e da carreira – ao mesmo tempo. “Por isso é o momento de estabelecer prioridades e criar uma rotina saudável a partir de pequenos ajustes no dia a dia”, aconselha Marcelo. Se ainda não bateu esse clique aí, bora começar?

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