Celibato: por que as mulheres estão aderindo? - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

Elas vivem sem sexo: por que estas mulheres escolheram o celibato

Cansadas de parceiros evasivos, perda de liberdade e outras violências nas relações, mulheres recorrem ao celibato para mirar no autoconhecimento, na carreira, espiritualidade, nos estudos, e – claro – na masturbação

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“Não foi exatamente uma decisão”, explica Triscila Oliveira, influenciadora e ciberativista, sobre estar há oito, de seus 37 anos, em celibato. “Diante da objetificação da mulher negra brasileira, comecei a recusar a usar meu corpo como moeda de troca para conseguir afeto”, diz ela, lembrando que a sua própria mãe, de forma instintiva, ficou duas décadas sem se relacionar para protegê-la de uma eventual violência doméstica.

Psicoterapia, observação da realidade e estudos críticos levaram Triscila a abrir os olhos para as agressões às quais era submetida em seus relacionamentos e a recusá-las. “Eu adoro sexo, mas a muralha de escrotidão, de sexismo e de racismo que tenho que transpor para ter sexo, mesmo que casual, com um homem, é desgastante.”

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Dois anos atrás, com a pandemia e a chegada da menopausa, as relações românticas e sexuais deixaram de ser prioridade para a psicoterapeuta Graciete Ferreira. “É como um processo seletivo em que as pessoas acabam não passando nos critérios que coloquei como importantes para me disponibilizar”, resume.

 “Eu não preciso de um homem para gozar”

Relacionamentos com homens que não se comprometiam para além do sexo trouxeram sentimentos de vazio, frustração e muita preguiça de tentar de novo. “Aprendi a observar as entrelinhas e percebi que mesmo demonstrando disponibilidade, não havia reciprocidade. Então, resolvi me afastar.”

Prazer ao alcance das mãos

Mas o que elas fazem para desaguar a libido? Triscila diz mergulhar no trabalho, nos estudos e na escrita. Para ela, a principal vantagem do celibato é a paz de saber que a felicidade está em suas próprias mãos – e nos vibradores. “Eu não preciso de um homem para gozar”, diz. “Tenho brinquedos que me ajudam nas noites de muito tesão.”

Após a decisão de ficar sem sexo, Graciete viu a vida profissional e pessoal expandir, incluindo estudos espirituais, contato com a natureza, meditação e práticas de percepção corporal. “Na nossa cultura, a mulher tem uma tendência a maternar. Agora eu sou a minha prioridade”, diz. “Enxerguei o quanto estava buscando proteção no outro, quando quem precisava me proteger era eu mesma.” Hoje, ela se vê mais forte e identifica com facilidade relacionamentos que foram ou poderiam ser ciladas que não a levariam a lugar nenhum.

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Fátima Alves, 54, leva uma década em celibato. Quando começou a viajar sozinha, percebeu que não precisava ter um parceiro ao lado para curtir a vida. “Parei de esperar alguém decidir por mim e passei a confiar na minha percepção. Vi que o mundo está aí para ser vivido e que posso descobri-lo sem esperar por alguém.”

Conhecer novas pessoas, lugares e sabores suprem seu desejo e a fazem esquecer do romantismo. A decisão de cair na estrada veio depois de um casamento com um parceiro agressivo seguido por relacionamentos com homens com condição financeira inferior ou que não compartilhavam dos mesmos valores que ela. “A liberdade de decidir o que quero não tem preço. Não tenho a pretensão de ir atrás de nenhum tipo de relacionamento. Se acontecer naturalmente, ok. Senão, estou muito bem assim.”

 “Não crer em casamento e filhos como sinônimo de realização tem sido libertador”

 Triscila e Fátima dizem sentir falta de conexão, escuta e carinho – mais que do sexo em si – e concordam em romper o celibato diante da oportunidade de um relacionamento saudável. Mas encontrar um relacionamento assim soa como algo distante. “Com a maturidade, cada vez mais as mulheres exigem ser tratadas com respeito, carinho e honestidade. Mas parece que estamos querendo o impossível”, diz Triscila. “Eu não quero dividir nada com ninguém. Quero compartilhar momentos”, resume Fátima. “Não acredito que isso seja uma fantasia ou uma utopia porque conheço casais assim. Mas a maioria das pessoas não parece disposta a esse despertar a dois hoje em dia.”

Sintoma contemporâneo

O celibato atual entre mulheres faz parte de um contexto histórico-social que permitiu a elas mais liberdade de escolha. Esse contexto envolve a expansão do movimento feminista, a luta social por igualdade de gênero e leis que reconhecem direitos básicos das mulheres, como o sufrágio universal e a Lei Maria da Penha.

Nas últimas décadas, elas passaram a ter mais acesso à educação e ao mercado de trabalho, ganhando poder e consciência de que violências nos relacionamentos não são naturais nem aceitáveis. “Não ter que depender de um parceiro amoroso para se sustentar e, principalmente, não crer em casamento e filhos como sinônimo de realização, tem sido libertador, no sentido de ser uma escolha e não uma obrigação”, diz a psicóloga Monique Fernandes, uma das autoras da pesquisa Relacionamentos amorosos na contemporaneidade: quais são as expectativas das mulheres?

A psicóloga Paula de Mesquita Spinola aponta que o celibato tem criado uma oportunidade para investigar traumas na psicoterapia, seja entre mulheres heterossexuais ou LGBTQIAP+. “Sendo o celibato por curto, médio ou até a longo prazo, estas mulheres deixam de pular de relacionamento em relacionamento e param para refletir.”

Ao curar feridas, elas podem desenvolver laços mais saudáveis no futuro ou optar por seguirem felizes em sua própria companhia. “No celibato por escolha numa vida toda, a mulher vivendo bem e em paz com suas alegrias, frustrações e conquistas é sinal de um nível de autonomia grande”, diz.

Para Monique, os brinquedos sexuais ajudaram a abrir as portas para essa autonomia. Outros fatores que contribuíram para a escolha da privação de sexo foram a ampliação do espaço social para as produções culturais, artísticas e esportivas das mulheres, além das múltiplas possibilidades de exercer a espiritualidade para além da religião e dogmas.

Apesar de ver o movimento ainda como incipiente, a especialista enxerga o celibato como uma possível escolha de mais mulheres e homens num futuro próximo, quando ideias de amor, sucesso, felicidade, acolhimento e pertencimento estariam cada vez mais desvinculadas dos relacionamentos afetivo-sexuais. “Exercer a sexualidade em relacionamentos afetivos poderá ser encarado como uma escolha e não mais como uma condição”, vislumbra. “Acredito que assim como as novas formas de relacionamento e de orientações sexuais, o celibato pode conviver nesse amálgama de possibilidades.”

 Sociedade é sexista

Sem o desespero de encontrar alguém, Triscila se viu liberta de ciclos de relacionamentos tóxicos, da dependência emocional e da necessidade da validação de um companheiro. “Tenho me cuidado como nunca me cuidei na vida”, diz ela sobre a prática de escutar seu corpo e compreender o que quer e o que não quer. “Desenvolvi autoamor e autoconfiança, passo firme e assertividade nas palavras”, elenca. “Mas sabemos que a sociedade não está pronta para mulheres assim.”

Se na internet elas são consideradas “mulherão da porra”, na vida real, são lidas como grosseiras, egoístas e arrogantes. “Estereótipos assim nos desumanizam e afastam de uma possibilidade amorosa”, diz Triscila. “A sociedade é sexista: precisa de mulheres que performem a feminilidade das princesas para que homens venham salvá-las.”

Fátima e Graciete também relatam sofrer preconceito pela opção pelo celibato. “A sociedade julga muito a mulher que toma a decisão de não casar e não ter filhos”, diz Fátima. “Mas nós estamos numa era em que não deveria haver mais julgamento em relação a isso. Estamos aceitando todo mundo como igual, incluindo a comunidade LGBTQIAP+, todas as raças e credos. Todo mundo é ser humano e tem o direito de viver.”

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