A saúde mental está sob os holofotes. Desde a pandemia, a temática ganhou fôlego e passou a ser debatida nos podcasts, nas redes sociais, nos programas de TV, nas matérias de jornal, nos almoços de domingo e na mesa de bar. Um avanço na quebra de estigmas e tabus em torno desse assunto tão fundamental para o nosso bem-estar. Viva!
+ Leia também: O perigo dos vídeos de saúde mental no TikTok
+ Leia também: Saiba qual tipo mais adequado de terapia pra você
Só tem um porém: a alta demanda tem se refletido em atendimentos cada vez mais “express”. Não é raro encontrar profissionais que dão diagnósticos após uma conversa rápida ou o preenchimento de um formulário simples. O que pode até parecer atrativo para quem busca respostas rápidas para suas angústias e outras questões, mas não é nada eficaz.
Diagnóstico não é “check list” de sintomas
O diagnóstico definitivo em saúde mental é realizado após sucessivas avaliações psiquiátricas. A depender da complexidade do caso, o processo pode demorar meses ou até anos, explica Rodrigo Martins Leite, psiquiatra e coordenador da Telemedicina e Relações Institucionais do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP,
Isso não significa que o paciente ficará todo esse tempo em amparo. Geralmente, um diagnóstico provisório pode ser obtido em poucas consultas e possibilitar o estabelecimento de tratamentos adequados. O médico utiliza o exame do estado mental (onde são avaliadas funções como atenção, humor e conteúdo do pensamento), a biografia da pessoa (identificando eventos estressantes, interesses, escolhas profissionais, relacionamentos, desempenho acadêmico e outros fatores relevantes) e a história clínica como um tripé de ferramentas para o diagnóstico. “Assim, somente um ‘check-list’ de sintomas nunca será suficiente para um diagnóstico consistente”, enfatiza.
“Bons diagnósticos demandam tempo”
Rodrigo conta que, eventualmente, alguns profissionais acabam sucumbindo à pressão de tempo e agenda, o que aumenta o risco de erro. “Muitas vezes, a demora no diagnóstico pode ser interpretada como falta de competência técnica pelos pacientes. Num mundo com respostas cada vez mais urgentes, os profissionais de saúde mental devem reagir com a máxima de que ‘bons diagnósticos demandam tempo’. A observação clínica é soberana”, diz.
O psiquiatra Arthur Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida da Universidade de São Paulo, completa: “A pressão por um diagnóstico rápido pode levar a erros e a tratamentos inapropriados, podendo agravar os sintomas e aumentar o risco de complicações”.
Além disso, a falta de acompanhamento psicoterápico pode diminuir a eficácia do tratamento. “O uso de medicamentos sozinho ajuda a controlar os sintomas em muitos casos, mas a psicoterapia é importante para apoiar o paciente a compreender e lidar com as causas subjacentes do seu transtorno mental”, destaca.
Nomenclatura não é tratamento
Muitos pacientes encaram o diagnóstico como a grande solução do problema, mas o psicólogo e psicanalista Victor Augusto Bauer, mestre em suicidologia pela Universidade Estadual Paulista, defende que, na maioria dos casos, ele é algo secundário. “É muito mais importante que a pessoa fale sobre seu sofrimento e elabore suas causas, origens e funcionamento do que fique repetindo o nome de seu diagnóstico”, destaca.
O psicanalista explica que todo tratamento é singular, pois depende de compreensões que dizem respeito a particularidades de cada pessoa e situação. “Quando os pacientes alcançam essa forma autêntica de falar de si, eles melhoram. No entanto, no caminho da cura existe uma pedra: a paixão pelos diagnósticos que dizem nada ou muito pouco sobre cada um de nós, a nossa história e as razões mais íntimas do nosso adoecimento”, completa.
+ Leia também: “O autocuidado só tem sentido se incluir nessa conta o cuidado com o outro”
+ Leia também: “Quem mandou eu comprar o sugador de clitóris foi meu psiquiatra”
Como confiar no médico?
Diante desse cenário, quais pontos o paciente deve se atentar para saber se o profissional ao qual recorreu está sendo ético? Bom, primeiro é preciso destacar que nem toda questão de saúde mental demanda atendimento psiquiátrico. Em alguns casos, psicoterapia e certas mudanças de hábitos, como a prática de atividades físicas regulares, já são bastante eficazes.
Mas, caso seja encaminhado para um psiquiatra, Arthur destaca algumas atitudes para ficar de olho na ética profissional. Primeiramente, ele deve conduzir uma avaliação completa e minuciosa, que inclui a coleta de informações sobre a história de vida do paciente, bem como a avaliação do seu estado mental. “É importante respeitar o ritmo do paciente e se mostrar disponível para ouvir suas perguntas, preocupações e expectativas”, diz.
Pode levar tempo até que os resultados do tratamento sejam alcançados
É importante que o profissional explique de forma descomplicada e objetiva o processo diagnóstico e terapêutico, incluindo as opções de tratamento, seus benefícios e riscos. Também precisa ficar claro para o paciente que o tratamento demanda continuidade e que pode levar tempo até que os resultados sejam alcançados.
Uma averiguação mais técnica antes mesmo da consulta faz a diferença. O psiquiatra é registrado no Conselho Regional de Medicina? Há algum registro de denúncia ou processo contra ele? Ele detém Título de Especialista?
Por fim, é fundamental que o paciente se sinta confortável tanto com o médico, quanto com o psicoterapeuta, estabelecendo uma relação de confiança. “Ele deve se sentir acolhido e respeitado durante todo o processo”, afirma.