Acredito que o mundo é abundante o suficiente e é possível fugir da lógica da escassez se estivermos todos dispostos a dividir. O problema é que a gente opera em uma lógica que produz escassez. Quando eu era diretora de criação em agências de propaganda, por exemplo, apenas 3% dos diretores de criação no mundo eram mulheres. Então não era delírio a sensação que eu tinha de que só havia lugar para uma mulher naquele ambiente, o que me fazia enxergar outras mulheres como competidoras.
A competição é uma forma masculina de estar no mundo
“Mulher não tem amiga, tem rival”. Você com certeza já ouviu esse clichê, ou até mesmo já repetiu essa frase. Nós ficamos com fama de competitivas, mas quem é que criou essa escassez? Quem moldou os ambientes corporativos ultra competitivos, em que as pessoas estão sempre esperando as outras falharem ou com medo de quem alguém tome seu lugar? A competição é uma forma masculina de estar no mundo e, sinceramente, ser competitivo pode ser bem útil sim, mas se torna tóxico quando é o único caminho para ocupar determinados espaços.
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Em seu livro Monumento para a Mulher Desconhecida” a escritora e roteirista Renata Corrêa compara a obsessão masculina por competição àquela metáfora da subida do Monte Everest, simbolizando que a ideia que os homens construíram de topo é a de um lugar necessariamente solitário e difícil de atingir. Ela propõe uma perspectiva feminina: “Talvez a metáfora das mulheres para o poder seja fértil, tropical, abundante, coletiva. Que o nosso topo seja uma clareira ensolarada com espaço para as que vieram antes de nós e onde quem chega possa ter a generosidade de ensinar o caminho para as outras.” Assino embaixo.
A maior competição deve ser com nós mesmas
Ao sair do mercado de agências e montar uma consultoria que oferece uma perspectiva feminina para processos criativos, escolher o caminho da colaboração foi meio óbvio. Minha empresa opera em rede e firma parcerias com quem o mercado vê como nossas concorrentes. Com mulheres que prestam serviços parecidos com os meus, falo sobre orçamentos, alerto sobre ciladas, colaboro, troco conselhos e tomo cervejas e cafés deliciosos. Aprendi, também, a pedir ajuda, dizer “eu não sei”, escutar quem se dispõe a ensinar. Desde então, nunca nada me faltou.
É claro que eu não sou de ferro. Tem horas que parece, sim, que a vitória do outro é a minha derrota. Eu sei que você sente isso também, é apenas humano. Ainda mais vivendo na nossa sociedade e sendo estimulada o tempo todo à competição.
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Nessas horas, eu lembro de algo muito importante que aprendi nas aulas de yoga: se você se comparar, você vai errar. Olhar para o que a pessoa ao lado está fazendo, tira o foco do seu corpo, da sua respiração, do seu equilíbrio. O outro está fazendo aquilo que o corpo dele comporta, que a sua história de vida permite, é inútil comparar algo tão individual. O nome desse princípio ético do Yoga é Asteya, que significa não roubar, se apoderar ou invejar bens ou conquistas dos outros. No tapetinho e na vida, a maior competição deve ser com nós mesmas.
Dividindo a gente multiplica, essa é a aula de matemática que eu não tive na escola. Se eu quero construir um mundo e um mercado melhores, eu não posso e nem quero fazer isso sozinha. É como a gente canta juntas quando sai às ruas: “Ei, mulher, eu não quero andar só, eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.”