Um ménage à trois com Dionísio? Quem diria que isso um dia aconteceria, ainda mais comigo que tinha medo de sentar de pernas abertas e não parecer uma “mocinha”. Não sei vocês, mas beirava o pavor. Afinal, levei uma surra de cinta aos treze anos quando usei um vestido curto na rua.
Naquela tarde, corri para gastar todos os meus dez reais num vestido xadrez – quase transparente pela baixa qualidade – em uma loja que vendia roupas à baciada na rua principal do Jaçanã, aquele mesmo bairro das músicas de Adoniran Barbosa. Para ir direto ao ponto, vou pular toda minha história de vida até o ménage à trois, pois, acredite, é longa.
Mas um resumo importante: foi regada a religiosidade, conversão, desconversão, violência doméstica, abuso e ressignificação. Além , é claro, de ter sido criada como contei a você no início. Pode imaginar como era minha autoestima antes de chegar ao ponto de participar de uma festança dessas. A dicotomia de quem eu era para quem me tornei, se esse fosse o tema do texto, levaria o título de Apolínea versus Dionisíaca.
Agora, estou em uma relação amorosa cheia de parceria, respeito e reciprocidade, o que nos permitiu nos aventurar no universo das casas de swing. Depois de algumas experiências boas e outras nem tanto, meu marido e eu decidimos que era hora de sair com um solteiro para uma aventura na tentativa de ter algo próximo da minha fantasia mais intrínseca: nós dois com outro homem que se posicionasse não como um solteiro prestes a ter relação sexual com uma “casada”, mas como um parceiro do Edgar.
Não sei exatamente como explicar a sensação, mas imaginava três amigos de faculdade juntos prestes a se divertir. Conheci Daniel, o tal solteiro, em uma rede de encontros liberais e, após algum tempo de conversa, resolvemos nos encontrar em uma loja de conveniência próxima de nossas casas. Além de ser um homem muito próximo do meu gosto e imaginário, ele ainda era praticamente um vizinho, o que facilitava ainda mais nosso encontro.
“Ao notar meu marido e o Daniel se encarando com satisfação, me entreguei a mais louca noite de sexo e paixão”
Algo nele mexeu comigo, ou melhor, algo neles, pois Daniel e meu marido eram o oposto um do outro. A única coisa que tinham em comum era o fato de terem uma barba muito charmosa e desenhada. Edgar estava muito empolgado, pois havíamos fantasiado juntos o que faríamos naquela noite.
Já no apartamento de Daniel, após alguns goles de vinho, muita conversa e flerte, senti quando as mãos dele começaram a passar no meio de minhas pernas. Meu marido me olhou como se perguntasse: “É gostoso ser minha devassa? Está gostando de sentir essa mão enorme nas suas coxas?”.
Enquanto cada um deles acariciava minhas pernas, minha mente tentava resgatar cenas das minhas fantasias, mas aquilo era muito melhor do que eu já havia imaginado um dia. Não são todas as mulheres, mas já conversei com algumas que, assim como eu, em relações desastrosas do passado, tinham que se imaginar em pleno bacanal para sentir algo durante o sexo — depois de tantas noites de sexo ruim, com toda certeza meu acervo de imaginação é maior que a sessão de romances eróticos da biblioteca nacional.
Nada chegava perto daquele momento. Edgar e Daniel rasgaram a minha meia e, ali mesmo, na sala de jantar, me seguraram, os dois, pelos cabelos. Eles revezavam e se olhavam com satisfação como se de fato fossem amigos de longa data e, ao perceber isso, me entreguei a mais louca noite de sexo e paixão.
Nesse momento, nossa história liberal se transformou. Por mais que quiséssemos nos entregar a outras pessoas, o combo maturidade, sensualidade, química e gostos parecidos dominavam qualquer cenário. Uma visita na casa de swing, naquela altura, se tornava uma tarefa irritante.
Começamos a nos encontrar cada vez mais. Daniel chamava e íamos empolgados nos encontrar. Ao contrário do que possam imaginar, meu marido também sentia essa conexão com ele. Não era só sexo, visto que após bons orgasmos deitávamos juntos, assistindo vídeos e bebendo vinho como bons dionisíacos que éramos.
De fato, nós três aprendemos o quanto podia ser prazeroso fazer sexo à três sem amarras. E não me interprete mal, meu coração é todo de Edgar. Foi exatamente por isso que aprendemos uma valiosa lição. Daniel se apaixonou por mim e o sexo, que antes era casual, voraz e intenso, tornou-se meloso, cheio de dramas e receios.
Mesmo tentando esconder do meu marido, era impossível alguém ignorar o olhar de Daniel nos meus olhos, enquanto tentava ter-me somente para ele em alguns momentos. Em uma dessas transas, Edgar se levantou e seguiu rumo ao chuveiro. É claro que fui atrás. “Não diga que você não percebeu… Não subestime minha inteligência” — falou Edgar de costas para mim.
Viver um conto erótico quase hollywoodiano é ótimo, mas é preciso firmar um contrato com a ética
Como minha parceria com meu marido é gigantesca, naquele ponto, sabia que seria a última vez que veríamos Daniel intimamente. Fomos embora, mas, naquela mesma madrugada por mensagem, ele se declarou. Ao saber, Edgar ficou furioso e descontou a raiva trancado dentro do próprio escritório. Ele gritava: “o cara é um liberal experiente, sabe que isso é um limite inaceitável!”, “como pôde?”, “ele era meu amigo!”.
Enquanto ele colocava seus demônios para fora, eu estava atrás da porta, encostada, olhando para teto e fazendo uma profunda reflexão. Sabia onde havíamos errado. Você pode até imaginar que o erro foi o fato de transarmos várias vezes com Daniel, mas, acredite, não foi nisso que erramos.
Nossa falha (grave!) foi sair com as pessoas dando nosso melhor no sexo e na vida, mas esperando que essas mesmas pessoas não se apaixonassem. Depois, olhando nos olhos de Edgar, disse que não tínhamos o direito de usar ninguém como um “consolo” e que aquela responsabilidade era quase toda nossa. Viver um conto erótico quase hollywoodiano é ótimo, mas é preciso firmar um contrato com a ética.
Quando um casal me pergunta nas redes sociais se é possível ou seguro terem uma amizade que possa ir além das trocas de casais e ménages, sem que essas terceiras ou quartas pessoas se apaixonem, respondo com outra pergunta. “A questão não é se essas pessoas irão se apaixonar, mas vocês, como indivíduos casados e monogâmicos, têm condições de simplesmente transarem com essas pessoas sem que vocês próprios se apaixonem por elas?”.
Se tiverem a mínima dúvida disso, o relacionamento de vocês viverá sempre por um fio. Essas noites com Daniel nos ensinaram a levar experiências liberais para um patamar acima, onde mora a não-monogamia ética. Agora temos autonomia afetiva e uma grande responsabilidade sobre sentimentos, tanto nossos como de outras pessoas.
Vocês poderão viver as fantasias mais surreais que as vossas imaginações conseguirem alcançar, mas lembrem-se: a relação de vocês só estará segura se nela houver transparência e verdade. Afinal, nunca se sabe quando um banquete com o Deus do Vinho poderá acontecer. Quem diria… eu.