As mulheres têm que aprender a deixar faltar - Mina
 
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As mulheres têm que aprender a deixar faltar

Amar o outro e ser comprometida com o que fazemos não quer dizer que devemos estar sempre disponíveis. Nossa colunista nos convida a uma reflexão sobre o excesso de dedicação feminina aos outros.

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Quando uma mulher não dá tudo que tem (e não tem), é vista como egoísta. De repente, dei um giro, assim, olhando as mulheres à minha volta (e a mim mesmo, claro). Uma ajuda o irmão, a afilhada do irmão, o cachorro da afilhada do irmão e já chegou a pagar até passagem internacional para o irmão e sua esposa, sendo que ela mesma nunca saiu do Brasil. Ah! Vale acrescentar que ela é professora. A outra, tem três irmãos, mas é ela quem paga todas as reformas na casa dos pais, paga o condomínio dos pais, os remédios dos pais e leva os dois ao médico sempre que preciso. Ah! Vale dizer que dois irmãos moram com os pais, apesar de não pagarem nada. Uma outra, ainda, paga o plano de saúde do pai, da mãe e do irmão, dá assistência em todos os problemas e comprou uma casa para a mãe. Ah! Vale lembrar que ela segue vivendo de aluguel. Ainda tem mais uma outra paga o curso de pós do namorado e, sempre que ele viaja com a banda, empresta o carro e fica andando de ônibus, para dar uma força. Ah… Ela mesma não entrou na faculdade que sonha e ultimamente nem está comprando o shampoo que ela mais gosta, porque está caro.

Ao menor sinal de uma falta, tem sempre uma mulher por perto para disponibilizar seu tempo e seus recursos

Parece que todas as mulheres, de uma forma ou de outra, são drenadas diariamente pelas necessidades e demandas dos outros. A percepção é de que somos socio-culturalmente programadas para ajudar e completar as lacunas. Eu mesma! De onde vem essa minha compulsão em preencher qualquer necessidade?! (Sobretudo se essa necessidade for da minha filha – e claro que não estou falando aqui de necessidades básicas como comida de qualidade, estudo, moradia, etc). O fato é que, ao menor sinal de uma falta, tem sempre uma mulher por perto para disponibilizar seu tempo e seus recursos a fim de suprir aquela falta.

Muito por causa disso, estamos sempre sobrecarregadas (claro!), porque é muita coisa para fazer, pensar, programar, gerir, contas e mais contas para pagar. É claro que estamos cansadas e sobrecarregadas, porque somos culturalmente condicionadas a resolver qualquer pendência ou solicitação que apareça. A situação se agrava (e muito) se você for, entre amigos e sobretudo familiares, aquela figura batalhadora que conseguiu ganhar um dinheiro a mais que os outros às custas do próprio muito suor, e noites perdidas (de sono e de farra). Aí, então… as faltas alheias pululam! Uma graninha pra festa do tio, a viagem do primo, o curso da enteada do filho da tia do namorado que é dono do cachorro do vizinho… Tão gente boa! Todo mundo está sempre precisando de alguma coisa. E nós, compulsivamente, sempre dispostas a atender. Alguém chamou? Ela vai. Precisou? Ela pode. Quer? Ela dá.

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Com essa prontidão, somos as principais responsáveis por alimentar o mecanismo no qual somos voluntariamente exploradas. E tem mais! Fez o favor três vezes? Vira obrigação. Antes que você perceba, a terapia do amado sobrinho virou mais uma parcela na imensa lista de contas que só cresce. E, se depois de anos ficar pesado, ao menor sinal de que vamos parar ou falhar… Um sinal de gratidão? Um “muito obrigada” por tudo? Não… Mais cobranças, acusações de egoísmo, muita cara feia e zap bloqueado.

Sem falar nas pessoas, casais, pais, parentes, amigos, sócios e, sobretudo, irmãos, que deixam de cumprir suas obrigações e pagar sua parte nas contas porque sabem que a mulher mais próxima vai fazer, vai pagar, vai resolver.  E por mais que doa, vale a pena dar o nome certo a essa atitude: má fé. A pessoa age errado, sabendo que o bom caráter e comprometimento do outro vai sanar sua falta. Não paga sua parcela no remédio do pai, não porque não se preocupe com a saúde do velho mas, porque sabe que a irmã vai na farmácia. Enquanto os outros têm dificuldades, crises existenciais, cansaço, ou uma festinha… a mulher (que também tem dificuldades, crises e muito cansaço) se vira, faz, paga, resolve.  

Quando vir uma mulher se priorizando não a julgue, parabenize! 

Com o tempo, essas parcelas extras pagas em dinheiro, tempo, resignação, vão se acumulando, corroendo sua energia vital e comprometendo as relações afetivas… E quando a mulher percebe, não sobrou nada para ela. O tempo passou e agora ela não tem mais a mesma energia de antes para trabalhar. Ajudando menos gente, tem ficado mais sozinha. E aí, lá pelos 60 anos, ela começa a fazer a conta de quanto gastou com os outros. Dava para ter comprado seu apartamento, feito sua viagem, conhecido Foz do Iguaçu ou até Paris quem sabe!

Esse texto não é uma apologia ao egoísmo, jamais. Inclusive, se estou problematizando isso aos 45 anos, é porque sofro, eu também, desse “vício de gênero”. Devemos ser solidárias? Claro! Mas não exploradas e muito menos auto-exploradas. Até porque, parece que uma pessoa só é considerada egoísta quando não dá tudo que tem, se essa pessoa é uma mulher. Quando um homem não abre mão do seu futebolzinho, ou do tênis semanal, do chopp com os amigos, etc, ninguém aponta o dedo para chamá-lo de egoísta. Agora, tente imaginar o inverso: uma mãe que sai toda quarta de noite por horas, que abre mão de estar com os filhos no jantar em plena semana e de botá-los pra dormir, ou de estar com seu companheiro, para fazer uma aula de dança ou jogar buraco com amigas. Confesse que você veria essa mulher como uma egoísta, mesmo (e sobretudo) se essa mulher fosse você. Urge que mudemos esse modo de ser e de ver. Quando vir uma mulher se priorizando não a julgue, parabenize! E quando a vir sofrendo para dar conta de tudo, o melhor conselho é: deixa faltar!

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Temos que aprender a lidar com a falta alheia. Deixa o buraco lá, deixa a necessidade lá, deixa o incômodo lá. Amar o outro e ser comprometida com o que fazemos não quer dizer estar sempre disponível, e muito menos fazer a parte dos outros. Se não é sua parte, hesite antes de fazer. Pare e pense se você realmente não deveria DEIXAR FALTAR. Afinal de contas, aquela falta não é sua, é do outro. Será que você tem que atender todas as demandas que lhe fazem?

Não tem? Deixa faltar. Precisou? Se vire. Quer? Não posso, não tenho, não vi a mensagem…

Será doloroso cortar as “ajudas” (que viraram obrigação) e o pessoal vai ficar chateado com você. É certo que eles vão espernear, mas você vai ficar mais leve! Sei que pode parecer loucura à primeira vista, mas não é! Se você deixar faltar (pelo menos um pouco) para os outros, vai sobrar mais tempo, dinheiro, sono, alegria, saúde, tudo pra você. E mais! Surpreendentemente, as pessoas vão se virar de outra maneira com suas próprias faltas, assim que a gente parar de resolver tudo por elas.

Essa nova postura pode te dar a leveza que toda mulher sente falta há tanto tempo. Não tem? Deixa faltar. Precisou? Se vire. Quer? Não posso, não tenho, não vi a mensagem… Guarde seu dinheiro para você, compre sua casa, planeje uma viagem sozinha, pinte seu cabelo, compre sua blusinha, reserve horas fixas (ou não) da semana apenas para você, faça seu curso, pense em você, você, você.

Você, mulher, merece.

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