Teste de Fidelidade do TikTok: o que ele diz sobre amor e confiança - Mina
 
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O que o teste de fidelidade do TikTok diz sobre amor, monogamia e confiança

O romance não está no ar. Na semana do dia dos namorados, investigamos por que a infidelidade tem ganhado views e, como isso, provoca insegurança generalizada e nem sempre resolve os problemas do casal

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Quando começa a pipocar as declarações de amor mais melosas nas redes sociais você já sabe: chegou a temporada dos dias dos namorados. É também nesse momento que o recalque dá as caras na forma de piadas que afirmam: melhor estar solteira do que ser corna. Será mesmo? Mas a verdade é que o medo de ser traída resultou numa nova febre, os testes de fidelidade do TikTok. 

Para se ter ideia, a hashtag #testedefidelidade reúne vídeos que somam quase 300 milhões de visualizações, a maioria deles são conteúdos da ex-modelo Lídia Bortoncello, principal nome desse nicho. A ideia de botar o amor à prova surgiu após ela mesma passar por um relacionamento abusivo. “Foi uma das piores experiências da minha vida. Sempre que questionava ele sobre algo, era taxada de louca e paranoica”, relembra. Desconfiada de que o namorado flertava com outras mulheres por mensagem, Lídia pediu para uma amiga dar em cima dele. “Foi uma semana dos dois conversando, até que pedi pra ela combinar um encontro e fui em seu lugar”, conta.  O relacionamento acabou ali, claro.

Lídia então decidiu dar a mesma “oportunidade” para outras mulheres e, em março de 2021, criou o perfil @testesdefidelidade no TikTok onde mostra os resultados desse serviço controverso. Nos vídeos, ela expõe a interação com os rapazes em conversas por WhatsApp ou Instagram. Os papos podem durar até dez dias, com muitas investidas por parte dela para ver se eles irão ceder e topar encontrar – ou não.

Problematizar é preciso

Em uma sociedade regida pelo patriarcado, a infidelidade masculina em relacionamentos monogâmicos sempre foi normalizada. Mas com o empoderamento e as conquistas femininas surgiu uma vontade genuína de não passar pelo que eram submetidas nossas avós. Muitas não aceitam ser traídas e querem a confirmação disso, daí o sucesso dos testes, avalia a terapeuta de casais Tatiana Perez. “Elas querem ter a prova de que esse lugar de ser único na vida do companheiro não está ameaçado. O teste é uma maneira de ter certeza sobre algo que não é possível garantir, porque não temos controle sobre o outro”, explica.

“Não há uma resposta universal sobre o que significa infidelidade”

Confiar no outro e criar acordos faz parte de um bom relacionamento e definir o que é traição entra nesse pacote. “Não há uma resposta universal sobre o que significa infidelidade, mas no caso da relação monogâmica, que considera a exclusividade entre duas pessoas, podemos dizer que é a quebra dessa exclusividade”, define Tatiana. No entanto, a tecnologia tem ampliado esse conceito, com casos de pessoas que se sentem traídas porque viram a outra conversando com alguém por mensagem – o que deixa tudo ainda mais complexo. A psicóloga conta que, quando um casal chega na terapia com esse problema, em muitos casos se nota que um percebe aquilo como infidelidade e o outro não. 

Testadora profissional

E não está faltando gente atrás da fatídica certeza. Lídia cobra R$ 180 por teste e a empresa já conta com uma equipe de dez funcionárias (até porque, sua cara se tornou conhecida e isso impossibilitava os testes). Ela também revela que já fez, sozinha, mais de 4 mil testes. “Desse número, só 500 não caíram no teste”, afirma. Ou seja, 87% dos homens testados por Lídia foram considerados infiéis. E veja, como o conceito de fidelidade é pessoal e intransferível, isso  pode significar combinar um encontro de fato ou simplesmente ficar de papinho por mensagem.

87% dos homens testados por Lídia foram considerados infiéis  

Todas as clientes dela são mulheres e Lídia já recusou propostas para testar namoradas e companheiras de sujeitos interessados em seu serviço. Como justificativa, ela diz que sua intenção é ajudar as mulheres. E quando você desliza a tela pelos vídeos da hashtag no Tiktok, esse padrão se mantém: a esmagadora maioria são de minas testando caras. Por que será que isso acontece? “Para o homem, é quase uma morte social ser traído. É muito menos frequente ver homens colocando suas esposas em testes de fidelidade, porque eles não admitem que isso seja uma possibilidade”, avalia Renato Noguera, escritor, professor e especialista em relacionamentos.

Na caixa de comentários dos vídeos que bombam no TikTok, é comum ver a descrença reinando. Há muita gente falando que não dá para acreditar no amor ou que todo mundo um dia vai ser traído. Para os especialistas, todo esse pacote pode trazer consequências complicadas para as meninas mais novas. Lídia confirma que a descrença impera e que muitas de suas seguidoras pensam que trocar de namorado é migrar de problema, como se a “traição” fosse sempre inevitável. Tatiana expõe uma das questões desse tipo de comportamento: “Ao verem esses testes, muitas associam compromisso sério com infidelidade, o que traz aquele sentimento de que não podemos confiar em ninguém e, assim, decidem nem se relacionar”. Mas será que relações amorosas se resumem a esse tudo ou nada? E mais: será que escrutinar e expor o parceiro a um teste de fidelidade não é trair a confiança? 

“A maior segurança que podemos ter num relacionamento é a consciência da incerteza”

Aqui vale lembrar que tentar ter controle de tudo que diz respeito ao outro só serve para gerar desespero.  “A garantia do compromisso está justamente na vulnerabilidade. A maior segurança que podemos ter num relacionamento é a consciência da incerteza”, afirma Tatiana. Mas isso não significa que você deve seguir presa onde não sente confiança. E para aterrizar as dicas a psicóloga defende: “Se relacionar com uma pessoa que compartilha dos mesmos valores e ideias que os nossos ajuda a ter segurança na relação.”

Renato faz coro a ela afirmando que não existe receita de bolo para um romance dar certo, mas não faltam péssimas receitas que fazem a relação dar errado. Para ele a sinceridade ainda é o caminho: “Não expor o que sente, não formular as próprias angústias, viver uma vida sem projeto em comum, tudo isso atrapalha. É preciso ter acordos e revê-los com periodicidade. Ter projetos de vida alinhados também é fundamental.”

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A culpa é do amor romântico?

Ainda hoje (cinco séculos depois de Romeu e Julieta ser escrito) amor ainda é vendido em contos de fadas com felizes para sempre e músicas que falam sobre metade da laranja, a infidelidade é vista como prova definitiva de que o outro não ama. Mas será que é tão simples assim? E para agravar mais um pouco o problema, junto com isso, existem outras crenças enraizadas no amor romântico: “Há aquela pressão de  encontrar uma pessoa e quem não encontra fica com a sensação de fracasso”, acrescenta Tatiana. 

Em um cenário em que tudo é comercializado, o teste de fidelidade se torna sintomático dessa ideia de um romance único e exclusivo. Para  Renato, “as relações passam a ter valor de mercado, como se fosse uma commodities dos afetos. Isso é perigoso quando as pessoas não têm maturidade emocional e afetiva para entender os próprios sentimentos e desejos, mostrando dificuldade em fazer acordos”. Porque só existe traição se existe quebra do acordo e só existe acordo se ele foi discutido e aceito por ambas as partes. 

Dependência emocional e financeira 

Engana-se quem pensa que o reflexo natural dos testes de fidelidade é o fim imediato da relação. Lídia conta que conversa bastante com as clientes para entender a situação do casal e, mesmo feridas, a maioria acaba aceitando a infidelidade. E não porque perdoam os companheiros, mas porque, no fundo, não conseguem se separar. “Muitas dependem do parceiro emocionalmente, mas a maioria não consegue romper por causa da dependência financeira. Algumas se mudaram de cidade, estão longe das famílias, é bem complicado”. 

Se você está se perguntando “então porque fazer o teste?” Vale dizer que Lídia afirma desencorajar mulheres que não vão conseguir se separar a seguir com a testagem de seus companheiros. “É preciso entender que o conhecimento da infidelidade, nem sempre torna mais fácil a vida da pessoa que quer se separar”, comenta Tatiana. Antes de recorrer a esses testes, ou até mesmo escrutinar o celular do companheiro, vale entender o que esperamos daquela relação, o que podemos fazer com ela e, claro, perguntar mil vezes se a confirmação de uma traição vai de fato nos levar para um lugar melhor. 

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