A supervalorização da solitude - Mina
 
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A hipervalorização da solitude é boa pra quem?

Por trás de discursos motivacionais como "vá com medo mesmo" ou "se baste" pode morar um excesso de individualismo que desconsidera histórias como a minha

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Se você é mulher e usa as redes sociais diariamente com certeza já esbarrou em vários tipos de posts que podem ser enquadrados como positividade tóxica. Mensagens como “faça você mesma”, “vá com medo mesmo” e “viaje sozinha”, que a princípio aparentam o puro suco de empoderamento feminino, podem estar enraizados no desamparo a que a sociedade submete as mulheres. Mensagens desse tipo falam mais sobre a sobrecarga projetada para nós e uma cobrança por altas performances do que qualquer outra coisa. Vou me explicar.

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Viajar sozinha, por exemplo, pode ser libertador para muitas e um pesadelo para outras. Ter de redobrar o estado constante de alerta, num país diferente, com outro idioma, onde você não conhece o comportamento das pessoas, os lugares ou como as leis funcionam, pode fazer qualquer uma desistir do sonho. Ter medo é normal. O medo existe para nos proteger de muita coisa. Acho um tanto quanto sem tato, e por vezes perigoso, discursos que pregam que “precisamos ir com medo mesmo” porque se você, assim como eu não vai, mais uma camada de culpa é internalizada e isso pode minar nossa saúde mental. E, como de culpa a gente entende, pra que carregar outra que nem é nossa?

“O discurso que está sendo enlatado por aí pode gerar gatilhos em mulheres que vivenciam a solidão por imposição”

Claro que eu não estou fazendo apologia dos “papéis de gênero”, como muitas coaches que tem viralizado nas redes pregando que as mulheres devem retornar aos valores tradicionais. Aprender a resolver vários tipos de B.O.s domésticos, como instalar um chuveiro, consertar uma tomada, trocar uma torneira etc. são conhecimentos de um adulto funcional e não um talento de um gênero. Não estou enaltecendo o papel de companheiros e maridos e nem propondo qualquer forma de submissão. Mas falar sobre a supervalorização da solitude é preciso.

Autonomia e independência em todos os campos das nossas vidas é muito importante. Mas romantizar solidão, com slogans do tipo “seja feliz sozinha”, “se baste”, “se ame” e derivados, como se nós humanos não fossemos seres sociais, é (mais uma vez) retirar nossa humanidade. E, cuidado, pois esse discurso que está sendo enlatado por aí pode gerar gatilhos em mulheres como eu, que vivenciam um tipo de solidão por imposição do cruzamento de opressões.

Um levantamento recente mostrou que tanto uma porcentagem dos Gen Z quanto nós, os Millenials, trocam socializar por ficarem sós. Estamos vivendo uma era de hiper autoconhecimento e autocuidado, mas também um momento estranho de reclusão voluntária onde muitas pessoas têm relacionamentos mais sérios com os algoritmos do que com outras pessoas. Daí eu me pergunto: será que não deveríamos estar estimulando as pessoas a terem empatia, fazerem parcerias e se envolver com o que é comunitário ao invés de celebrar o caminho solitário no qual estamos nos enfiando?

Daqui da onde eu olho, a autossuficiência compulsória de mulheres que nunca sequer puderam contar com uma rede de apoio pode criar barreiras emocionais quase intransponíveis, problemas de confiança e até um sentimento palpável de não merecimento em várias esferas da vida. Romantizar a própria força se intitulando “guerreira” das suas próprias lutas e festejar esse viver solitário que talvez nem seja uma escolha é um sintoma do quanto a nossa sociedade continua sobrecarregando e instalando em nós que, se você não der conta de todas as demandas, você é um fracasso. E não, você é apenas um ser humano. 

“Estar sozinha, muitas vezes, é o único jeito e pode, sim, ser uma merda”

Eu já estive nesse lugar. Acreditava que quanto mais eu trabalhasse, mais reconhecimento eu teria. E a única coisa que ganhei foram crises de ansiedade, ataques de pânico e um burnout. Precisei de muita terapia para respeitar meus limites, baixar a guarda, me permitir viver e principalmente descansar sem a culpa de ter que ser produtiva. Ser sozinha pode ser apenas uma casualidade, algo pelo qual estamos passando. Será mesmo que precisamos vestir o traje da heroína solitária e fazer deste papel uma missão?

Ser independente não significa ser uma ilha. Não precisar da validação de outras pessoas, principalmente a dos homens, para ser feliz e buscar a realização dos seus sonhos é algo bem mais etéreo do que dar check na lista da auto-suficiência do Instagram. Mostrar vulnerabilidade não é fraqueza, da mesma forma que estar só pode ser ok sem ser uma escolha.

Veja, eu não sou contra fazer as coisas sozinha, até porque esta é a minha vida. Meu bode é com quem embala isso em discurso motivacional como se tivesse que ser maravilhoso. Deixemos isso para quem de fato não gosta da companhia humana (e tudo certo) e bora dar o nome certo pras coisas mesmo que não seja tão bonito? Estar sozinha, muitas vezes, é o único jeito e pode, sim, ser uma merda. 

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