Zezé Motta anda sem tempo. A artista veterana, que completou 80 anos em junho deste ano, tem uma lista extensa de projetos concluídos e outros tantos em curso. Apenas em 2024, ela terminou de gravar quatro longas, uma série, é garota-propaganda de dez marcas, participou da divulgação de três séries lançadas no streaming, protagonizou uma série gringa (na NBC Universa), gravou o áudio livro de Torto Arado, está gravando o audiolivro da biografia de Angela Davis e, aos finais de semana, ainda apresenta o espetáculo Coração Vagundo – Zezé canta Caetano. Ufa!
“Hoje, não sinto mais dores de amor. A gente amadurece, né?”
E isso apenas na seara da carreira, já que enquanto a atriz conversava com Mina, ela ainda afagou uma de suas cinco filhas (além das filhas, ela é mãe de outro rapaz) e deu atenção ao namorado. Sem tempo, irmão? “Sem tempo de envelhecer, minha querida”, responde num tom de voz com cadência suave e elegante, sem a afobação ou pressa tão característica dos dias atuais. “Aprendi isso com a minha mãe. Amaioria dos negros não tem não tem rugas, minha mãe envelheceu com uma aparência muito boa, os quilos controlados, uma pele lisinha e muito bom humor. As pessoas falavam para ela: ‘mas Dona Maria, a senhora não vai ficar velha?’. Ela falava ‘não, não tenho tempo’. E assim foi ficando sem tempo até os 95”, relembra. “Por isso decidi envelhecer como ela, sem tempo de ficar velha”.
Envelhecer sem tempo de ficar velha poderia ser considerado um talento raro. Afinal, não é sobre se deleitar em procedimentos estéticos ou estar por dentro das tendências dos jovens: é sobre aproveitar e fazer valer a pena essa coisa fugaz chamada vida. E Zezé Motta soube – e sabe! – muito bem como viver. E a fórmula para isso, ela garante, não é tão difícil de encontrar. Saiba mais na entrevista.
Você é uma pessoa que tem rotina?
Muito. Almoço todos os dias no mesmo horário, só para te dar um exemplo. Na verdade, sou uma pessoa muito disciplinada. Eu gosto da minha rotina, acho que me faz bem. Acordo todo, faço minhas orações, faço ginástica três vezes na semana com personal trainer, falo com meus filhos e trabalho.
Você sempre foi assim ou foi algo que aprendeu com o tempo?
Fui aprendendo. Quem me ensinou a importância da disciplina foi a minha saudosa comadre Marília Pêra [atriz que morreu aos 72 anos em 2015 em decorrência de um câncer de pulmão]. Eu sinto muita falta dela porque sempre quando tinha alguma dúvida em relação à carreira recorria a ela. Se hoje eu canto é por causa da Marília, que me incentivou a fazer aulas de canto. Fiz aula de dança aconselhada por ela. Ela me ensinou que é de suma importância se renovar, algo que faço até hoje. Sempre que alguém que eu admiro vem ao Brasil ou ao Rio fazer um curso ou algum workshop eu tento fazer. A gente precisa se renovar, não só para a carreira, como para a vida.
E o que você está fazendo atualmente?
Atualmente estou trabalhando na narração do audiolivro da biografia da Angela Davis. Tá bem legal, mas ela é uma mulher que sofreu muito, né? Estou doida para que passe essa fase de sofrimento, porque eu sofro junto. Acho que hoje na gravação eu já entro na fase mais próspera da vida dela. Além disso, aos finais de semana, apresento o Coração Vagundo – Zezé canta Caetano, show em que canto músicas do Caetano Veloso. É muito gostoso. Como são músicas muito conhecidas, o público canta junto, gosta de interagir.
Com essa narração de Angela Davis, como você faz para não levar esse sofrimento dela para casa?
Eu me envolvo emocionalmente, não tem como. Mas é preciso tomar uma providência senão esse sentimento impregna e você acaba sentindo isso 24 horas. Eu acredito muito na força da oração. Sempre que termino o trabalho, eu agradeço por mais esse dia e peço a Deus para me ajudar a desligar daquela dor. Não sobrevivo sem orar. É uma coisa que eu faço quando acordo, durante as refeições, antes de dormir e antes de entrar em cena.
Qual a sua religião?
Sou espírita kardecista.
Como é que foi essa chegada aos 80? Foi aquilo que você imaginou ou foi apenas mais um ano?
Fiz uma festa maravilhosa. A proposta era fazer 80 anos com 80 convidados, mas acabou sendo maior. Foi muito bom. Eu estava olhando aquelas pessoas todas e foi muito emocionante. As pessoas se programam para esse encontro, né? Pensa numa roupa pra usar naquele momento, não marca outros compromissos, tem toda uma dinâmica de demonstração de afeto que dá um quentinho no coração da gente. A minha mãe tinha umas tiradas muito engraçadas. Ela viveu até os 95 anos bem conservada. A maioria dos negros não em rugas, e minha mãe envelheceu com uma aparência muito boa, os quilos controlados, uma pele lisinha e muito bom humor. As pessoas falavam para ela: ‘mas Dona Maria, a senhora não vai ficar velha?’. E ela falava ‘não, não tenho tempo’. E assim ela foi ficando sem tempo até os 95. Por isso decidi envelhecer como ela, sem tempo de ficar velha.
“Dava para contar nos dedos todos negros que estavam em cena no teatro, na TV e no cinema”
Você está rodeada por mulheres (tem cinco filhas e um filho) e fala sempre com os filhos e netos. Como é essa dinâmica?
É normal. Só acho que o fato de ter mais mulher rolam uma certa fofoquinha. (Risos)
Você gosta de fofoca?
É bom de vez em quando, né? Mas no convívio com as mulheres a gente aprende muito uma com a outra e, como mãe, tô sempre acolhendo e ouvindo. Inclusive essa interrupção que fizemos foi por causa de uma filha que me ligou.
Atualmente a Globo está com três protagonistas negras simultaneamente em suas três novelas. Como você vê isso?
Eu fico feliz e emocionada porque eu sei que contribuí para isso. No início da minha carreira, quando as coisas deram certo para mim, de repente olhei em volta e falei ‘cadê todo mundo?’. Dava para contar nos dedos todos negros que estavam em cena, tanto no teatro como na televisão e no cinema. Por isso, vejo isso com emoção e com sentimento de que a luta valeu a pena.
Eu queria fazer uma pergunta sobre sexualidade na terceira idade. Não sei se você se sente confortável em falar sobre o tema…
Magina! Eu adoro falar sobre sexo!
E sempre foi assim, um tema tranquilo?
Minha vida sexual começou muito tarde, por uma questão religiosa. Minha mãe era Testemunha de Jeová, então fui ensinada que o sexo tinha de acontecer só depois do casamento. Era uma questão de convicção religiosa da minha mãe e que eu obedeci até os 21 anos, porque nunca me casei. Mas dos 21, deixei de ser virgem, em diantes tive uma vida sexual regular.
E hoje, a quantas anda?
Atualmente estou namorando um rapaz 14 anos mais jovem que está me fazendo muito feliz. Não que precise ser necessariamente assim, como aconteceu comigo, mas acho que isso é uma coisa saudável, né? Não só o sexo, mas a parceria. Eu acho que a vida não é fácil. Ela é cheia de emoções, de alegrias, mas tem também seus momentos difíceis. Quando você tem uma parceria bacana, a jornada fica mais leve.
E você pensa em se casar mais uma vez? [Zezé foi casada cinco vezes]
Não tenho essa vontade. Hoje, não troco mais minha liberdade, meu conforto na minha cama, dormir sozinha por nada. Antigamente, eu casava, me apaixonava mesmo e tinha aquele pacote todo… Ciúmes. Hoje em dia, não. Mas sou uma mulher que gosta de estar envolvida com alguém, de estar amando, isso me dá gás. O que mudou no decorrer dos anos é que eu agora não sofro, sabe? Não tenho mais dores de amor. A gente amadurece, né?