Como anda o seu faro? Entenda o poder do olfato - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

Como anda o seu faro? Entenda o poder do olfato

Nosso olfato é capaz de muito mais do que avisar que algo está queimando. A especialista em cheiros e emoções Palmira Margarida mostra a importância de darmos mais atenção aos sinais que esse sentido envia

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“Meta o nariz onde não foi chamada”. Esse é o recado de Palmira Margarida, empresária e PhD em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela é especialista em cheiros e emoções com ênfase em neurociências. Autora do livro Mulheres farejadoras: a intuição na ponta do nariz, lançado em agosto pela editora Mapa Lab, ela exalta o poder olfativo e mostra como a sociedade tem buscado silenciá-lo ao longo do processo civilizatório, principalmente entre as mulheres. “Seja dona do seu nariz. Meta o nariz, sim. Esses jargões mostram que nós e os nossos ancestrais sabemos do poder do olfato. Volte a sentir o cheiro das coisas”, nos convida ela. Veja, a seguir, nosso papo com Palmira.

“O cheiro permite um conhecimento do próprio corpo”

Quais são os poderes do olfato, especialmente para as mulheres? 
Temos uma forte conexão com o faro, historicamente, nossa intuição vem muito dos cheiros que sentimos. Já é comprovado cientificamente que as mulheres, ou quem nasce com cromossomos XX, têm, pelo menos, mais que o dobro de neurônios olfativos do que pessoas XY. A ciência ainda está estudando o que isso significa, mas, de fato, somos muito mais atentas ao olfato e temos uma cognição intuitiva mais intensa. Pegamos informações no ar e isso é poderoso. O nariz grande é usado metaforicamente, desde a Idade Média, para identificar pessoas sábias. Mas, na mulher, isso foi considerado perigoso.

Explica isso, qual a simbologia do nariz feminino?
Estudando publicações da imprensa brasileira do século 19, o narigudo é considerado um homem poderoso, já a nariguda é vista como a abelhuda, que se mete onde não devia, uma bruxa. Esteticamente, ter nariz grande é considerado ruim entre as mulheres, não é à toa que o Brasil é campeão em rinoplastia. Mas queria destacar a Baba Yaga, personagem de um conto famoso no Leste europeu, que é uma bruxa nariguda. Ela vive na floresta e tem um caldeirão, que, na psicanálise, representa as nossas emoções. É tão poderosa e sábia que nem precisa de uma colher para mexer o caldeirão. Ela mexe com o nariz de tão grande que é. Ou seja, acessa suas emoções com a sabedoria do seu instinto, do seu faro. Essa caracterização da bruxa nariguda passa a ser usada depois pela Disney para representar bruxas más

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Como o olfato era usado pelos nossos antepassados?
Na nossa sociedade ocidental, que também é machista, a cognição racional foi hipervalorizada diante das outras cognições. Nossos antepassados entendiam a cognição intuitiva como algo extremamente importante, mas hoje é coisa de mulherzinha. Segundo o sociólogo alemão Norbert Elias, o processo civilizatório diminui tudo o que se refere ao poder humano. Quando o cristianismo começa a se constituir como uma religião, na grande reforma gregoriana, por exemplo, o corpo passa a pertencer a Deus, o sangue divino é o sangue de Cristo. O que é do humano passa a ser pecado, inclusive os sentidos, o intuir, o farejar. O lugar do farejar é muito instintivo, primário e animalesco. Através do sistema límbico, ele está ligado às paixões, ao ódio, ao amor, ao sexo, à vontade de comer. 

Você pode dar alguns exemplos de como eles eram usados?
Nos séculos 1 e 2, um casal apaixonado se cheirava muito antes de transar. As mães cheiravam as crianças, a comida, elas metiam nariz nas coisas. As parteiras cheiravam as ervas, reconheciam quando a hora do parto estava chegando e até a posição do bebê, tudo pelo cheiro da vagina. O cheiro permite um conhecimento do próprio corpo. É possível até identificar doenças através dele. Isso dá poder, transborda paixões.

O que nos afastou desse uso apurado do olfato?
Esses tipos de uso começaram a ser banidos pela Igreja em então, foi sendo perdido num processo de silenciamento. No final do século 19, quando acontece a industrialização da perfumaria, começam as categorizações do que que pode e o que que não pode ser considerado um cheiro aceitável. São criados o que é cheiro de mulher, de homem, de bebê, de limpeza… Uma diversidade gigantesca de cheiros é reduzida a uma dezena. A mulher direita usa perfume europeu. Se usa jasmim ou macassá, é puta, pobre. O olfato passa a fazer essa distinção de classe. E também vai falar sobre o condicionamento dos corpos. 

“O cortisol baixa quando uma pessoa sente o cheiro da pessoa por quem está apaixonada”

Como retomar essa conexão?
Voltando a farejar. Precisamos ficar atentas à nossa intuição, ao nosso instinto, que como eu disse, vêm muito do olfato. Resgatar coisas como: “não sinto um cheiro bom nessa história”, “ele não é flor que se cheire”… Ou quando dizem para a gente: “você não é dona do seu nariz”, “não meta o nariz onde não é chamada”. Seja dona do seu nariz. Meta o nariz, com vontade. Esses jargões mostram que nós e os nossos ancestrais sabemos do poder do olfato. Volte a sentir o cheiro das coisas, especialmente de coisas naturais: da fruta, da sua comida, do seu corpo, da sua pepeca. Nosso corpo é cíclico e o cheiro dele muda quando estamos ovulando, quando estamos menstruadas. Um estudo mostrou que o cortisol, hormônio do estresse, baixa quando uma pessoa sente o cheiro de uma peça de roupa da pessoa por quem está apaixonada. 

A gente sabe que os cheiros podem mexer com nossos sentimentos. Mas os sentimentos têm cheiro?
Exato, um cheiro é capaz de mudar toda a sua sensibilidade e, inclusive, de manipular centenas de pessoas. E sim, os sentimentos têm cheiro e um cheiro poderoso: dependendo da sua emoção, o odor que você libera é capaz de deixar as outras pessoas tristes ou felizes sem que ninguém se dê conta. Os animais sentem o cheiro do nosso medo. Só que a gente esquece que também é animal. As pessoas também sentem o cheiro do seu medo. Saber disso nos dá poder pessoal.

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