Sou Letícia Vidica, tenho 39 anos, 90 quilos, manequim 46, grande, gorda e feliz. Sou GG, sim! Uma mulher grande, gorda e gostosa. Ou uma mulher gorda, gostosa e grande. Enfim, a ordem dos fatores não altera mais hoje a minha autoestima. Sou da turma do GG com muito orgulho. Mas me sentir bem e confortável com o corpo que carrego hoje nem sempre foi assim. Chegar nesse momento, levou um bocadinho de tempo. Uma jornada cheia de alguns altos e vários baixos.
Dieta da lua, da USP, da proteína, low carb, Dukan, jejum intermitente… diga o nome da dieta e, provavelmente, eu direi que fiz. Sim, assumo e não nego – e já paguei o preço por muitas delas. Antes de me entender no corpo que tenho, percorri uma longa (longa mesmo) e dura jornada com o meu peso. Sempre vivi no efeito sanfona do engorda e emagrece.
Tipo “deu a louca no ponteiro da balança”. Um sobe e desce de quilos e calorias que me assombraram por muitos anos. Quilos que tentei matar com as dietas mais malucas possíveis e também recorrendo a alguns remédios. Toda essa minha inquietude e uma certa fascinação por tentar emagrecer e caber no tal do PP ou manequim 38, que nunca me pertenceram, tem origem lá na minha infância.
Se você também for da geração anos 80 (alô, galerinha 35+), talvez você também tenha tido uma infância onde criança saudável era sinônimo de criança “gordinha” (e acho bom reforçar aqui que peso nada tem a ver com saúde, viu?). Fui uma criança magra até os meus 7 anos, mas aí minha família seguia o padrão da época de que era preciso ficar forte e engordar um pouquinho.
“Vejo nas fotos antigas uma pessoa tentando se encaixar num corpo que não é o seu”
“Taca tônico e vitamina na menina”. Quem nunca se entupiu de um tal biotônico por aí? Resultado disso: fiquei forte, gordinha e com toda uma adolescência pela frente. Fase que, inclusive, até pouco tempo eu não gostava de me olhar nas fotos porque via ali uma menina preta, gordinha, com seios grandes (quando nenhuma amiga tinha peito ainda, destaco) tentando esconder tudo isso embaixo da camiseta.
Falar sobre isso hoje pode até parecer ofensivo, mas, nos anos 90/início dos 2000, a ditadura que imperava era a da magreza. Na TV, nos comerciais, nas capas das revistas, na rua, na escola e por toda a parte, o que se via eram pessoas magras, gente querendo ser magéeeerrima. Tudo que eu nunca fui, não serei e, hoje, nem quero ser.
Pausa: e olha que estou falando de corpo e não de cor da pele (deixo isso para outro artigo). Enfim, entre uma adolescência lutando com a balança, tentando se enquadrar nos padrões que nunca foram feitos para mim, em meio a dietas, questionamentos de familiares sobre meu peso… tive alguns ápices da tal ‘magreza’, mas que, hoje, ao me olhar nas fotos, não acho que tenha sido a fase que mais me achei bonita. Vejo naquelas fotos, mais uma vez, uma pessoa tentando se encaixar num corpo que não é o seu.
Digo isso porque eu venho de uma família de mulheres grandes. Temos exceções, mas, em geral, mulheres pretas são grandes, com seios grandes, quadris grandes, bumbum grande, costas largas, estrutura óssea maior. Essa é a beleza do nosso fenótipo. É genética, é a nossa biologia. Como posso então tentar fugir dessa regra e não ver beleza nisso? Faz parte da minha história.
Uma foto que tirei no Pelourinho em Salvador (BA) alguns anos atrás marcam para mim um novo começo. Não, eu não estava magra na foto. Estava no auge do meu peso. Um peso que nunca tinha atingido antes e que foi acumulado também por conta de um processo psicológico afetado por questões amorosas da vida.
“Dobrinhas ainda gritam no espelho, mas não deixo de me achar bonita por isso”
Naquele momento, não me enxergava naquele corpo até ver aquela foto. Novamente, entrei na luta contra a balança mas, dessa vez, a ideia era emagrecer mas ter mais saúde e qualidade de vida. A partir dessa época, tomei gosto pelos exercícios – algo que achei que nunca fosse fazer parte da minha vida –, comecei a ver uma transformação saudável no meu corpo e algo também começou a mudar na minha mente. Assim como o mundo ao redor começou a mudar um pouco também.
Passei a ver mais pessoas com o meu tamanho na TV, nos comerciais, na capa das revistas… Gente que, assim como eu, começou a ver beleza e aceitar o corpo que se tem. Esbanjar saúde em corpos diversos, nada convencionais e que agora se enquadram também no tal do padrão de beleza que é a beleza de cada um.
Não vou dourar a pílula aqui e ser utópica dizendo que todos os problemas com o meu corpo acabaram. Seria leviana e mentiria para quem me lê. Ainda enfrento a onda do engorda e emagrece. Quilinhos e dobrinhas a mais ainda gritam no espelho (e me incomodam quando entram em rebelião), mas eu não piro mais e não deixo de me achar bonita por isso.
Sei que posso melhorar, posso fazer algum estica e puxa para tirar eles dali (se estiverem realmente me incomodando), mas vejo beleza no meu corpo. Vejo beleza nos meus seios grandes, nas minhas dobras, na minha estrutura grande. Vejo beleza em mim. E essa é a magia! Ver beleza na gente.
Outro dia, enquanto me trocava no camarim da emissora para gravar o programa, uma pessoa da equipe de figurino notou que eu tinha emagrecido. Confirmei. Para o meu espanto, a pessoa me retrucou; “Mas por que você está emagrecendo?”. Respondi timidamente que esse era o resultado dos exercícios e da natação que tinha começado a fazer para aguentar o tranco da minha rotina, que não é nada fácil.
“Ah, bom. Que susto! Achei que já tinha entrado na piração de ficar magra por que está na TV”. Essa foi a resposta dele. Sim, os tempos mudaram. Corpos como o meu cabem hoje na TV, na revista, na passarela, nas ruas. Cabem onde eles quiserem caber. Inclusive nas roupas que hoje são feitas para gente, como eu, que se orgulha de dizer: eu sou GG! Uma grande gorda e gostosa.