Muita gente acha que ter mais dinheiro resolveria sua vida. Mas a verdade é que um monte de gente do topo da pirâmide socioeconômica também está às voltas com a dificuldade de fazer as contas fecharem no fim do mês. É comum escutar pessoas das classes A e B (definidas pelo IBGE de 2022 como quem ganha mais de R$7.100) reclamando que não consegue sair do vermelho. A vida está mesmo cara e o capitalismo neoliberal vivido em um país com baixa estrutura pública não nos deixa muitas opções: corremos atrás dos boletos sem parar.
Digo isso com tranquilidade (ou nem tanto) porque aqui temos cinco boletos de escola para pagar e o plano de saúde é vezes sete. Enfim, se tem uma coisa sobre a qual posso falar com propriedade é sobre contas para pagar e, de reboque, todo o processo que envolve organizar essa saída infinita de dinheiro que é ter uma família grande num país como o Brasil – sem benefício para quem tem muitos filhos e com estrutura pública subdimensionada ou sucateada.
Tira a escola e a saúde da conta da geral para ver se não fica todo mundo feliz
Sem falar na desigualdade avassaladora que expõe a maioria da população a condições degradantes de vida. Não é por acaso que a Finlândia foi considerada o país mais feliz do mundo pelo sexto ano consecutivo em 2023, segundo o Relatório Global sobre Felicidade. Oferece escola e a saúde gratuita de qualidade pra geral e, de quebra, dá estabilidade nos empregos pra você ver se a gente não fica todo mundo feliz da vida. Vale trazer aqui também que segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o salário mínimo no Brasil deveria ser R$6.390. Mas, enquanto os padrões finlandeses e ou esse ajuste não chega, haja planilha e coragem de encarar os fatos.
Sim, porque se tem uma coisa que une os brasileiros de vários estratos socioeconômicos é o medo de encarar de frente as finanças pessoais. E é aqui que quero chegar: é esse medo que nos afasta do controle sobre nossas próprias finanças e o descontrole gerado nessa fuga atinge diretamente a nossa saúde mental – que, por sua vez, está diretamente ligada a essa tal felicidade que tanto buscamos.
Segundo uma pesquisa conduzida pela APA – American Psychological Association (Associação de Psicologia dos EUA), o dinheiro é a principal fonte de estresse para a maioria das pessoas. A pergunta que fica é: se ganhar mais não tem exatamente resolvido o problema, qual a solução? É preciso encarar as finanças de frente e organizar o que se tem.
Conversei com Eduardo Amuri, planejador financeiro mais acolhedor desse país, pra dar um abracinho em vocês e dizer: bora tomar a rédea das nossas contas? “A dificuldade da maioria das pessoas em fazer um planejamento financeiro não são as contas em si, e, sim, encarar os fatos e lidar com as emoções que eles geram”, garante.
E sabe porque as pessoas têm medo? Porque organizar as contas nos obriga a fazer concessões. “Aí, deixa de ser uma questão matemática, que é a parte mais fácil dessa história, e se torna uma questão emocional. Já que tem coisas que a gente vai querer fazer e não vai poder. Talvez a gente até se depare com falta de perspectiva, com sensação de incompetência e uma série de problemas emocionais. Faz parte”, diz Amuri.
A felicidade mora na tranquilidade de saber exatamente onde (como, quando e quanto) podemos pisar
Mas onde mora a felicidade nesse contexto onde só parece haver trevas, meu deus? Eu conto: ela mora na tranquilidade de saber os limites, de saber exatamente onde (como, quando e quanto) podemos pisar. Eu, por exemplo, sei que nessa família aqui não podemos comer em restaurantes. Infelizmente, não cabe no orçamento levar a patota toda pra comer fora e entender esse limite traz uma paz.
Foi fincado neste pilar que Gabriel, meu companheiro, correu atrás de aprender a fazer temaki. Porque comprar o peixe na feira e os ingredientes na lojinha japonesa do bairro sai muito (muito!) mais barato do que levar as crianças no rodízio mais em conta da região.
É por isso que Amuri frisa que, além de apps e planilhas, precisamos de mais abordagens em finanças que se voltam para o lado terapêutico. “A negação em aprender um pouco da parte logística das finanças vem exatamente da nossa dificuldade de lidar com as emoções e o ciclo de receio que se retroalimenta: tenho medo e por isso não aprendo e não aprendo porque tenho medo”, diz.
Se a gente pegar o dado de uma pesquisa da SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) Brasil que revela que 80% dos inadimplentes sofrem com o baque emocional de estarem em dívida, podemos deduzir rapidamente que o descontrole financeiro gera muita infelicidade.
Veja, 63% dos entrevistados relataram ansiedade, 43% falaram em alteração do sono e 25% passaram a gastar mais depois que se viram endividados – esse último, pra mim é o maior sinal de que algo vai muito errado. Mas nem precisa ir tão longe, aposto que você também sofre quando o cartão de crédito e os boletos comem quase todo o seu salário e não sobra dinheiro para outros pagamentos que precisam ser em espécie.
Pois bem. A organização financeira não vai acabar com todos os problemas, mas pode ajudar a te libertar do sofrimento de não poder ou não conseguir. Se eu tenho certeza que não posso reservar uma casa pra passar o réveillon com meus filhos na praia, tenho uma certa tranquilidade de nem precisar sofrer com isso. Deu pra entender?
Traz paz verbalizar nossos limites financeiros para nossos filhos, parentes e amigos
O que traz a sensação de estresse com os boletos é o descontrole, é se ver incapaz de gerenciar as demandas da vida, é estar sempre querendo algo que não podemos ter (socorro!). “Por isso, ganhar uma certa clareza sobre o quanto entra e o quanto sai geralmente traz um alívio. Mesmo que num primeiro momento pareça que vai ser só mais uma tarefa ou que doa um pouco. Se bem feito, o planejamento financeiro traz paz”, garante Amuri.
E aqui eu acrescento: traz paz e uma certa coragem de verbalizar nossa realidade financeira para nossos filhos, parentes e amigos. Deixar claro nossos limites faz com que as crianças e quem está em volta de nós, crie uma expectativa mais realista. Também abre espaço para gentilezas sinceras e parcerias quando necessário. Acredite, esconder dificuldade financeira faz tão (ou mais) mal do que estar em dificuldade financeira.
Antes que me taquem pedras por fazer esse discurso do alto do meu privilégio, deixo aqui registrado que estou falando, claro, com aqueles que estão acima da linha da pobreza, aqueles que veem um bom salário entrar e sair na mesma medida. E, principalmente aqueles que se surpreendem quando percebem que estão no topo da pirâmide sócio econômica brasileira e não conseguem comprar uma calcinha nova.
Por onde começar?
O jeito de se estressar menos com as finanças é, justamente, olhar mais pra ela. “E olhar do jeito certo: de maneira compassiva e calma. O maior erro, pra mim, é criar um planejamento complicado demais. E a origem disso está na compreensão real do que é o planejamento financeiro. É preciso vê-lo como uma ferramenta de apoio para nossa tomada de decisão”, garante Amuri. A crença de que planejamento financeiro é algo matemático só nos afasta, soa como algo que só deve ser tocado por especialistas.
Tem que anotar todos os gatos?
A maior parte das pessoas têm bloqueios (emocionais, não matemáticos!) em anotar coisas na planilha, e Amuri garante que o registro das informações não é imprescindível. “Acho um saco fazer o registro diário, eu não anoto. Pra mim, seria insuportável. Eventualmente, durante um período curto de tempo, o registro pode ser útil para levantar uma base, uma vez que a gente tem esse registro, trabalhe em cima dele sem ter que ficar anotando”, orienta.
É desde pequeno que se ensina?
A educação financeira precoce, para crianças e jovens, é uma maneira de criar uma conscientização sobre o assunto e pode fazer diferença ali na frente. Mas, como isso é feito, faz toda a diferença.
“A educação financeira que funciona é aquela que visa entregar um repertório emocional. Um exemplo: expor a criança a certos contextos e situações que faça com que aprenda a lidar com longo prazo, como postergar uma recompensa, por exemplo. Educação financeira não é ensinar a fazer contas e, sim, dar aos pequenos um repertório emocional”, ensina.
“Se fosse rica estava tudo resolvido”
Quem nunca pensou isso, né? Até quem é rico pensa que se fosse mais rico… Mas é aqui que precisamos lembrar das pessoas que ganham salários de cinco dígitos e também estão se espremendo pra pagar as contas. Ser rico facilita demais, claro, mas será que é só isso? Aqui, deixo Amuri falar sobre riqueza porque é bem mais bonito: “O mais importante pra mim é que o aspecto financeiro da minha vida não atravanque os outros aspectos e, se possível, potencialize as outras esferas da minha vida. Então, eu me sinto rico quando percebo que o dinheiro não me impede de me movimentar, e quando as frentes que quero desenvolver são potencializadas pelo capital financeiro e não atrapalhadas por ele”, diz.
Claro que, às vezes, fico triste quando quero fazer algo simples, mas percebo que está fora do que minhas posses atuais permitem. Mas, ter a certeza que não posso, me liberta de sofrer querendo aquilo por muito tempo. E tá tudo bem, porque eu faço comida japonesa em casa, estou no topo da pirâmide socioeconômica e tenho mesmo é que ter vergonha na cara de sofrer por bobagem vivendo num país como o Brasil. Pronto, passou.