Isa Isaac Silva: “Aos 16 anos, me dei de aniversário meu primeiro conjunto de calcinha e sutiã” - Mina
 
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Isa Isaac Silva: “Aos 16 anos, me dei de aniversário meu primeiro conjunto de calcinha e sutiã”

Isa, dona da grife Isaac Silva conta por meio de 5 fotos sua trajetória de vida. E garante que ser amorosa desde criança a salvou de vivenciar inúmeras violências

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Um dos nomes que vem revolucionando a moda nacional, Isa, dona da grife Isaac Silva, tem ganhado destaque desde sua estreia no desfile para Casa de Criadores em 2015, o que a impulsionou a estar no São Paulo Fashion Week em 2019 e daí em diante para o sucesso inclusive com parceria com grandes marcas nacionais. Nascida no interior da Bahia, Isa recorda que teve uma infância regada com amor e foi no Ateliê de Morena, o seu primeiro contato com corte e costura. Lá, com a marulho das máquinas, ela se sentia acolhida quando de alguma forma era violentada por ser quem é. “Aquele era um espaço seguro e eu achava mágico o processo de fazer roupa. Era meu parque de diversões e ali botei na minha cabeça que queria ser costureira”, recorda. 

A estilista conta como a moda fez, desde muito cedo, parte de um imaginário de liberdade feminina que ela sempre exerceu, mesmo em uma época em que o mundo não a compreendia. Por meio de cinco fotos, Isa conta sua trajetória que vai do interior à Salvador e depois São Paulo, até chegar nos dias atuais, onde aos 33 (quase 34 anos) colhe os frutos de sua gentileza e doçura.  

Em maio deste ano, Isa fez um desfile grandioso na Ocupação 9 de Julho, pela São Paulo Fashion Week, levantando suas bandeiras de diversidade, sustentabilidade e ancestralidade. “Quando ficava triste e para não desistir assumi a frase ‘Acredite no seu Axé’, que é esse emblema de empoderamento, de ser feliz e de que as coisas vão dar certo”, afirma. 

Em seu aniversário de 4 anos, quando já se sentia uma criança queer

“A professora abaixou a minha calça para ter certeza se eu era menino ou menina”

Isa se lembra de uma época em que câmaras fotográficas não eram tão acessíveis. Seu pai contratava um fotógrafo para fazer os registros dos aniversários. Na comemoração de seus 4 anos, o tema era Pirata, e a estilista já tinha alguma consciência de que era uma criança do universo queer. “As pessoas ao entorno não entendiam por que aquela criança que nasceu no sexo masculino era tão afeminada”, diz. 

A distinção de roupas e acessórios tidas do sexo feminino com o masculino sempre a intrigaram. Ela se recorda de, ainda pequena, comprar seu material escolar todo da Moranguinho, da professora orientar, no primeiro dia de aula, que ela se sentasse com as garotas. “Quando a professora fez a chamada e respondi por Isaac, ela me tirou da sala e perguntou se eu era menina ou menino, lembrando que o uniforme era igual pra todo mundo. Eu respondi que não sabia. Ela ficou tão indignada, que abaixou a minha calça pra ter certeza. Ali me senti violentada”, diz.  Após da violência, Isa foi trocada de carteira, mas não era aceita nem entre os meninos e nem entre as meninas. “Ali entendi meu não lugar e fui colocada para sentar no meio da sala”, diz. 

No aniversário de 5 anos, quando não ganhou a boneca que tanto queria 

“Tinha que fugir das pedradas aos gritos de ‘olha o viado passando'”

Apesar do ambiente escolar não ter sido fácil no início, Isa conta que por ser uma criança amorosa, conseguiu tornar o universo de estudos em um canto de amor e afeto. Assim, conseguiu se resguardar de toda a violência que viveu durante esse tempo. “Me blindei para não ficar marcada por violências, mas sempre desejei uma boneca e nunca pude ter”, conta. Nessa época, por estudar em uma escola particular, ela era uma das únicas pessoas pretas daquele ambiente e se recorda de raramente ser convidada para ir na casa dos coleguinhas. 

De brincadeiras na rua, ou em casa, o seu universo lúdico continuava existindo. Foi nessa época que se aventurar no Ateliê de Morena ou brincar com as roupas da irmã era uma verdadeira festa. “Achava mágico o processo de fazer roupa. Meu parque de diversões era aquele Atelie e ali botei na minha cabeça que queria ser costureira”, explica. Mas nem tudo eram flores. “Eu era muito feliz brincando na rua, mas tinha que fugir das pedradas aos gritos de ‘olha o viado passando’”.  

Aos 14 anos, quando se mudou para Salvador

“Naquela época nem existia o termo ‘mulheres trans’, era ‘o travesti’, bem pejorativo”

Já adolescente, Isa se mudou para Salvador com sua mãe logo após a perda repentina do pai. Nessa época, seu lado feminino estava mais aflorado, mas por conta da transfobia e do preconceito, ela não via espaço para usar roupas tidas como femininas ou deixar o cabelo crescer. Com acesso as informações no auge dos anos 2000, Isa se deparava com notícias de que o futuro das mulheres trans era a prostituição, o que não queria pra ela. “Naquela época nem existia o termo ‘mulheres trans’, era ‘o travesti’, para ser usado de modo pejorativo e no masculino”, diz. 

Em casa, as coisas já não eram tão amorosas como na infância, a estilista ouvia da mãe que tinha um menino e queria a performance de um menino. Mas, na mesma época, ela começou a conhecer pessoas do mundo LGBTQIA+, onde teve acolhimento. “Me coloquei como uma gay afeminada, e as pessoas me viam como uma mulher sapatão.” Num grupo de emos, Isa se sentia mais acolhida para usar acessórios que exprimiam sua feminilidade, como a roupa íntima. “Aos 16 anos, me dei de aniversário o meu primeiro conjunto de calcinha e sutiã. Chorei quando experimentei pela primeira vez”, diz. 

Com a avó, em 2022, quando anunciou a transição de gênero para o mundo

“Sou a primogênita da minha avó, e hoje ela fala: tenho uma neta linda”

Foi quando estava na faculdade de moda que Isa comunicou sua família que era uma pessoa do movimento LGBTQUIA+. Na sequência, em 2008, aos 19 anos, se mudou para São Paulo, e foi aí que tudo mudou. “Essa mulher que sou hoje, sou graças a São Paulo”, diz. Em 2015 Isa participou pela primeira vez da Casa dos Criadores e a ascensão começou. Foi numa viagem de volta à Bahia, quando a marca já tinha explodido de reconhecimento, que a estilista se sentiu à vontade para contar à família que era uma mulher trans. Depois, teve a ajuda dessa entrevista que saiu na Marie Claire. “Quando saiu a matéria, abri o diálogo com minha família, e foi algo natural porque hoje se discute tudo de uma forma bem mais saudável. E sou a primogênita da minha avó, e agora ela fala: tenho uma neta muito linda”, diz. 

Isa, numa foto atual, aos 33 anos

“Ano passado meus amigos me viram de biquíni pela primeira vez”

Foi numa viagem para Paraty, Rio de Janeiro, no começo de 2022 que, aos 33 anos, os amigos de Isa a viram de biquíni pela primeira vez. “Foi a mesma sensação de quando usei calcinha e sutiã na adolescência”, diz. Hoje, Isa fala com tranquilidade sobre a tentativa de hormonização aos 30 anos e sobre a decisão recente de fazer a transição de gênero, garante que sempre se sentiu mulher, mas só em 2021 começou a falar abertamente sobre o assunto. “Antes respondia que era uma pessoa, que se quisessem me tratar no feminino, tudo bem, e se quisessem me tratar no masculino, também”, contou à Marie Claire, onde também não deixou de mencionar as mulheres que lhe servem de exemplo: “A Neon Cunha é muito importante no meu processo de transição. Porque tenho medo de ser uma mulher trans todos os dias. Por conta da violência, morro de medo. Então essas mulheres, como Erica Malunguinho, Liniker, Linn da Quebrada, Jupp do Bairro… são mulheres que mostram que é possível ser quem se quer ser”. 

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