Dona Déa fala sobre maternidade, Paulo Gustavo, trabalho e Madonna - Mina
 
Suas Emoções / Reportagem

Déa Lúcia: “Cada mãe é do jeito que pode e que consegue ser”

A mãe de Paulo Gustavo inspirou a personagem que o levou ao estrelato e, de mãos dadas com Dona Hermínia, se tornou um pouco 'a mãe do Brasil'. Feliz com o título, Dona Déa sabe a responsabilidade que tem. Foi entre risadas e lágrimas que ela falou sobre maternidade, trabalho e os três anos sem o filho

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Ser reconhecida como “a mãe do Brasil” é, ao mesmo tempo, uma alegria, um orgulho e uma grande responsabilidade. Desde a partida precoce do ator Paulo Gustavo, vítima da Covid-19 em 4 de maio de 2021, aos 42 anos, o Dia das Mães de Déa Lúcia Amaral, 76 anos, carinhosamente conhecida como Dona Déa, é antecedido pela dor profunda da lembrança da data em que perdeu seu filho. 

Mas Dona Déa tem uma família em que a cura da tristeza é o humor. Ela chora e ri quase que simultaneamente ao lembrar de passagens divertidas da convivência com o Paulo Gustavo. Alegra-se em dividir a rotina com os netos Romeu e Gael, de quatro anos, e se diverte com a caçula, Juliana, com quem vive no Rio de Janeiro. 

“Apoiei o meu filho desde jovem, briguei por ele e, automaticamente, briguei por todos”

Ao caminhar pelas ruas ou pelos corredores do Domingão do Hulk, Déa Lúcia amplia a simpatia de Dona Hermínia – personagem inspirada nela e criada por Paulo. Distribui abraços, beijos e broncas bem humoradas. Os diálogos que ela trava com as pessoas com quem cruza levam as mesmas provocações, os mesmos deboche e também a graça que ela tinha com o filho em casa e nos palcos de Uma mãe é uma peça, sucesso absoluto de bilheteria. 

Assim como a Madonna, Dona Déa se identifica com as causas dos direitos LGBTQIA+, fala sobre etarismo ao vivo na TV aberta e contribui para o enfrentamento ao racismo, como fez com Yasmim Brunet sobre Davi, campeão do BBB – ela presenteou Yasmim com a obra Macacos, de Clayton Nascimento, na expectativa de que o livro pudesse trazer reflexões a ela e ao público. Mas a modelo não levou o presente. Então, Dona Déa pegou o livro e postou a indicação em suas redes sociais. Foi atacada por haters. “Mas eles não me derrubam. Porque quem me cancela sou eu. Entendeu? Sou forte”, diz.

É duro ver quando Dona Déa se entristece. Aperta o coração de qualquer um. E, às vezes, ela também se cansa. Quando quer descansar, assiste a um filme, mas só se tiver “homem bonito e beijo na boca”, conta rindo. A gargalhada é seu grande remédio, é o que alivia a alma da dureza e do vazio. E o amor, que, como ela diz, é o que sempre sustentou a sua família e a todos que convivem por perto. Nesta entrevista para Mina, Dona Déa fala sobre trabalho, saudade, sobre ser mulher e também sobre como ser feliz. 

Sua rotina é bastante agitada. Como é o seu dia a dia? 
Achei que, aos 76 anos, ia ficar quietinha, escondidinha e tudo. De repente, aconteceu isso tudo na minha vida. Não deu. O Luciano [Huck] me chamou pra participar do Domingão. Fui um dia e depois comecei a estar lá todo domingo. Estou nessa onda já vai fazer dois anos. Meu dia começa com a preocupação sobre o que está acontecendo no país. Aí, depois, vem a parte vaidosa. Então, além ter que estar antenada com o que está acontecendo na vida, tem que pensar sobre a roupa, com que cabelo vou… e nunca fui essa pessoa vaidosa. Essa vaidade ficou toda para o Paulo Gustavo.  Então, é muita coisa na minha cabeça. Vou fazer 77 e estou ficando cansada, porque a minha vida toda foi de luta, de trabalho. Mas não tem jeito, né? 

É difícil ser mulher e ter essa exigência de parecer perfeita, né?
Pois é. Não achei que fosse ser perfeita, não, tá? Sempre fui um pouco rebelde, faço as minhas coisas, quem quiser que goste, sempre fui assim. Por ter me separado, ter que trabalhar e, ao mesmo tempo, me distrair, com os filhos do lado, assistia uma seresta à tarde, acabei entrando na noite, comecei cantando. Costumo dizer que fazia quentinha de dia para comer de noite, cantava de noite para comer de dia. Minha vida sempre foi de muita luta e o meu filho, quando fez sucesso, falou: “para, mãe. Chega, você não vai fazer mais nada.” Minha vida foi essa. Agora, por conta disso tudo, por ter estado com ele na mídia, pela dona Hermínia, estou trabalhando de novo.

“Meus pais se amavam muito e isso foi uma grande coisa na minha vida, eu só via amor”

Trabalhando para caramba! Como é que a senhora se sente com essa responsabilidade que é ser a “mãe do Brasil”?
Essa história de “a mãe do Brasil” foi porque apoiei o meu filho desde jovem. E briguei por ele. Automaticamente, briguei por todos. Tinha cada briga horrível no Clube Central que frequentava. Quando um homem olhava de lado, ficava pau da vida, botava o dedo no nariz dele mesmo. Sempre lutei pelo direito de você ser o que você quiser, desde que tenha dignidade, responsabilidade e se comporte. Naquele tempo, eu dizia: meu filho, as pessoas vão julgar porque o filho da Déa pinta o cabelo de verde, porque o filho da Déa botou um brinco. Você não ligue para  isso, não. Mas tenha uma conduta digna. É só isso que te peço. Lutei muito pelo movimento gay nesse sentido: mostrando para o meu filho que ele podia ser o que quisesse, que um homem tem que ser um homem em pé, não é deitado. Trabalhador, responsável, amável com as pessoas, e consegui isso. Graças a Deus. Daí virei a mãe do Brasil. Agradeço de coração isso. Sou muito bem tratada. Todo lugar que vou, os jovens me abraçam. E dizem “se a minha mãe fosse igual a senhora…” Aí digo “não fala da sua mãe!”. Dou uma bronca. Porque cada mãe é do jeito que ela pode, que ela conseguiu ser. 

Houve um retrocesso grande nos últimos anos e o Brasil precisa se recuperar enquanto país, enquanto nação. A senhora acredita que é possível curar esse país?
Eu acredito, sabe por quê? Você se entrega quando fica descrente. É como se você dissesse “não tem mais nada, não vai adiantar nada”. Aí começa acabando dentro de você e dá a sensação de que acabou tudo. Não! Acredito que o Brasil vai melhorar muito. Acredito na humanidade, rezo, peço, tenho fé. Acredito que o país vai, sim, melhorar.

Essas questões que a senhora trata como pessoa pública são valores. Certamente ensinou isso para seus filhos e antes aprendeu. Como foi aprender com sua mãe e seu pai?
Primeiro, meus pais se amavam. Já foi uma grande coisa na minha vida, porque só via amor. Paulo Gustavo tinha o temperamento do avô, brincalhão. Minha mãe era virginiana, eu sou virginiana, ela falava assim “não gosto desse lençol, você deita na cama, o lençol fica todo enrugado”, zangando com meu pai. Aí quando ela sentava na cama, meu pai puxava ela e puxava o lençol por cima e falava “mas eu adoro, porque assim te beijo”. Cresci vendo esse amor e, ao mesmo tempo, essa mulher forte que era minha mãe. Meu pai era um homem forte, mas de outra maneira sem se impor como aquele macho, que manda. Cresci nesse lar e foi assim que aprendi a ser a mulher que sou.

“Sou uma velha só na idade, minha cabeça é jovem”


É daí que vem também o humor?
Com certeza. Meu pai tocava violão, cantava na padaria na frente da casa da gente aos sábados e domingos, contava piada. Ele se encontrava ali. Não que não tivesse problema, né? Não existe perfeição. Mas nasci assim: vamos resolver isso de que maneira? De uma maneira alegre e brincalhona. Daí sou essa pessoa, o Paulo Gustavo também era assim, a Juju…

A Juliana [irmã mais nova de Paulo Gustavo] também é engraçada como vocês?
Também, só que ela é mais tímida. Tive uma família que vivia intensamente e sempre feliz, mesmo quando tinha dificuldade financeira. Morei em Barra do Piraí, onde nasci, até 14 anos, depois fui para Niterói. Fomos contornando qualquer coisa que pudesse acontecer dessa maneira: com amor e respeito

Falando em amor, como é a sua relação com os netos Romeu e Gael?
O Thales [Bretas, viúvo de Paulo Gustavo] é um pai maravilhoso. Antes de estar na Globo, terças e quintas, a vovó Déa levava e trazia da a escola. Às vezes, vinham para a minha casa. O avô Júlio, meu ex-marido, também pegava, às quartas-feiras. Nós e a Penha, esposa do Júlio, dividíamos os dias dos netos. Só que agora eles estão na Austrália para uma temporada de seis meses. Só voltam em julho. Aí a gente fica aqui morrendo de saudade. Mas falo sempre com eles, essa semana o Thales fez uma ligação de vídeo. Eles falaram “vovó, estou andando de bicicleta sem rodinha agora”. “A bicicleta de Gael é profissional”, Romeu falando, “a minha não é”. Falei, “mas daqui a pouco vai ser também”. Nem sei porque ele falou isso, as bicicletas são iguais, mas eu concordando. Falo com eles mais ou menos uma vez por semana e o Thales manda foto toda hora para o grupo da família.

“Gente, herdeiro é marido e filhos. Ele não me deixou mal, mas não sou herdeira”


Uma outra mãezona é a Madonna, que esteve no Rio e defende as mesmas bandeiras que a senhora. Ela abordou a questão do etarismo. Como lida com isso?
A pessoa vai envelhecendo e vai perdendo as oportunidades na vida, em tudo. Na minha época, se dizia que com 50 anos já era velha. Vou fazer 77 e sou uma velha só na idade. Minha cabeça é jovem. Meu corpo sente um pouco, claro, mas acho que estamos aí para mostrar que a mulher, a idade, não tem nada a ver com o trabalho. A Madonna compra umas brigas maravilhosas. Ela comprou a briga do gay. Incrível. Nunca tinha assistido Madonna, nem vi tudo pela televisão, mas a Juliana estava lá que nem uma maluca, óbvio. O Paulo Gustavo, nem sei! Já assisti três shows da Beyoncé porque ele me obrigou a ir com ele. A Madonna abordou muitas questões. Vi muitos comentários que ela uniu o Brasil com a bandeira. Isso para mim foi de arrepiar. A gente tem muitas questões ainda para serem resolvidas, sabe? Mas acredito que tenha que ser assim, sempre tem aquela pessoa que escutou alguma coisa e vai discutir a questão do etarismo. Aliás, o meu chefe [Luciano Huck] está sempre falando isso na tv. Eu mesma estou na televisão trabalhando e muitas mulheres da minha idade se sentem representadas. Elas dizem “nossa, Déa, você me dá uma força. Vendo você acredito que sou capaz”. Sempre penso positivamente nas coisas.

É muito interessante a maneira como a senhora processa as dificuldades. Quem está te acompanhando, se inspira. A senhora enxerga o mundo com muito humor. E a fé, que lugar ela ocupa na sua vida?
Se não tivesse fé, ia ser muito mais complicado. Não sou aquela mulher que vai à igreja, ou ao centro espírita… Mas tenho fé. Um dia falei para a Juliana: “minha filha, existe alguém que está vivo desde a criação do mundo? Não. Basta você parar e pensar: não sei qual é o meu dia, mas um dia vou.” Então, até ir, tenho que estar bem. E quando eu for, não pode se desesperar.  Isso significa que não choro? Que não fico triste? Não. Esses últimos dias mesmo estão sendo brabos, porque no dia do show da Madonna fez três anos que ele partiu… Tive Covid em dezembro, ele teve em março. Eu, velha, obesa, não parti. Mas eu rezo e agradeço a Deus o tempo que ele esteve aqui, o filho maravilhoso que foi. Tento sempre olhar a coisa por um lado positivo, que a situação está aqui e agora. Estou aqui viva, com 76 anos, trabalhando. O povo acha que estou arquimilionária, falo, “gente, herdeiro é marido e filhos. Ele não me deixou mal, mas não sou herdeira”. O povo também cria muita coisa na cabeça.

O que a senhora gosta de fazer para descansar?
Amo ver filmes. E tem que ser filme com homem bonito e beijo na boca. Porque chega de desgraça, né? Vou para a cama, ligo a tv, aí boto lá para ver o filme e durmo. Quando acordo para fazer xixi, o filme já acabou. Aí volto, rebobino, paro no pedaço que lembro e vou assim a noite inteira, me distraindo.

Tem algum recado que a senhora gostaria de dar para as mães no Dia das Mães?
A gente tem que curtir nossos filhos, também nossos netos, nossos sobrinhos, porque mãe é uma coisa muito maior do que ser limitada. Sou mãe da Juliana e do Paulo Gustavo, mas me sinto um pouco mãe daquele rapaz que passa sempre, me dá um adeus, fala “te amo, você mudou a minha vida”. A gente tem que curtir tudo. E rezar. No dia das mães vou rezar. Agradecer a Deus o filho que tive… meu primeiro filho. E é isso. Não vou dizer que não sofro, que não choro, você está vendo aqui, né? Choro mesmo. Daqui a pouco, tiro a coisa da minha cabeça. Não deixo a peteca cair. A gente precisa olhar o vizinho com amor, os filhos do vizinho, os netos do vizinho. É uma questão de você aprender a abraçar. Moro aqui pertinho do Bar Belmonte, mudei para o Rio para ficar perto dos netos. Há dois anos, entrei lá, logo depois que aconteceu isso [a partida de Paulo Gustavo] e estava triste, cabisbaixa, cheguei a derramar umas lágrimas. Dali a pouco veio um rapaz, um garçom, com uma flor feita de papel, me deu e falou assim: a senhora é muito importante. E isso se repete sempre. Toda vez que me vê, faz essa rosa e vem me entregar. Aí abracei, beijei. Abraço e beijo o porteiro, o lixeiro, não quero saber, eu levo o amor. E recebo tudo de volta.

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