Com quantos médicos você já precisou se consultar nos últimos anos? Visita obrigatória na ginecologista, check-up na cardiologista, uma passada na gastro, ortopedista para a dor insistente nas costas… Pois bem.
Me dei conta da encrenca em que estava quando, no privilégio de ter um convênio médico e acesso a inúmeras consultas, ainda assim não conseguia resolver algumas questões de saúde. A pergunta foi ficando latente: quando foi que a medicina começou a fatiar a gente?
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A médica e especialista em fitoterapia Andréa Alvarenga explica que a medicina como a gente conhece se dividiu em especialidades para aprimorar o conhecimento de partes distintas do nosso corpo diante de tanta complexidade. Para ela, a especialização é um pilar importante, mas também é preciso atenção para o todo.
“O clínico geral é uma das poucas pessoas que cuida de tudo. Porém, quando você precisa de um cardiologista, por exemplo, ainda bem que ele existe, não dá pra dizer que isso é ruim. Ruim é a perda do todo e esse conhecimento precisa ser revisto”, afirma.
“Levei cinco anos de muito piriri para descobrir que sou celíaca”
Eu, como jornalista e entusiasta da ciência, sou daquelas amantes de hospital – foram anos de “formação” em Grey’s Anatomy. Logo, medo de agulha nunca foi problema. Mesmo assim, levei cinco anos de muito piriri e passagens por quatro gastroenterologistas diferentes para descobrir que sou celíaca – doença autoimune causada pela intolerância ao glúten. Esse tempo todo foi ainda menor do que a média para se ter o diagnóstico no Brasil, que é de sete anos.
O gastro Aytan Sipahi, também celíaco, foi quem me deu a notícia. “Veja bem, sou velho e vivo normalmente. Você vai se adaptar, é só parar de comer glúten”, disse. E, eu parei. Ele também me explicou que não existe um tratamento reconhecido para reverter a doença, então o jeito era adaptar minha alimentação pra coisa não piorar.
Reação em cadeia
Anos depois, outra dor apareceu. A cólica, que me acompanhou na adolescência, voltou com tudo aos 26 anos. Anticoncepcional já não dava mais conta do incômodo como o esperado. Da-lhe ressonância magnética com preparo (só ela consegue, de fato, mostrar o que precisa ser visto) e, voilà: endometriose profunda, quando o tecido que deveria sair com a menstruação acaba se “hospedando” fora do útero, provocando uma bagunça danada. A solução imediata de três médicos consultados foi a cirurgia. Confiei e fui. Ciência tá aí pra isso, né?
A videolaparoscopia para endometriose é como uma faxina e a ideia é que o médico retire os focos que estão no lugar errado. De fato, isso foi feito. Mas, no pós-operatório, meu xixi ficou esquisito, não saía direito, e ele disse que era efeito da anestesia. A única recomendação que tive foi não menstruar todos os meses para a doença ficar “controlada”. Mais anticoncepcional, desta vez, sem pausa. Ou seja, mais um tapa buraco, já que a cura mesmo, de novo, nem se discutia.
Já com o glúten fora da dieta e sem menstruar, o xixi que deveria ter voltado ao normal não voltou. E aí, chegou a vez dos urologistas, esses santos que cuidam do nosso trato urinário. Meses e mais alguns profissionais depois foram necessários para chegar à suspeita de lesão de nervo durante a cirurgia – esse médico eu prefiro nem citar por aqui.
De presente, ganhei infecções urinárias e antibióticos a cada três meses. Recebi de um dos especialistas, depois de um ano e meio e muitos gastos, a mensagem que eu não queria ouvir: “Vamos esperar mais um tempo pra ver se melhora”. Foi aí que o jogo virou.
“A visão holística da saúde que considera a pessoa como um todo é comum em práticas orientais”
Marquei uma consulta com uma terapeuta ayurveda (medicina milenar indiana) e, pela primeira vez, ouvi que a doença celíaca, a endometriose e a cistite poderiam estar interligadas. A terapeuta ayurveda Sabrina Latansio conta que essa visão holística da saúde que considera a pessoa como um todo é muito comum em práticas orientais, como a medicina chinesa e a indiana.
Sabrina é cientista e doutora em fisiologia vegetal e, na sua trajetória, percebeu que a biologia e a medicina indiana tinham mais coisas em comum do que imaginava.“A ayurveda é uma ciência milenar, não é mística ou esotérica como algumas pessoas que não conhecem podem nomear. Enquanto a biologia é a ciência da vida, a ayurveda também, só que ela vai no nível elementar”, diz.
Meus sintomas apontaram para um diagnóstico de “apãna vãyu” invertido. Na ayurveda, a expressão dá nome ao ar vital do corpo que se move para fora, ou seja, aquele que controla todos os processos de excreção e eliminação. O que fez muito sentido para mim: o que deveria descer direitinho no corpo, como a menstruação, o glúten e o xixi, na real estão empacados.
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O começo do caminho está nas plantas, base de muitos dos medicamentos que já compramos nas farmácias – mas também no estilo de vida. É um conjunto de mudanças que envolve alimentação, exercícios e rotina. Cada pessoa recebe uma orientação diferente.
No meu caso, nas duas primeiras semanas tive que seguir uma dieta mais restritiva, e envolveu, principalmente, excluir industrializados, evitar alimentos crus, comer quando estava com fome, tomar babosa e água morna com limão pela manhã.
“Costumo dizer que não adianta limpar o rio Tietê e continuar poluindo ele. Vai ficar lindo, mas só por uma semana. A ayurveda muda a causa e o caminho de despoluição. Com isso, não vai ser mais preciso limpar o rio, ele se autolimpa”, explica Sabrina.
Para quem está há anos em uma busca sem respostas, vou dizer que foi uma pontinha de esperança. Decidi cuidar do corpo com mais carinho e mais olhares. Não larguei a medicina tradicional, mas agora conto também com um amparo complementar que vem do sul da Ásia.