Era uma noite enluarada – ou então eu fiquei tão aficcionada numa certa circunferência que até imaginei uma lua cheia no céu. Estávamos viajando durante a produção de um filme independente, entre amigos. O pernoite era em algum ponto do nordeste brasileiro, longe do mar. Não deu tempo para a minha consciência formular as perguntas que os dois corpos já respondiam: é possível gozar fazendo oral em alguém? É possível gozar fazendo um oral-anal em alguém? E esse alguém sendo um boy hetero? É. Apenas sim.
Sem que nenhum tabu pudesse me alcançar a tempo, me joguei ali
Eu estava entregue à novidade e aquele quarto de hotel muito pequeno, paredes beges, nada demais, acabou sendo palco de uma noite memorável. Foi intuitivo, depois de outras posições e movimentos, descer com a boca até o períneo, acompanhar as reações do boy, entender que estava rolando muito bem… Sem que nenhum tabu pudesse me alcançar a tempo, me joguei ali. E a memória que meu cérebro guardou foi a de eu ter gozado onze vezes enquanto dava esse longuíssimo, molhado, intergalático beijo grego no rapaz.
A melhor explicação que cheguei para aquela extravagância de gozo é que a descoberta de toda uma zona erógena (que despertava prazer no meu parceiro) mexeu comigo e… voltou com tudo em mim. Tinha também a ajuda de uma boa posição: ele estava deitado na cama de barriga pra cima, eu lá nas partes baixas, enquanto me roçava na cama e as dez mil terminações nervosas do meu clitóris iam à loucura. Porque a gente sabe que sem estimulação no clitóris não vamos a lugar nenhum, né?
Alguns anos se passaram e, hoje, não entro em nenhuma aventura grega sem me fazer as seguintes perguntas: “Tá lavado?” e “É acessível?”. São questões básicas para uma boa experiência com oral-anal. Algumas pessoas (eu disse homens?) não fazem a manutenção dos pêlos pubianos e, honestamente, não tenho tesão em precisar de uma foice para alcançar um ânus de ninguém. Leio esse tipo de coisa como um aviso: área inóspita, desabitada, nada de vivo, fresco e sedutor quer sair dali. O beijo grego é para ser como tudo no sexo: solto, livre, malemolente e gostoso – para todas as partes envolvidas. Se a pessoa deixou a passagem bloqueada, ela não está dando sinal verde.
Se você tem intenção de ter um momento de beijo grego, uma boa ideia é sugerir um banho antes do rala-e-rola começar. Se for um date, claro que esperamos que a outra parte já saia de casa banhada e cheirosa, e aí provavelmente o caminho já vai estar propício. Mas se for uma pegação pós festa, bar, balada, as duas pessoas tomarem um banho antes do sexo é uma forma de ampliar as possibilidades do que pode acontecer. Você vai estar segura para se soltar caso ele/ela/elu queira te dar um beijo grego e vai ter tranquilidade para botar a cara na pessoa sem neuras de higiene.
Mas como chegar lá?
O corpo fala: você começa fazendo um oral “normal” e vai aos poucos tocando a área do períneo, abaixando a mão, a língua e acompanhando as reações da pessoa. Existe a clássica em que a pessoa trava (atitude mais comum em homens que performam masculinidade) como se você estivesse quase xingando a mãe dela. Aí não tem tesão que resista: ok, vamos sem beijo grego dessa vez, porque ninguém precisa lutar para propiciar prazer para alguém. Mas, se o corpo vai dando respostas positivas, a iniciativa vai fluindo e pode resultar em muito olhinho virando, quenturas e orgasmos para todes.
O c* não me engana: sei das potências que moram ali e quero navegar por elas
É possível também conversar abertamente: ei, o que acha de um beijo grego, bora? Eu tenho feito isso com mamilos: tasco a pergunta sobre o que a pessoa sente, para eu saber se invisto ali ou se vou estar pagando o mico de causar cócegas em vez de tesão. Nem todo mundo curte, nem todo mundo está afim. Podemos ter a tranquilidade de perguntar.
O que mais me interessa sobre esta mítica viagem orgástica é que ela me abriu o portal da delícia entre língua e ânus: é para você, para mim e para todo mundo. Pode ser gostoso, gostosinho ou gostoso ao ponto de você gozar onze vezes! Pode ser também uma ótima variação para aquele sexo que já está se repetindo dentro de convenções. Pode ser com uma pessoa heterossexual, porque o que define a sexualidade não é a localização geográfica do órgão que dá prazer. O ânus e o períneo são abundantes em terminações nervosas e irrigação sanguínea – o que fisicamente propicia as condições para a sensibilidade, o prazer e o gozo. O portal foi aberto, o c* não me engana: sei das potências que moram ali e quero navegar por elas de novo.