Poucas sentenças definem tão bem a geração millennial quanto a frase dita por Carrie Bradshaw na quinta temporada de Sex And The City: “Em Nova Iorque, você está sempre procurando um emprego, um namorado ou um apartamento”. Substitua Nova Iorque pelo nome da sua cidade e pronto, você tem um dilema para chamar de seu. E, tirando a procura por mozão, o ponto sensível aqui é a questão financeira. Afinal, estamos todos e todas sempre nos esforçando para pagar os boletos ou alimentar a poupança, não é mesmo? E aí é que está o problema. Na ânsia pelas coisas práticas que fazem a roda do capitalismo girar, onde se escondeu o nosso prazer? Aquelas coisas que a gente faz só pra ser feliz – e mais nada.
Quem somos nós e o que fazemos depois que cumprimos as horas de trabalho?
Aqui entram duas questões: a falta de tempo para se dedicar a atividades única e exclusivamente prazerosas e a mistura do que é prazer com outras coisas, como querer ficar com a bunda dura ou mostrar nas redes como somos culturetes. Vamos começar pela falta de tempo. Graças à precarização das leis trabalhistas e à instabilidade macroeconômica, nossa geração desenvolveu uma relação tóxica com o trabalho, que nos deixa sem energia para outras atividades. Números mostram que, até os millennials mais ricos (geralmente com maior grau de formação do que os pais) enfrentam altas taxas de desemprego e não conseguem guardar dinheiro. Com esse cenário, fica difícil pensar em outra coisa que não seja trabalhar e tentar alcançar o mínimo de estabilidade financeira. Se sobrar tempo e energia, a gente procura um romance.
Pelo menos era assim que a maioria de nós pensava até uma pandemia atravessar a nossa história. Trancados em casa, nos ligamos na importância de preencher a rotina com atividades prazerosas e minimamente saudáveis. Foi nessa hora que a crise de identidade bateu na porta de muita gente. Quem somos nós e o que fazemos depois que cumprimos as horas de trabalho? O que buscamos além de dinheiro, sexo e abrigo?
A importância do lazer
“Um hobby é uma atividade que você faz, individualmente ou em grupo, com o único e simples objetivo de ter prazer, sair da rotina de trabalho insano e focar em relaxar”, explica a psicóloga Gabi Menezes. Pode ser tanto uma atividade física, artística, mental ou manual, que não tenha como premissa lucrar. Para a saúde mental, faz um bem danado. São atividades que liberam neurotransmissores como a dopamina e a serotonina, importantes no controle do cortisol (hormônio do estresse), na redução da ansiedade, além de melhorarem o humor e gerarem motivação.
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Caso o passatempo escolhido seja um esporte, os benefícios se estendem para a saúde física. E aqui, a preparadora e personal trainer Ari Carmona alerta para os riscos de tratar uma atividade que deveria ser lúdica como mais uma obrigação da lista: “Quando você faz academia porque quer emagrecer, isso não é um hobby, é apenas mais uma pressão. Você está ali por questões estéticas, não por prazer. Quando você faz um esporte porque quer, então aí, sim, ele entra nessa categoria”.
Será que é hobbie mesmo?
Para a comunicadora Daniela Arrais, uma das criadoras da Contente, plataforma para uma vida digital mais consciente, definir o que é um hobby é um passo complexo. “Vivemos na lógica da sociedade de desempenho, então parece que tudo o que fazemos hoje tem que ser para melhorar nossa performance, inclusive as atividades de lazer”, pontua. Essa percepção veio há alguns anos, quando foi atrás de um curso com o único objetivo de se divertir. Decidiu, então, se inscrever em uma oficina de desenho. “Foi uma experiência na qual me permiti fazer algo por prazer”. O curso despertou nela a sensação de “se sentir presente”, sentimento que muitas vezes nos escapa na correria do dia a dia.
É preciso ter cuidado para não transformar o hobby em mais uma pressão
A internet e as redes sociais também impactam a maneira como a nossa geração encara os momentos de lazer. Transformamos passatempos em capital social e tudo o que fazemos tem que ser compartilhado com as hashtags do momento. “É um hobby ou você está fazendo a atividade só para parecer uma pessoa legal? Sinto que estamos gamificando a vida, do mesmo jeito que saímos do carro do aplicativo e damos nota pro motorista, saímos da academia e já publicamos uma foto para ganhar estrelinha dos outros”, critica Dani, que alerta: é preciso ter cuidado para não cair nesse lugar e transformar o passatempo em mais uma pressão na sua vida.
E o HD mental, vai bem?
“Antes de investir em um hobby, acho importante a pessoa investir em terapia”, alerta Gabi Menezes. “Ali você vai entender o que realmente gosta, descobrir sua vontade verdadeira, o que te motiva a estar em um lugar e não apenas seguir os desejos dos outros.” Isso para não correr o risco de se matricular no beach tennis mais próximo só porque suas amigas fizeram o mesmo. “Talvez seu hobby seja bem mais simples, tipo ler um livro, ver uma série, algo do estilo”, aconselha.
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Ari Carmona incentiva o uso de áreas públicas para momentos de lazer. “São espaços mais acessíveis e menos tóxicos do que uma academia. No parque dá pra correr, fazer funcional, lutar box, dançar”, exemplifica. Outra dica da personal trainer é separar um horário semanal na agenda exclusivo para essa atividade. Assim não corre o risco de o lazer ficar em segundo plano.
Dani concorda: “Temos que abrir espaço para cuidar da gente, dos nossos desejos e alimentar nosso HD mental. Em um momento que tem gente passando fome, é claro que dizer isso é coisa de gente privilegiada, mas em um cenário ideal de bem-estar social, é o recomendado. É muito importante ter um hobby exatamente pra gente não virar uma máquina que só produz – até porque a máquina que só produz uma hora pifa”.