É só yoga: não precisa performar, basta praticar - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

É só yoga: não precisa performar, basta praticar

No lugar de leveza e relaxamento, tensão no ar, força no rosto, olhos vidrados em não errar as posturas. Muita gente anda mais preocupada em performar nas aulas de yoga – e garantir a foto do feed – do que se exercitar, aprimorar e, por que não, se divertir

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“Galera, é só yoga.” Essa frase tem sido ouvida com cada vez mais frequência nos estúdios e tem potencial para virar um novo mantra. A gente explica o motivo: a busca pela alta performance invadiu a prática de yoga, deixando de lado a leveza e o relaxamento. 

Agora, nos estúdios bacaninhas, além de ter que usar look monocromático e texturizado, é preciso fazer bonito na postura, acertar o ritmo da respiração, focar o olhar no lugar exato, saber o nomes dos asanas (posturas) em sânscrito e, se possível, não ingerir líquido antes nem logo depois da aula para não cortar a energia de fogo de dentro do corpo.

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“Com tantos protocolos, a prática vai enrijecendo”, diz Mari Muller, yogini e artista do movimento. Ela conta que ouviu a frase “it’s just yoga” de sua professora Annie Carpenter, com quem praticou na Califórnia, e sentiu aquilo reverberar. “Traduz justamente o que eu busco, o desapego à rigidez e à caretice. Comecei a falar essa frase nas minhas aulas quando via tensão nos alunos, a força no rosto, os olhos vidrados querendo muito acertar e fazer bonito”, diz. 

“Yoga não pode ser uma coisa muito séria. Tem de ser um alívio”

Aparentemente nem Buda seguiria zen num ambiente desse. E o poder de uma frase como “é só yoga” quebra o gelo. Mais do que isso, consegue sacar alguns sorrisos, o que automaticamente solta a musculatura do rosto e traz relaxamento. E longe de nós questionarmos o motivo que leva você para o tapetinho. Usando as palavras da própria Mari: “Tem quem queira se alongar, meditar, malhar, e qual o problema? Não pode ser essa coisa muito séria. Yoga tem de ser um alívio.”

Partindo dessa ideia de uma prática para todos, e também com todos os propósitos, vamos ao ponto importante: independente de onde você quer chegar, vale lembrar que se a tensão está no ar, nada rola direito. Segundo a professora Bel Machline, existe hoje uma ansiedade em sala, o que ela chama de “energia de Instagram”. “Tem aluno fazendo a aula toda olhando para a tela e vendo como fica na imagem”, conta ela, que viu alguns estúdios proibirem a entrada do celular. “Tem muito peso na yoga hoje. Virou um grande tutorial do reels com a ideia de curar alguma coisa. E a yoga não substitui o resto da sua vida.”

Se a gente seguir o que pregam nas redes sociais, a conta, de fato, não fecha. São muitos os protocolos desse ritual mascarado de autocuidado: acordar cedo, ficar em silêncio, fazer suco verde, limpar pedras, meditar e, aí sim, praticar. Agora, pensa numa mãe que dorme picado a noite toda, acorda com os filhos pulando na cama e faz aquele corre para deixar as crianças na escola. Como essa mulher vai conseguir vencer na yoga? 

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Para quebrar essa “energia de Instagram” em suas aulas, Bel vai logo anunciando: “A postura bonita é essa, mas hoje vamos fazer essa feinha aqui”, diz. “Tento tirar a angústia do ar. Uma coisa que incentiva mais do que a postura final é testar o caminho, experimentar a estrada é mais legal do que chegar ao destino final”, acrescenta.

“A yoga virou um grande tutorial reels com a ideia de curar de qualquer coisa”

Uma vez que você entra, não é fácil sair da bolha da yoga e as ideias vão tomando conta de você – do chazinho indiano ao papo 100% yogue. “Eu namorava o [cineasta, Arnaldo] Jabor e uma vez ele me disse que era muito legal o que eu fazia, mas que tinha virado uma pessoa excludente, que excluía tudo o que não era yoga”, diz Mari Muller, que entendeu que é preciso se ver como uma pessoa comum. “Você pode fazer mil acrobacias, fazer tudo lindo, mas na rua é igual a qualquer um.”

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O livro do momento, Ioga (ed. Alfaguara), do francês Emmanuel Carrère, que apesar do nome fala da vida comum e de depressão, sempre fazendo paralelos com a prática de asanas e também meditativa, tem esta fala potente que só confirma tudo dito aqui: “Os praticantes de artes marciais, os adeptos do zen, da ioga, da meditação, essas coisas grandes e luminosas e que fazem tão bem, que durante a minha vida toda cortejei, não são necessariamente sábios nem pessoas tranquilas, em paz e serenas. Mas, às vezes, mas frequentemente, pessoas como eu, pateticamente neuróticas, e que isso não importa, e que é preciso, segundo a máxima de Lênin, ‘trabalhar com o que se tem’, e que mesmo que esse caminho não o conduza a lugar algum ainda assim há motivo para buscá-lo com obstinação.”

Então, bora sorrir mais, se divertir mais, e chegar no fim do dia somente menos estressados e mais relaxados? Afinal, é só yoga! 

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