Respiração curta e intensa, gritos graves e agudos, movimentos bruscos e repetidos. Tudo isso somado a choro, catarse, transe e ranho de nariz enquanto cuspimos saliva como quem cospe fogo. Podia ser uma briga num ringue ou na rua, mas é yoga mesmo! Essa é a proposta da minha prática de Kundalini para trabalhar a raiva com alunos dispostos a se apropriar da força e potência que esse sentimento traz.
Me sinto pronta para o julgamento: que tipo de “professora de yoga” é essa?
Eu respondo: a que usa o Tantra como base para soltar toda a repressão que mantemos no nosso corpo desde que começamos a perder a inocência e a espontaneidade – por volta dos 7 anos de idade, mais ou menos.
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Mas confesso, não é fácil assumir a raiva para modificá-la como ação sendo uma professora de yoga. Afinal, “ahimsa”, não-violência em sânscrito, é o primeiro dos 8 degraus do yoga a definir os Yamas – domínios sobre nossos atos, pensamentos e palavra. Tudo isso está escrito nos Yoga-Sutras, de Patanjali, primeiro livro de yoga escrito no mundo.
O líder espiritual Mahatma Gandhi assumia que sentia raiva todos os dias
Porém, quem não fica com raiva? O próprio líder espiritual Mahatma Gandhi assumia que sentia raiva todos os dias, mas procurava canalizar a energia dessa emoção para objetivos positivos, por exemplo, lutar por mudanças políticas na África do Sul e na Índia.
E aqui é importante a gente lembrar que controlar nossas ações e palavras não significa ficar inconsciente sobre o que acontece dentro de nós. Não é porque a gente não põe pra fora, que deixa de sentir. Quando a raiva é reprimida, negada e não expressada, acaba emergindo para a superfície em forma de ironia, inveja, competição, vingança, fofoca, necessidade de ter razão e superioridade. O que, vamos combinar, é muito pior do que canalizá-la para para um lugar onde essa energia vai gerar algo de positivo.
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O que essa prática de Kundalini (em que deixamos o sentimento fluir) faz é nos dar consciência da raiva para, em seguida, transformar esse vilão em aliado. Força, foco, coragem, precisão, clareza, assertividade, limite, comprometimento, integridade… a raiva consciente pode ser uma senhora aliada. De forma objetiva essa potência pode ser usada para resolver problemas, tomar uma decisão importante, ter uma conversa desafiadora ou coragem para mudar de vida.
Fomos ensinados que a única maneira responsável de lidar com a raiva é evitar completamente o sentimento
A raiva inconsciente, essa que todos os seres humanos conhecem muito bem e que nos faz explodir nos piores momentos, nos deixa desconectados do nosso poder pessoal. E, assim, desviando dela, procrastinamos, abandonamos projetos, desistimos de sonhos, aceitamos o que não queremos e negligenciamos a nós mesmos.
Somos assim porque fomos ensinados que a única maneira responsável de lidar com a raiva é evitar completamente o sentimento ou então, encontrar maneiras não destrutivas de “liberá-la”, como uma panela de pressão soltando vapor lentamente. Haja equilíbrio nessa válvula! Porque diferente da panela, é bem comum a gente não resistir à pressão do fogo alto.
A liberação e ativação da raiva na prática de Kundalini serve para experimentar essa emoção como uma energia neutra, uma força arquetípica da natureza, cheia de informações valiosas e tesouros desconhecidos. Já gritou hoje?
* Juliana Menz é professora de Kundalini yoga e jornalista. Já realizou retiros e dezenas de Workshops de Kundalini, onde promove transformação e cura através de práticas intensas e motivadoras.