A dor do término com a minha terapeuta - Mina
 
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Chegamos ao fim (eu e minha terapeuta)

Vi nos olhos dela muitos momentos em que sofreu comigo e também muitas vitórias que tivemos ao quebrar ciclos viciosos e comportamentos tóxicos.

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Este não é um texto de amor, mas poderia ser. Chegamos ao fim, eu e minha terapeuta. Foi mútuo. Ela foi morar fora, os horários não batiam, eu fui cansando – e ela também. Fizemos o último pagamento e nenhuma de nós duas procurou a outra para uma nova sessão. Será que configura ghosting?

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Passamos anos juntas, tivemos uma relação estabelecida. Ela conhece meus pais e sabe de todos os meus namorados, ou melhor, pseudo-namorados, traumas. Ela esteve presente quando quase morri de uma infecção generalizada repentina. Vi nos olhos dela muitos momentos em que sofreu comigo e também muitas vitórias que tivemos ao quebrar ciclos viciosos e comportamentos tóxicos. 

Já tivemos um rompimento antes. Ela disse que viramos amigas e o processo terapêutico não estava funcionando. De fato, aceitei e brinquei sobre levar um fora até da psicóloga. Ela não gostou, mas riu. Ela sempre ria das minhas piadas, talvez por saber da minha baixa autoestima e para me dar apoio moral. Passado alguns meses, outra crise, ela me acolheu e pedi para voltar a ser atendida por ela. Topou. E continuamos por mais uns anos até essa nova e dolorida despedida. 

Não estou sozinha nessa. Esses dias uma amiga desesperada me mandou uma mensagem: “Preciso falar com você! Quero terminar com minha terapeuta e não sei como!”. Conheço outra que, sem coragem para partir para o término, fazia sessões escondidas com outra psicóloga. E mais uma que se acabou em lágrimas quando, enfim, terminou porque elas não se entendiam mais.

“Como dizer para a pessoa que sabe seus segredos mais sombrios ‘foi bom, mas acabou’?”

Será que é sempre algo tão assustador? Não deveria, afinal estamos ali toda semana compartilhando nossos desejos mais sombrios, mas é. Provavelmente, você já contou pra ela que sonhou que estava tendo relações com seu pai ou que tinha vontade de matar a sua mãe – obviamente, metaforicamente. Freud explica! 

Ela sabe quando você surtou com seu namorado e chorou na sarjeta durante um carnaval. Escuta as suas paranóias histéricas sem reclamar. Te ajuda a encontrar uma solução dentro de si mesma e a aliviar as culpas que estão dentro do baú. Como dizer: “Oi, foi bom, mas acabou”? É difícil.

E depois do fim… uma nova terapia? Uma nova abordagem? Ou parar de vez? E quando encontrar uma nova psicóloga, como agir? Confesso que estou passando por esse processo. Dá uma preguiça começar de novo. Contar toda a sua vida, dramas, medos, sombras, retirar máscaras e camadas. 

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A antiga sabia que eu guardava mágoas da minha mãe porque ela deu minha boneca favorita de porcelana para minha irmã sem me consultar. Contar tudo de novo? É uma vida de detalhes. São relacionamentos, brigas, egos, famílias disfuncionais… Tudo repassado pela milésima vez. Ok, dizem, com uma nova psicóloga, você contará sob uma nova perspectiva, que você mudou, que a vida mudou, que tudo muda. Mas dá uma preguiça…

Em uma das primeiras consultas com a nova terapeuta, eu estava muito, muito brava com algo que me aconteceu. Pedi permissão para, naquele momento tão íntimo, poder proferir as piores palavras e ser má. Estava furiosa e não queria ter que ter cuidado, só queria tirar todos os meus filtros, desabar e proferir os piores xingamentos e maldições sobre duas pessoas que me fizeram mal. 

A sessão foi eu falando por uma hora sem parar, esbravejando. Quando acabou, ela me olhou e, por alguns segundos, tive um pouco de medo dela me achar a pior pessoa do mundo – porque, de fato, estava sendo. Com a antiga, não ficaria aflita. Ela me conhecia, sabia que aquilo era apenas um ápice de fúria. 

Como vou contar minhas maldades para a nova terapeuta sem que ela realmente me ache má?

Algo que, aliás, talvez ela nunca tenha visto, perdendo um bom momento de uma face quase nunca revelada. Com a nova, tive tipo uma ressaca moral. Talvez ter uma nova terapeuta seja como ter uma nova pessoa em sua vida. Você vai dando detalhes aos poucos para não a assustar. É assim que funciona? Ou isso é uma paranoia?

Com certeza, se você passou dos trinta anos e já se aventurou em uma terapia, já passou por um momento assim – ou passará em breve, pode anotar. Escrevo justamente para os desajustados e problemáticos, assim como eu. Uma vez, fiz alguma brincadeira pro meu psiquiatra sobre ele usar polo nas consultas. 

Semanas se passaram e ele confessou que, quando sabia que eu estava marcada, separava uma camiseta para me atender. Veja bem, eu noiei meu psiquiatra. E se eu fizer isso com a nova psicóloga? Como passar por esse processo de uma forma menos dramática? Tenho lua em câncer, é quase impossível para mim.

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Confesso que sinto falta da minha relação com a antiga psicóloga, de mandar arquivos e trocar figurinhas. A nova já deixou claro que só conversa na sessão. Como vou contar minhas maldades para a nova terapeuta sem que ela realmente me ache má? Ou algum aspecto fútil sem que ela me ache fútil? Afinal, também queremos que nossa psicóloga goste de nós, não é mesmo? Ou sou só eu? 

Adoro provocar meus amigos perguntando: será que a sua psicóloga gosta de você ou revira os olhos quando vê que é a sua consulta? Alguns riem e outros ficam pensativos. E você, já pensou no que a pessoa que sabe tudo sobre você realmente pensa? Ou só tô aqui criando mais uma paranoia? Com certeza, este será um texto que levarei para a consulta, mas acho que só depois de um mês de encontros para não assustar.

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