Andréia Sadi: "Gosto de estar no controle de tudo. Meu caos tem método" - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Andréia Sadi: “Gosto de estar no controle de tudo. Meu caos tem método”

Ela é um turbilhão e como todas as forças da natureza traz a intensidade dos extremos. Num papo com a MINA, Andréia fala sobre o amor pelo trabalho e pelos filhos, sobre sua compulsão alimentar e a dificuldade que tem de se desconectar. "Ir pro meio do mato sem wi-fi? Não tem a menor possibilidade"

Foto Divulgação: Sérgio Zalis/TV Globo
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É útil e engraçado acompanhar o Instagram de Andréia Sadi. Jornalista especializada em política, Andréia brilha como comentarista da Globo News, onde também apresenta o programa Em Foco, participa do podcast Papo de Política, no G1, tem um quadro semanal na rádio CBN e é colunista do jornal Hoje, da Rede Globo. Seus posts pessoais trazem pílulas do noticiário quente de Brasília, do qual ela está sempre à frente de apurações importantes e reveladoras. E também tiradas muito bem-humoradas sobre os malabarismos que precisa fazer para tentar dar conta de tudo – um tudo que esse ano envolve eleições presidenciais quentíssimas, contexto de guerra no mundo e dois filhos pequenos, João e Pedro, de 9 meses que tem com o companheiro, o jornalista esportivo André Rizek.

Andréia quer tudo ao mesmo tempo e por isso abraçou as transformações radicais da maternidade. “Existem várias Andreias que fui descobrindo, reconhecendo, reencontrando nesse momento na minha vida”, diz. Em entrevista a Mina, a jornalista fala sobre a divisão de tarefas em casa, a rotina que começa antes das 5h da manhã e o machismo em Brasília. Ela também conta como mantém a compulsão por comida, que a acompanha desde muito nova, sob controle. “Minha cabeça está sempre a mil”.

Como ficou a relação expectativa versus realidade nas suas funções diárias no trabalho depois da maternidade?
Outro dia, comentaram em um post no meu Instagram: “Não dá para acreditar que você é mãe e faz tudo isso. Como dá conta de tudo?”. O segredo é que eu não dou conta, rs. Decido a prioridade do dia e aceito que todo o resto farei mal feito ou não farei, entendeu? Brinco que é um caos com método. Antes dos meus filhos, já seguia essa linha de raciocínio e resolvi trazer isso para esse começo da maternidade para ajudar a me tranquilizar. A ideia é normalizar que algumas coisas são possíveis de serem conciliadas e outras não – e tudo certo também. Senão, eu sofro muito, fico ansiosa. Esse caos com método é mais para manter minha cabeça tranquila do que para qualquer outra coisa.

A maternidade expõe forças e vulnerabilidades, não?
Totalmente. Gosto de estar no controle de tudo e quando você vira mãe isso acaba. Nada do que se planeja dá certo e sou uma pessoa que gosta de ter rotina na vida. Então, essa técnica me ajuda a lidar com os imprevistos que são naturais do dia a dia, e, claro, elevados à máxima potência com a chegada dos filhos. Se alguma coisa sai do lugar, tudo bem, porque todo o resto está organizado. Isso me ajudou muito quando eu voltei da licença.

Dias antes de parir, Sadi conseguia caminhar 40 minutos na esteira/Arquivo Pessoal

Como estão as noites de sono?
As crianças acordam às dez para 5h pontualmente. Eu olho para o André, ele olha para mim, e a gente pensa, não acredito. Mas, por um lado, é bom porque posso aproveitar a manhã para ficar com as crianças antes do meu dia começar. Depois preciso ligar para as fontes, fazer o que eu tenho de fazer, enfim. E eles estão mais ativos pela manhã mesmo. Então, a gente está conseguindo manter uma rotina bem diurna. 

Como foi a volta ao trabalho, depois da licença maternidade?
Quando você é mãe de gêmeos recém-nascidos, fica o tempo todo com as mãos ocupadas. Então a primeira coisa que reparei quando voltei ao trabalho é que não sabia o que fazer com as mãos. Deu até vontade de pedir para produção um bloquinho e uma caneta, fiquei pensando que não era possível estar ali, com as mãos vazias. Isso foi uma admissão de que estava me sentindo estranha de voltar àquele lugar, porém, ao mesmo tempo, era uma reconexão comigo mesma.

Você conseguiu tirar uma licença-maternidade longa. Sentiu saudade do trabalho?
Fiquei seis meses de licença e ainda tirei vinte dias de férias, já sabendo que este é um ano de eleição presidencial, e essa cobertura é pauleira. Deu saudades do trabalho sim. Gosto de pensar que não sou uma coisa só. Existem várias Andreias que fui descobrindo, reconhecendo, reencontrando nesse momento na minha vida. Depois desse tempo longe do mundo do trabalho, veio aquele pensamento: será que ainda sei fazer? Bateu uma certa insegurança.

“Acho um desserviço uma mulher que acabou de parir e vinte dias depois já está magérrima”

Essa insegurança é bem comum nessas horas.
Sim, quando voltei, demorei uns 10 dias, juro, até me acostumar de novo. Parecia que eu estava começando tudo do zero. Nas entradas ao vivo, meu coração acelerava, ficava pensando se eu ainda lembrava como se fazia aquilo, porque eu não uso teleprompter.

É preciso ter muito foco para segurar um programa ao vivo. Tem algum método para manter a mente focada?
Fiquei muito preocupada de perder esse foco quando voltei da licença. Sofri, ficava nervosa nas gravações e fiquei me perguntando se isso seria como andar de bicicleta. Nessa volta fiz coisas que nunca havia feito, tipo, me assistir, me analisar. Assistia às minhas gravações e ficava me julgando. Estava tão nervosa no ao vivo que sentia os batimentos do meu coração no ar. Mas, no fim das contas, acho que voltei melhor. Três meses depois, consigo afirmar isso com certeza. A maternidade faz  você enxergar a responsabilidade do trabalho em perspectiva e dar a devida importância a cada coisa.

A maternidade ajudou você a reconfigurar suas prioridades? 
Total, vou dar um exemplo: às vezes, caía uma entrevista importante no meu dia e sem filhos achava aquilo o fim do mundo. Hoje em dia, quando esse tipo de coisa acontece, penso: “Muita calma nessa hora, está tudo certo”. A maternidade tem me ajudado nisso, porque ela não me permite manter o meu jeito tão controlador, e acabo tendo que dar o devido peso às coisas. Isso de não poder fazer uma entrevista era gravíssimo para mim, agora as coisas mudaram, vejo tudo com mais calma. Agora, é importante dizer que estamos falando de um lugar de privilégio. Esse lugar de gostar do trabalho, de me sentir realizada com o que eu faço. A conciliação é bem mais simples quando você curte muito os dois lados.

A romantização da maternidade é um tema delicado e atual. Existe um ativismo nas redes e uma série de novas obras culturais que defendem formas mais honestas de se encarar o papel da mãe. Como você enxerga e vive essa “desromantização”? 
Acho bom estarmos passando por isso. No meu caso, as pessoas que me vêem na TV idealizam uma mulher forte, guerreira e eu brinco: “Gente, não sou guerreira, estou exausta!”. Acho um desserviço, por exemplo, ver uma mulher que acabou de parir e vinte dias depois já está magérrima. Não gosto de ver aquilo que não é o verdadeiro, sabe? Então, se você tem visibilidade, tem uma posição que muitas pessoas tomam como exemplo, acaba tendo uma certa responsabilidade. Não pode passar uma imagem falsa, porque não sabe como aquilo vai bater no outro.

“Estamos numa pandemia, desconfio de quem está muito bem” 

Você cobre política há anos. Como manter o ânimo e o equilíbrio diante de tanta má notícia? 
Quando comecei na TV, as pessoas me falavam que entendiam o que eu dizia. Nossa, isso me animava muito. Posso não mudar a realidade, mas posso mudar como as pessoas entendem aquilo que faz parte da vida delas, para não acharem que Brasília é uma coisa de outro mundo. Porque muitas vezes, pode parecer que aquele ambiente é descolado da realidade, e não é! A minha intenção sempre foi a de transmitir o que está acontecendo. Quando um político não me explica algo direito, eu falo: “Senhor, preciso que me passe isso corretamente para eu traduzir para o público”. E isso sempre me animou. Com o noticiário de política, senti que estava conseguindo atingir o meu objetivo no jornalismo.

Agora, durante a pandemia, foi impossível me manter muito animada. Aliás, desconfio de quem está muito bem. Todo mundo ficou abalado, a gente viu muitas omissões, viu tudo que foi feito por parte da gestão federal para atrasar a vacinação. Então, realmente, tinha dias que ficava muito abalada e faz parte. 

Existe um preparo físico, mental e emocional para a cobertura de uma eleição?
Essa eleição será diferente de tudo que eu já cobri, porque ainda estamos em pandemia. Minha ideia é tirar um sábado ou domingo de folga e desligar totalmente. O André quer sempre me levar para o meio do mato sem wi-fi e isso não tem a menor possibilidade, apesar de saber que ele está totalmente certo. Outro dia, li um artigo do Gabeira, no O Globo, sobre a importância de se desconectar, mas ta aí uma falha minha. Como vivo do ao vivo, a notícia rola o tempo todo. Não é que fico no celular porque eu estou olhando rede social por bobeira, estou lá para ver notícia. Durante a licença, ficava apurando, era como eu conseguia me distrair; os meninos dormiam, aí eu ligava para uma fonte e conversava, apurava, mesmo eu estando fora do ar. Isso me relaxava, juro

Ao voltar a correr no fim da amamentação, a jornalista conta que chorou de felicidade/ Arquivo Pessoal

Relaxar trabalhando é algo raro. Tem outros escapes para limpar a mente? 
Minha cabeça está sempre a mil, e é a corrida me ajuda a organizá-la. Às vezes, ligo para minha editora com mil ideias e ela fala: “Ah, acabou de voltar da corrida, né?”. Então, meus 40 minutos de corrida são super importantes, e são sempre na hora da soneca dos meninos. Não corro mais todos os dias porque não dá, mas tento pelo menos quatro vezes por semana.

Você corre onde, na esteira ou na rua?
Em casa, na esteira. Só consigo desse jeito, desço na academia do prédio, corro e acabou. Aí fico um pouco com eles, dou almoço e venho trabalhar. E nos finais de semana a gente reveza, o André vai jogar tênis, eu corro, porque o esporte faz bem para a cabeça, né?

“As pessoas falam que não sabiam que eu queria ser mãe por causa da minha forte relação com o trabalho. Nada a ver!”

Com seu filho João, ela fez um registro fotográfico logo após ter feito uma corrida como fazia antes de engravidar/ Arquivo Pessoal

Pra você, ter um marido atuante e presente é fundamental, né?
Não é que meu marido me ajuda, a gente, realmente, divide tudo nos cuidados com os filhos. Se ele não estivesse lá, eu teria que ter outro tipo de ajuda, sem dúvida. Mas como ele está e queria muito ser pai, o que é muito legal, a divisão de tarefas é muito bem-feita mesmo, ainda mais com gêmeos. 

Você ama o faz e sempre se dedicou muito ao trabalho. O nascimento dos filhos inverteu um pouco a lógica das coisas?
Total. Tem a Andreia profissional antes da maternidade e a Andreia profissional depois da maternidade. Por exemplo, se acontecer alguma coisa com os meninos, eu saio correndo do trabalho, digo tenho que ir e tchau. E não é hipotético, isso já aconteceu! As pessoas falam que não sabiam que eu queria ser mãe por causa da minha forte relação com o trabalho, mas acho tão invasivo. Nada a ver.  E eu trabalhei muito isso na terapia. Aliás, você perguntou o que faço para organizar a mente: eu faço terapia há muitos anos. O André fala que eu analiso tudo. E acho que tudo é analisável mesmo.

E sua terapia tem alguma linha específica? 
Não, não tem. Saí de Brasília, mas continuo fazendo com o mesmo terapeuta, porque imagina explicar tudo de novo, não tem a menor condição. Mas se não fosse esse trabalho que eu faço há anos, ainda mais depois que virei mãe, se eu não tivesse ajuda para colocar as coisas nos devidos lugares, acho que teria perdido minha sanidade mental. Muita gente vê a terapia como algo menos importante. Eu sou o oposto, acho que é algo que deveria ser oferecido para todo mundo. Porque faz toda a diferença.

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Você acha que empresas e os profissionais estão preparados para levar as questões maternas como uma pauta urgente para uma sociedade mais humana e saudável? 
Acho que de uma forma geral não, mas no meu caso tive uma rede de apoio ótima no trabalho. Meus chefes me perguntavam o tempo todo se estava tudo bem e estão sendo muito respeitosos com tudo na minha volta. Preciso dizer que sou grata. 

Como você lida com o machismo em Brasília? O fato de ser uma mulher bonita já interferiu no seu trabalho?
Bonita é por sua conta, tem muita maquiagem aqui. Apesar do ambiente em Brasília ainda ser muito masculino, acho que o político pensa bem antes de falar por causa do escrutínio das redes sociais. O que é feito no Congresso hoje gera uma reação rápida nas redes. Quando cheguei a Brasília, as pessoas falaram que eu era muito brava. Não é que eu era brava, tinha a cara fechada para exprimir respeito em um ambiente tão machista e tão masculino. Não podia dar meio sorriso ali. Hoje me libertei disso e acho que a geração de mulheres que está chegando a cidade agora talvez seja mais segura, saiba se impor sem precisar ficar se provando 5,10, 20 vezes.
A questão da pobreza menstrual, por exemplo, já discuti isso várias vezes com as deputadas da bancada feminina. Elas falam: “Sadi, até para gente conseguir discutir esse assunto foi um constrangimento, por que eles não entendem.”

A menstruação é um tabu.
Exatamente, imagina falar sobre pobreza menstrual, então, elas tiveram que explicar para os homens do Congresso o que significava pobreza menstrual primeiro, para conseguir avançar e aprovar a lei. Mas o legal foi que aprovou, entendeu? Isso para mim já é uma vitória. O veto é outra coisa, tem o governo por trás, enfim, que não acredita nisso, mas eu já achei uma vitória essa discussão ganhar destaque. Em geral, as pessoas acham que esse é um problema só das mulheres, mas não é. É da sociedade como um todo, e esse debate nunca teria acontecido há 10 anos, porque o assunto nem teria sido pautado.

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“Tive problemas a minha vida inteira de compulsão com comida”

Li que você nasceu no carro a caminho da maternidade, é verdade?
Verdade! Minha mãe diz que eu escorreguei, que ela teve que me segurar com a batata da perna! Porque ela tentou chegar ao hospital, estourou a bolsa no banho e aí ela tentou correr, mas morava longe e não deu tempo de chegar. Nasci nos arredores da Alameda Campinas. E fico checando essa história com a minha mãe várias vezes, para ver se não tem nenhuma falha. Ela fala: “não sou suas fontes, para você ficar confirmando a história”. 

Sei que sua família é de origem árabe e faz comidas maravilhosas. Como é sua relação com a alimentação?
Maravilhosas, mas a alimentação é uma questão de saúde para mim, porque eu não como só quando estou com fome, como muito porque sou gulosa. Tive problemas a minha vida inteira de compulsão com comida, eu não consigo comer um, eu como muitos. Controlar essa compulsão me ajuda no bem-estar. Por exemplo, sou intolerante a lactose e sei que leite me faz mal, mas às vezes comia e passava super mal. Aí, pronto, acabava minha disposição. De uns tempos para cá, tirei tudo o que não posso comer da minha dieta com seriedade e minha disposição melhorou muito.

E que é o bem-estar para você no Brasil?
Essa pergunta me lembrou uma vez que perguntei para Jurema Werneck o que é cidadania e ela me respondeu que a questão da cidadania é você sobreviver nas favelas, nas comunidades. Acho que é muito difícil falar de bem-estar em um país como o nosso, que a gente ainda discute os direitos básicos. O direito ao saneamento, à saúde pública, enfim. Mas, para mim, bem-estar hoje é ver meus filhos com saúde, depois que você vira mãe só pensa nisso. E também é ter essa organização mental para não ser excessiva na preocupação com eles.

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