Para se desconstruir de verdade, o homem precisa aprender a cuidar

Tenho ouvido de mulheres diferentes que os caras estão muito atrasados. Estão atrasados na compreensão e no comportamento em relacionamentos, no reconhecimento de si, de suas emoções e no entendimento e transformação de comportamentos machistas e opressores. E sobre isso eu tenho uma teoria: da maneira culturalmente predominante, os relacionamentos não estavam bons para muitas mulheres – e cada vez para mais mulheres. Que foram buscar entender por que as relações se davam daquela forma, queriam compreender tudo do que tiveram de abrir mão para caber nesse modelo. 

O que encontraram? Outras mulheres. E identificaram suas histórias nas histórias delas, comportamentos e situações que se repetem. Então, muitas começaram a experimentar se comportar de maneira diferente, a não aceitar determinados padrões. Isso passa por entender como se proteger de abusos e violências, por exemplo, expressar seus desejos e exigir outras posturas do companheiro. 

Aí começou a ficar incômodo pros caras, acostumados a não serem contrariados por mulheres. Uns foram buscar entender essas novas demandas, limites e posturas. Foram olhar para o próprio comportamento e entender o que não é mais aceitável e o que precisa ser diferente para ser melhor para todo mundo. Os outros costumam repetir “ai, não se pode falar mais nada hoje em dia”. E cá estamos nós: um tanto de mulheres cansadas de lidar com homens existencialmente rudimentares e um tanto de caras dispostos a “se desconstruir”, finalmente. Parece um bom avanço, pode dar match. 

Que raio de amor é esse que os caras dizem sentir que não passa por cuidado? 

Mas a problematizadorazinha que existe dentro de mim não me dá sossego e foi despertada pela jornalista Luiza Sahd num tuíte que dizia “quanto mais escuto sobre a vida afetiva dos héteros, maior a sensação de que os homens buscam mulheres como as de antigamente, enquanto elas procuram os homens do futuro. Não tem literatura científica que dê conta dessa questão de espaço e tempo”.  

Passei dias pensando nisso e nas histórias que ouço e vivo. Homens que se dispõem a mudar só o que faz bem para eles. Por exemplo, homens hétero fazendo um baita esforço para “se desconstruir” estão entre nós. Eles, de fato, estão tentando identificar, lidar e demonstrar emoções, estão atentos à comunicação responsável com suas parceiras e entregues a algum processo terapêutico. E isso é ótimo e muito benéfico, pois é uma forma de se libertar de um comportamento machista que os oprime. Mas, pensem: isso é ganho para eles, só coisa que soma. 

Mas e a parte que envolve perdas? Aí complica mais um pouco mais. Estamos falando de trabalho prático e mental. Estamos falando de cuidado. Dos filhos, dos pais, das mulheres. Sabia que mais de 70% das mulheres que recebem diagnóstico de câncer de mama são abandonadas por seus companheiros? Vou repetir: SETENTA POR CENTO. Porque elas vão precisar de cuidado, atenção e paciência. Talvez precisem de alguém que as acompanhe nas sessões que o tratamento exige. Talvez estejam fracas demais para cozinhar a própria comida e precisem que alguém providencie. No caso, o companheiro. E eles não dão conta. 

Consegue imaginar a situação contrária? Homens sendo abandonados doentes por suas mulheres? Desamparados num luto? Na velhice? Que raio de amor é esse que os caras dizem sentir que não passa por cuidado, atenção e paciência em relação a mulher com quem eles escolheram estar? 

Você conhece muitos homens que cuidam? Eles têm de abrir mão de muita coisa. Da liberdade que sentem quando não se implicam em responsabilidades. Abrem mão do tempo livre, da diversão, do descanso. Os homens perdem algo valiosíssimo pra eles: o privilégio de poder não cuidar – sim, porque hoje, a maioria deles ainda goza desse privilégio.

Que tal vibrar junto e incentivar as conquistas da sua companheira? 

Afinal, mulheres fazem 75% do trabalho de cuidado no mundo. Por que sobra tudo pra gente? Não tá bom, não, pessoal. Diz a matemática que, dividindo em partes iguais, fica mais leve para todo mundo. Que tal experimentar fazer parte dos 25% e cuidar da sua companheira, pra ver se equilibra? Que tal procurar saber como ela gostaria de ser cuidada? Talvez o que você entenda por cuidado não é o que ela precisa. Vibrar junto e incentivar as conquistas também faz muita diferença – essa coisa de se sentir menor é outra bobagem do patriarcado, a vitória dela não é uma informação sobre você. Se responsabilizar pelas demandas dos seus filhos e pais é algo pra ontem. 

Homens “em desconstrução” que se interessam por mulheres “desconstruídas”, mulheres de 2024, e que buscam relações mais igualitárias precisam se apressar na reconstrução e se comportar como homens de 2024. Ou estarão sempre atrasados.