“Se você quer liberdade, tem que fazer por merecer.” Essa foi provavelmente a frase que eu mais ouvi durante a adolescência. Só que esse merecimento vinha com uma espécie de Termos de Uso. Tem que ser meiga, virginal, falar baixo, estar sempre disponível, acatar às ordens e seguir o comportamento que se espera de uma “menina de família”. Ah, também precisa telefonar umas três vezes por semana para cada membro familiar e perguntar se tá tudo bem: o pesadelo de todo millennial que odeia ligação telefônica.
Assim me deparei com um paradoxo: para conquistar a liberdade que me prometeram, era necessário que eu abrisse mão de ser eu mesma e passasse a ser tudo o que esperavam de mim. Confesso que não parecia tão difícil, afinal, eu era mesmo meiga, boazinha, comportada… Era? Ou só não me permitia ser outras coisas? E se eu tentasse ser diferente, qual seria o nível de culpa que sentiria?
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Na fase adulta, o meu corpo começou a dar sinais de que o meu psicológico caminhava para seu estado terminal. Acne decorrente de estresse e crises de ansiedade me levaram a buscar ajuda e, na terapia, comecei a experimentar outras versões de mim mesma: a que diz “não”, a que rebate opiniões preconceituosas, a que não pede desculpas por tudo, a que deixa o celular no mudo e some.
De repente, eu não era mais a garota de ouro, agora era uma ingrata! Como eu ousava não fazer o que os outros esperavam de mim? Como assim eu parei de negligenciar meus sentimentos? Com uma orelha quente e um coração apertado, eu fui descobrindo que era possível estar ali para a minha família e ao mesmo tempo respeitar o meu próprio limite. E bem que eu queria deixar aqui uma fórmula exata de como fazer isso, mas a verdade é que eu também não sei. O que me ajuda é a autoanálise e a consciência de que preciso me colocar em primeiro lugar para estar bem comigo mesma, um tópico que até os filmes da Disney têm abordado.
Aprender a dizer “não” para as expectativas da família e um grande “sim” para si mesma não é egoísmo
RED: Crescer é uma fera e Encanto falam da importância de romper com as tradições familiares se elas não condizem com quem você é e ainda destacam que a responsabilidade por desfazer o caos é daqueles que tiveram atitudes tóxicas. Mais importante do que esperar compreensão e aceitação familiar é entender que os membros da nossa família são pessoas lidando com as consequências de suas escolhas, e que nem sempre é possível interferir.
Um pai, uma avó ou um tio que quer manter valores ultrapassados está no seu direito, assim como você também tem direito de discordar e criar uma distância saudável. Afinal, aprender a dizer “não” para as expectativas da família e um grande “sim” para si mesma não é egoísmo, é sobrevivência. Se cabe perdão, conversa ou empatia é você quem vai descobrir, mas o mais importante é entender que ser livre não significa ser ingrata, mas, sim, assumir o poder sobre quem você verdadeiramente é.