O alívio de uma relação não-monogâmica - Mina
 
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O alívio de uma relação não-monogâmica

O caminho longo de desconstrução da monocultura não é perfeito - e nem deveria ser! Geni Nuñez destaca: não se trata de ser uma pessoa mais evoluída, é sobre estar disposta a experimentar afetos de outros jeitos, mesmo lidando com alguns fantasmas

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Comecei a me afirmar não monogâmica há mais ou menos 10 anos, esse tem sido um percurso bordado de muitas alegrias, mas também de muitas lágrimas (e as respeito igualmente). Estudando, sentindo, conversando e vivendo fui trilhando, coletivamente, caminhos mais serenos para as relações nas quais me constituo como pessoa.

Fui percebendo que a maioria dos problemas não monogâmicos em verdade são da própria monogamia. Sim, sentimentos e práticas de ciúme, controle e posse são parte dos aprendizados que temos do sistema monogâmico. Quando os sentimos, isso não quer dizer que a não monogamia está “dando errado” e sim que os efeitos da própria monogamia ainda impactam nossa vida, como fantasmas. Afinal, a cultura monogâmica vem sendo imposta há séculos.

É um alívio não ter que pedir autorização, nem perdão ou desculpas por ter direito ao básico: a si mesmo.

Em vínculos não mono, eu não espero pessoas “prontas”, evoluídas ou coisa do tipo, afinal,  somos seres do mesmo tempo histórico, mas espero pessoas dispostas à descolonização dos afetos, da forma que puderem, do jeito que conseguirem, sempre singular e artesanalmente. O mundo colonial é essencialmente binário e a todo tempo nos convoca a dar uma única resposta a questões como: é menino ou menina? é azul ou rosa? gosta de mulher ou homem? Quem será a pessoa escolhida para se amar e desejar? É como se um deus tivesse determinado que na mitologia dessa cultura as pessoas não teriam o direito de fazer escolhas para além desses falsos dilemas.

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Quando crio laços com pessoas não monogâmicas, sinto o alívio de saber que essa pessoa não faz parte da religião na qual ter autonomia sobre si é pecado. É um alívio não ter que pedir autorização, nem perdão ou desculpas por ter direito ao básico: a si mesmo. Da mesma forma, é uma alegria me deslocar dessa posição na qual eu, como um juiz, poderia decidir com quem outra pessoa poderia se relacionar, quando, como e de que maneira.

Relações entre pessoas não monogâmicas não são um paraíso, não são um céu. Mas não é para esses lugares que a gente quer ir mesmo.

Quando admiro a beleza e inteligência de alguém não é porque não acho belo ou pouco inteligente quem amo
Nem todo brilho alheio informa nossa opacidade
Nem todo encanto alheio comprova nosso desencanto
Você só ficaria feliz se a chuva regasse apenas você?
Que só a você o sol só trouxesse luz e calor?
Por que demandar exclusividade na alegria, no prazer, no afeto?
Que alta autoestima é essa que só encontra serenidade assim?
Por que desejar uma primavera de uma flor só?
Um enxame de uma só abelha?
A vida é mais viva quando existimos para além das monoculturas.

*Geni Nuñez é é ativista indígena guarani, graduada em Psicologia, com mestrado em Psicologia Social e doutoranda em Ciências Humanas (UFSC).

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