Plano de saúde cancelado: um problema que vem crescendo - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

Cancelamento de planos: com o envelhecimento da população, o que vai acontecer?

Especialistas dizem que investimentos e programas que olhem para o futuro são necessários. Mas esse ainda é um ambiente desconhecido

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Nos últimos meses é bem capaz que você tenha visto uma notícia ou um post nas redes sociais falando sobre o cancelamento unilateral de planos de saúde de pessoas idosas. E, por incrível que pareça, as operadoras têm esse direito previsto em lei (no caso de planos coletivos). Sim, até aqueles clientes que pagam mensalidades de 10 mil reais, tudo certinho, há 15, 20 ou 30 anos, podem um dia simplesmente receber o aviso: ‘em dois meses, seu plano será encerrado’. E não é necessário nem apresentar uma justificativa. A lei garante isso. Simples assim. 

Além de toda insegurança, vulnerabilidade e ansiedade que isso pode causar no idoso e em seus familiares – até porque será difícil encontrar um plano individual novo para uma pessoa 60+ –, existe uma questão mais ampla, de saúde pública, rondando este cenário. Sete a cada dez brasileiros já dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde), e os idosos consomem a maior parte dos recursos. “Se os que perderem planos fizerem essa migração, serão ainda mais pessoas em busca de atendimento, que já é deficitário. Teremos gente esperando muito mais tempo por consultas, um sistema sobrecarregado e falta de assistência generalizada, afetando toda população, não só os idosos”, alerta o geriatra Otávio Castello, diretor científico do Instituto Parentalidade Prateada.

Parece pegadinha, mas não é

A jornalista Mônica Tarantino passou por esse susto recentemente, quando acessou o portal do cliente no final de março para agendar uma consulta para sua mãe, a aposentada Stella Tarantino Lima, de 90 anos. Ali na tela, por acaso – e não por email ou whatsapp – estava um comunicado do plano de saúde informando que o contrato de Stella estava em fase de rescisão.

“Aos 63 anos, somente a terceira empresa que busquei me aceitou como cliente”

“Ficamos em choque e sem entender, já que minha mãe tinha o plano há mais de 20 anos. Mas a empresa confirmou que ele teria validade apenas até maio”, relata Mônica. Inconformada, a jornalista expôs a situação nas redes sociais e a postagem logo alcançou 9,5 mil curtidas e quase mil comentários e, pelo menos a história de sua mãe, teve um final mais feliz do que a de muitos outros idosos. “Após a publicação, o plano nos informou que houve um erro de comunicação e o contrato foi mantido”, conta.

Mas essa não foi a única situação constrangedora enfrentada por Mônica. Com 63 anos, ela tentou contratar um plano de saúde para si e teve duas recusas. “Somente a terceira empresa que busquei me aceitou como cliente.”

De que lado a lei está? 

Segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), de 2019 a 2024, foram registradas mais de 60 mil reclamações em relação a problemas com cancelamento unilateral de planos de saúde. A advogada Marina Magalhães, pesquisadora do programa de saúde do Instituto de Defesa Consumidor (Idec) explica que a rescisão unilateral é prevista mesmo em lei, porém fere o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil.

“É uma cláusula abusiva, já que não pode haver essa seleção de risco. E também fere o princípio da boa-fé, tendo em vista que quando o cliente fica idoso e passa a precisar mais do plano, as operadoras começam a rescindir os contratos que, em sua maioria, existem há anos”, diz.

Idosos têm acesso à saúde garantido por lei, mas sistema não está pronto para recebê-los

“Infelizmente, a dificuldade de acesso a planos de saúde individuais por pessoas acima de 60 anos não é um problema de simples solução. Para começar, há a questão financeira. O Brasil é um país de renda média, e as pessoas não têm dinheiro para manter um plano de saúde à medida que envelhecem. Mesmo com a lei que impede que o preço seja reajustado em função da idade a partir dos 59 anos, há reajustes em função de outros fatores, como inflação”, analisa Antônio Leitão, gerente do Instituto de Longevidade MAG.

Na Câmara dos Deputados, há um projeto de lei que prevê o fim da rescisão unilateral dos contratos coletivos, no entanto a tramitação está parada. Garantir o acesso à saúde também  está previsto em lei no Estatuto da Pessoa Idosa, mas isso não quer dizer que o país tenha um sistema de saúde pronto para recebê-la.

Tsunami prateado

A rapidez com que a população está envelhecendo e também vivendo mais traz desafios nunca enfrentados. “Não podemos romantizar o problema e achar que a culpa é apenas dos planos de saúde. A questão é bastante complexa e exige um trabalho a longo prazo, de diversas frentes”, diz o geriatra Otávio.

“O país precisa estar um passo à frente e isso não está acontecendo”

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estimula as operadoras de planos de saúde a reforçar os serviços aos jovens – para reduzir os gastos com idosos no futuro – , mas profissionais e especialistas da área dizem que essa não é a única solução: é preciso planejar esse envelhecimento populacional com a criação de políticas públicas, além de financiamento de programas de saúde olhando para o futuro. 

“O país precisa estar um passo à frente e isso não está acontecendo. Precisa-se investir em saúde, mas também em saneamento básico e educação para que essa população comece a envelhecer com mais qualidade de vida. Serão muitos os desafios e muitos deles ainda não são bem conhecidos, já que nunca fomos um país de idosos. É algo novo”, acrescenta Otávio.

Inserção na sociedade traz mais qualidade de vida

Alessandra Tieppo, geriatra e membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, enfatiza que outra ação também pode garantir mais saúde e qualidade de vida aos idosos: mantê-los inseridos na sociedade, proporcionando um envelhecimento ativo. 

“O idoso não pode ser ignorado ou excluído. Políticas públicas precisam garantir a saúde, alimentação, acesso à atividade física e até mesmo ao mercado de trabalho.” Mas, claro, não ignorando as particularidades dessa população para não os deixar vulneráveis: “eles precisam de cuidado”, complementa. Pelo visto, todos nós.

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