Planejar a ceia, comprar presentes e encontrar parentes que, muitas vezes, não são nossas pessoas preferidas. Uma semana depois, encarar outra festa, mas dessa vez depois de encarar horas de trânsito para chegar em um lugar paradisíaco, porque é preciso estar rodeada de amigos e usar uma roupa que deve ser legal o suficiente para garantir muitos likes nas redes sociais e, ao mesmo tempo, ter as cores certas para atrair desejos para o ano seguinte. Ufa.
Além da logística estafante, as festas de final de ano têm alto potencial de nos sobrecarregar emocionalmente: muitas vezes, é preciso sorrir para pessoas que nem gostamos tanto assim; dar presente pro amigo secreto da firma, que não é tão amigo assim e abraçar familiares que, muitas vezes, fazem comentários desagradáveis e até violentos. Como lidar com essa necessidade de ser feliz que domina o fim do ano?
2022 tem alguns agravantes que tornam o mês de dezembro ainda mais intenso
“O natal vem com essa imposição da harmonia, do amor, mas nem sempre você escolheria passar o natal com essas pessoas, porque para muita gente a família não é um lugar gostoso, chega até a ser dolorido. E uma semana depois, vem a angústia do ano novo: tem que fechar o ciclo muito bem, renovar energias e estar super disposta e animada pro ano que está chegando porque, se estiver com as energias erradas, seu ano será catastrófico. É muita coisa mesmo”, resume Elisama Santos, escritora e psicanalista, dando um abraço em quem sente o mês de dezembro como opressor.
Se você é do tipo que gostaria de pular a parte das festas ou passar esses dias tão simbólicos sozinha, dormindo, vem com a gente pensar de onde vem esse sentimento pra conseguir decidir com consciência se isso é o melhor a ser feito. Essa é uma época de celebração e afeto, mas se a gente entra nela do jeito errado, pode acabar sentindo uma sobrecarga física e mental.
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E 2022 tem alguns agravantes que tornam o mês de dezembro ainda mais intenso: as recentes (e polarizadas) eleições presidenciais que desgastaram muito as relações, especialmente familiares, e a Copa do Mundo, que aumento ainda mais os encontros e celebrações. “São muitos momentos de encontrar pessoas. Não tem carisma que resista”, diz a psicóloga e psicanalista Fê Lopes.
Você não é todo mundo
Essa frase clássica das mães aqui serve como um alívio para os que não estão muito confortáveis com as festas de final de ano: não é porque todo mundo está planejando uma viagem incrível com um grupo enorme de amigos que você não pode passar a virada na sua cidade; ou, ainda, não é porque todo mundo vai fazer festa até o dia clarear que você não pode voltar para o seu quarto logo depois da meia noite, afinal, você não é todo mundo, não é mesmo?
Vale traçar estratégias que garantam que você respeite seus desejo, mas antes é muito importante entender de onde ele vem. “Pensar: ‘Como está a minha vida de verdade? Porque quero passar sozinha? Estou segura de que quero tranquilidade e silêncio ou estou insegura e, no fundo, fugindo das relações”, orienta Elisama Santos.
“Fazer só o que a gente quer é perigoso, existem pactos sociais que são importantes”
Ela percebe que, depois da pandemia, a disputa entre sair e encontrar pessoas versus ficar em casa sozinha, aproveitando a própria companhia, acabou se tornando muito desigual. “Se a gente passasse todos os dois dias de pandemia, por quase dois anos, lembrando como é gostoso estar com pessoas, a gente tinha enlouquecido. Precisamos encontrar o conforto de estar em casa, fazer com que o ambiente doméstico trouxesse prazer. Aprendemos como é uma delícia tomar banho e ficar de pijama, com creminho no rosto. Mas agora, pra muita gente, é preciso lembrar como também é bom sair, estar entre pessoas”.
Negociar é preciso
A ideia de se respeitar (e passar o Natal em casa assistindo um filme e comendo pipoca, por exemplo) até vale, mas é preciso ponderar se essa é, de fato, a melhor opção. “Fazer só o que a gente quer é muito perigoso, porque existem pactos sociais que são importantes e precisam ser pensados com carinho. Uma coisa é não querer os dias 24 e 25 com a família toda, preferir estar com amigos, outra coisa é dizer que não quer encontrar ninguém nunca”, comenta Fê Lopes.
A ideia, aqui, é não ser tão rigorosa a ponto de estragar o clima da ceia – fugindo da família ou entrando em todas as discussões – e nem tão flexível a ponto de permitir abusos e coisas que te violentem. “Algumas coisas são negociáveis, outras não. É preciso traçar estratégias e escolher suas batalhas”, diz Fê. O importante é fazer tudo com consciência e entendendo os reais motivos e consequências.
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É preciso lembrar também que há o caminho do meio. Se o Natal na sua família está tenso, sem assuntos que conectem as pessoas, Fê Lopes dá a dica: leve jogos, proponha brincadeiras. Também vale se dedicar a alguns rituais que resgatam o que é gostoso na família, como receitas antigas. “É mais fácil estabelecer conexões quando se tem um intermediário neste encontro. Levar o jogo Imagem & Ação, por exemplo, faz as pessoas se soltarem, envolve as crianças, os mais velhos, é ótimo para quem está tenso e ansioso com esses encontros”, especialmente num ano em que as famílias se dividiram tanto.
Respondendo a pergunta do começo deste texto, não, não é obrigatório ser feliz no fim do ano, mas existem maneiras de aproveitar essa época com tranquilidade e sem se sentir violado por obrigações socialmente impostas. Ninguém fica amoroso só porque é natal, ou feliz só porque é réveillon, mas é possível curtir as festas mesmo que não sejam seus programas preferidos.