O que é ser uma senhora? - Mina
 
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O que é ser uma senhora?

Uma mulher grisalha? Com netos? Alguém que curte um carteado? Tem rugas? As pessoas estão confusas e eu não sei se sou ou não uma senhora

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Estou com uma questão aqui e venho compartilhar com vocês. A sociedade está dividida e não sabe definir se sou ou não uma senhora. Não que isso seja um grande problema, mas do alto dos meus 46 anos, e diante de alguns episódios de incômodo social, voltei a me perguntar: o que é esperado de uma mulher da minha idade? Já pincelei algo parecido aqui, quando decidi parar de tingir os cabelos. A transformação mais evidente foi a leitura social sobre mim. As pessoas tratam uma mulher da minha idade, de cabeleiras prateadas, como “senhora”. 

Um xale, algum vagar no caminhar, o preparo de pratos saborosos?  Nada disso se parece comigo

Busco no meu âmago algo que se pareça com o imaginário que tenho de uma senhora: um xale, um bingo, mãe e avó, algum vagar no caminhar, o preparo de pratos saborosos na cozinha, corpo coberto, recato. Nada disso se parece comigo. Enquanto batuco essas palavras, pergunto ao meu redor na redação: o que é uma senhora para vocês? “É uma mulher mais velha”. Insisto: “mais velha do que quem? O que é uma mulher mais velha?” O cabelo vem na frente: uma mulher grisalha, com marcas de expressão no rosto e no corpo, talvez com filhos e netos. À parte da maternidade, bem, talvez eu seja uma senhora.

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Penso nas senhoras nascidas do meio pro fim dos anos 1970 que caminham comigo pela vida. Uma delas tem 47 anos, luta boxe e jiu-jitsu, está entre as melhores em sua área de atuação profissional, dona do seu negócio e livre para transar com quem quiser. “As pessoas pareciam desconfiadas quando cheguei no jiu-jitsu”, ela disse, e eu quase senti daqui os olhares de reprovação, como se aquele lugar não fosse apropriado pra ela. “Sinto que ter filho me agregou algum respeito, como se “aí, sim”, com filhos, eu cumprisse um item do que é esperado socialmente de uma mulher da minha idade”. Filhos são esperados para uma mulher da nossa idade. Poxa, então talvez eu não seja uma senhora. Será que curtir um carteado configura senhora?

Sou bastante ativa fisicamente, com uma rotina disciplinada de exercícios, em nome do meu bem-estar e de um corpo que funcione bem e me carregue pelo mundo. Anos atrás jogava vôlei e fazia parte do time uma mulher de ascendência asiática, de cabelos bem pretos, de cerca de 70 anos. Não faço ideia se tem filhos ou netos. Seria ela uma senhora? 

“Tati, você é uma exceção”, me dizem. Será?

Veja, o incômodo não é ser uma senhora. Mas ser sempre lembrada de que estamos desencaixadas de um padrão, a despeito da imensa variedade de exemplares de mulheres de “meia idade”. Grisalhas, loiras, pretas, brancas, com rugas, com botox e preenchimento, que jogam carteado e futebol, que gostam de ópera e festival de música, mães, avós, sem filhos, com muitos amigos e amigas, caseiras ou festeiras, que dirigem seu próprio carro ou chamam táxi, mas que paguem suas próprias contas. 

Na pré adolescência, imaginava como seria a minha vida na virada do milênio, recheada de expectativas futurísticas e fantasias de carros voadores. Em 2000 eu teria 22 anos, o que pra mim significava ser adulta. E mulheres adultas casam e têm filhos, como minha mãe e a mãe das minhas amigas fizeram. Pois essa mesma mãe passou a vida me dizendo que eu deveria estudar e trabalhar, de modo a não depender de ninguém, sobretudo de um marido.

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Pergunto a uma educadora física de 27 anos como ela se vê aos 45. “Solteira e sem filhos”, embora tenha vontade, e não um sonho, de viver com um companheiro e ter umas três crianças correndo pela casa. “Gosto de coisas que quase nenhum homem oferece: monogamia, parceria, lealdade e autonomia, meus valores são muito diferentes dos valores sociais vigentes. Não quero passar pelo que minha mãe passou, abandonada pelo marido, com 3 filhos”. Não deixo de notar o pessimismo hétero feminino, ele é real! Ela se projeta vivendo no interior com vários cachorros, afastada das redes sociais “que vão enlouquecer todo mundo” (e já não estamos todos transtornados?) e cuidando da mãe. 

Cuidado é algo que recai compulsoriamente sobre mulheres nesta faixa etária. Não por acaso temos uma geração inteira que foi denominada “sanduíche”, mulheres que cuidam dos filhos, às vezes dos netos, e também dos pais, ainda que esses pais também tenham filhos homens.

 “Tati, você é uma exceção”, me diz a educadora. Porque sou solteira e “bem resolvida” (minhas dúvidas existenciais mando um alo). Porque não tenho filhos, não sou diretamente responsável pela sobrevivência de nenhum ser vivo (a não ser das plantas que perdoam as minhas desatenções e me aceitam como sou) minha vida não gira em torno de relações amorosas-familiares. Porque sou a única encarregada das minhas escolhas práticas e cotidianas, com as delícias libertadoras e também as muitas dores que a autonomia traz. Porque ser sociável, festeira, se vestir como quer e se sentir bem talvez destoe e seja visto como inapropriado. 

Em suma, esperam que aos 46 sejamos belas e jovens, para “não parecer” a idade que temos; recatadas e descansadas, pois sexo não é coisa de senhoras, e do lar, cuidando de crianças e idosos e bichos de quem a maioria dos homens não se preocupa em cuidar. Exceção? Ou será que assim como milhares de mulheres da minha idade e com vidas e personalidades diversas, apenas trilhamos caminhos destoantes de um imaginário que nem de longe corresponde à vida real? 

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