O Deus que mora no quarto. E a mãe que mora em Deus - Mina
 
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O Deus que mora no quarto. E a mãe que mora em Deus

Sobre o dia em que aprendi a falar a verdade (sempre) e a força vital que isso me deu

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Desde pequena, era deitar e falar com Ele. Sobre tudo: as coisas que eu não queria repetir, as que eu queria fazer igualzinho, a confusão de quem eu quero ser e o que não quero que seja de jeito nenhum.

Pra mim, Ele sempre esteve ali, no canto do quarto, justo onde sobram as bagunças. Naquele lugar em que você joga o que nem precisaria esconder. Depois, Ele vinha no fim da cama, esperava eu adormecer para limpar os meus pés. E era isso que me dava coragem pra pisar fundo no dia seguinte.

Deus me vê de perto. (O que você faz quando ninguém ta olhando?). Desde o início. Me observa com atenção, pergunta como foi o meu dia, escuta como quem não tem mais pra onde ir. Sem pressa, espera que eu conclua. Às vezes eu não chego lá, noutras durmo ainda pior. Mas a sensação confiante nesse encontro sempre me fez querer acertar, ser melhor.

 “Como posso acreditar em você, Carolina?”

Minha mãe era pedagoga, e eu não sei se entendi o significado disso a tempo de aproveitar com consciência o que tinha a meu dispor. Mas lembro de ter pronta na ponta da língua a resposta sobre qual a principal qualidade dela: conversar.

Aos dez anos pensei em fugir da escola, perguntei o que ela achava disso e ela respondeu com doçura que era loucura. E, mesmo diante do que prometi, eu sumi.

Depois de ser encontrada, meu castigo foi perder a confiança dela. “Como posso acreditar em você, Carolina?”. Nessa noite, pós sumiço, na conversa com Deus, fiquei muda. Eu não tinha nada a dizer, e ele tampouco perguntou nada. 

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Ficamos noites infinitas olhando um pro outro. Ele se mudou pro meu travesseiro. Passou a acariciar os meus cabelos. Sempre naquele silêncio que parecia sem fim… Mas eu sentia que isso era o jeito justo que cabia a Deus. Estar ali, independente do meu erro. Sem lição pra dar, só colo e tempo. Tempo…

Passamos meses, minha mãe e eu, com esse gosto amargo na boca. Ela querendo ser firme, eu a querendo de volta. Sem festa, nem quarto de amiga. De casa pra escola e vice-versa. E ela me fitando com aqueles olhos gigantes, medindo meu comportamento. Entre a decepção do que tinha acontecido, e os pontos que eu ia ganhando tentando ser exemplar.

“Essa a lembrança mais forte a respeito da construção do meu caráter”

Não me lembro exatamente o que eu fiz no dia em que ela voltou a confiar em mim, mas a sensação eu não me esqueço, indizível, inexplicável, e quase palpável tamanha a sua força e presença.

Essa é, sem dúvida, a lembrança mais forte a respeito da construção do meu caráter. E do meu primeiro entendimento sobre isso, não pela gravidade do ocorrido, mas pela mudança no meu rumo. Dali até aqui, sei o exato preço que a lealdade tem, conheço a benção de falar a verdade como ninguém. 

Até hoje Deus mora ora no meu travesseiro, ora na minha bagunça. Mas desde que perdi minha mãe, quando olho pra Ele, é o rosto dela que eu vejo, e sinto, muito forte, que eles sempre foram um só.

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