Somos parte da natureza: autoconhecimento e intuição - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

Entender que somos natureza é uma forma de autoconhecimento

A partir da busca pela sua ancestralidade e identidade, Juliana Luna descobriu o que, para ela, há de mais valioso na vida: saber que é natureza, que pertence a algo maior e justamente por isso, está sujeita a mudanças e ciclos. Aqui, ela escreve sobre os benefícios de ter essa consciência

Crédito: Thais Aquino
Crédito: Thais Aquino
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Durante toda minha vida me senti alheia, não pertencente a esse mundo e seus sistemas. Quando criança, por exemplo, não entendia por que tínhamos que competir por atenção, por reconhecimento. Sempre senti um aperto no peito. Respirar profundamente era sinônimo de dor. Ao longo do tempo, fui percebendo que meu corpo desenvolvia técnicas de resguardo, se adaptava como forma de proteção. 

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Perguntas sobre quem eu sou no tempo e no espaço sempre me geraram ansiedade. Essa crise identitária serviu como um chamado para me relacionar com o que há de mais valioso nesta existência: saber que também sou natureza, que pertenço a todo lugar. 

A natureza e os seres humanos são um. E não, não somos todos iguais. 

Acho que era disso que meus ancestrais viviam – nutriam-se em saber-se um. Em 2015, fiz um retorno à terra que um dia abrigou minha linhagem materna: a Nigéria. Ali, tudo começou a se apresentar em forma de saber da alma.

Tem horas que me pergunto se esse saber era intrínseco ou se foi um aprendizado adquirido com a observação dos ventos, do mar, dos rios, das árvores, da força das marés; movimentos naturais que convidam a nos tornar eternos estudantes do agora.

O caso é que, sim, se sabia. Um saber profundo, naquilo que nos faz pertencentes a uma comunidade – um fio que liga linhagens e nos une em uma jornada de busca por pertencimento. O começo da gente sendo no fim daqueles que vieram antes. Na história que se repete. Seria necessário falar de um sistema separatista e compreender a grande mentira que me foi contada, para que se acreditasse alheia e sozinha. O estado “alheia” arquitetado pelo sistema com o objetivo de paralisar o meu sistema nervoso, nascendo, assim, a fragmentação do Corpo, Semente.

A natureza e os seres humanos são um. E não, não somos todos iguais. Como partes distintas e únicas do todo, mostramos a complexidade da vida no planeta Terra. Os ciclos que vivemos nos lembram que existe espaço a ser criado, diversidade para ser aceita. Estar em sinergia com as leis da natureza é saber que nada é permanente e inerte.

Sou formada em yoga e em técnicas de respiração. Há quatro anos criei a prática Aluna, uma tecnologia oracular ancestral em que nos lembramos que somos natureza através do tempo/espaço da Lua em profunda relação com nosso corpo emocional. Dou aulas que orientam pessoas a se relacionarem com a mudança e a se conectarem com sua intuição de forma prática. Herdei conhecimentos da minha ancestralidade e a parte prática nasceu de viagens que fiz à Nigéria, Israel, Bali, África do Sul, Bahia e Havaí. Hoje, uso essas ferramentas como suporte não só na minha vida, mas na vida de tantas outras pessoas.

Mudança

Em 1993, a escritora afro-americana Octavia Butler descreve um mundo fictício altamente desumano no se aclamado livro A Parábola do Semeador, ambientado em 2024. Ela narra a odisséia de Lauren Oya Olamina, uma jovem com uma habilidade rara: a de sentir profundamente não só a própria dor, mas a dor do outro. Na obra, além da hiperempatia, Lauren também herdou uma potente filosofia espiritual em resposta ao apocalipse, ao qual apelidou de Earthseed (Semente da Terra). “A única verdade duradoura é a mudança”, diz a personagem. 

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Acredito que Octavia habitava um tempo onde o presente que se desdobra no futuro compreendia que nosso passado, quando observado com a lente daquilo que é único em nós, cria espaços onde a potência da cura se auto realiza. Parece difícil, mas não é. É preciso humildade para se adaptar e servir à mudança. Criar mais espaço para aquilo que nos nutre a alma. 

“Tudo o que você toca, você muda.
Tudo o que você muda, muda você.
A única verdade duradoura é a mudança.
Deus é mudança.”
Semente da Terra – 

Octavia Butler ilumina em seu livro o mover desse novo tempo/espaço, onde os caminhos e as possibilidades são como galáxias dentro de nós. Mesmo em meio ao caos e a destruição. A filosofia de Lauren narra a grande força no existir de um tempo que eu identifico como Lunar. Onde passado, presente e futuro são um. O começo é também fim e tudo o que se vive, no caminhar da experiência de sobreviver ao apocalipse, nos faz valorizar os pequenos gestos no agora. A linearidade é desafiada e cria-se intimidade com os ciclos e com o tempo presente.

Estar em sinergia com as leis da natureza é saber que nada é permanente e inerte.

Cada movimento nesses ciclos é em direção à mudança e o equilíbrio se dá apenas quando aceitamos essa mutabilidade. Ora na luz, ora na escuridão – assim é a Lua. Um satélite que está sempre em rotação, mudando de forma e que, apesar de estar em constante movimento, nos mostra sempre uma única face. 

Dizem que a Lua nos ensina sobre o feminino. Acho pretensioso. Prefiro pensar que ela apresenta caminhos para a multiplicidade de ser única. Acredito que a Lua nos ensine sobre como as mudanças são inevitáveis, sobre o mistério da ciclicidade e como a natureza ao mesmo tempo que nos conforta no que é familiar a cada estação, também revela sempre algo desconhecido. 

Talvez um dos pilares essenciais desse mistério que é sentir tão profundamente a dor de si, e também a dor do outro em um mundo cada vez mais desumano, é zelar pelo portal corpo/terra semente. Ver possibilidade naquilo que o espaço aberto dentro apresenta para cuidar do espaço fora.

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Talvez seja preciso um respirar que não se limite do pescoço para cima, mas que percorra a estrada dos pés que tocam a terra em direção à cabeça que almeja céu. Uma ponte estendida no tempo/espaço da lua que habita em cada um de nós. A Lua conectora de passado, presente e futuro. O saber-se um para realizar-se coletivamente nesse processo de vida-morte-vida. O saber-se um que compreende a mudança como Deus, o Corpo Semente inseparável da Terra. O início-fim do desejo que tem como compromisso pertencer à humanidade. Assim como o livro profecia de Butler descreve:

“Deus é Mudança. Semente para árvore, árvore para floresta; Chuva para o rio, rio para o mar; Larvas para as abelhas, abelhas para o enxame. De um, muitos; de muitos, um; para sempre unindo, crescendo, dissolvendo e para sempre mudando.”

Espero que este texto nos inspire a olhar para dentro e a nos lembrar que somos natureza. E não caminhamos só.

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