Mulheres torcedoras lutam por respeito e espaço nos estádios - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

Mulheres torcedoras lutam por respeito e espaço nos estádios

Ser torcedora de futebol é muito legal, mas assistir a uma partida nos estádios nunca será apenas diversão. O lado bom é que tem gente lutando para driblar o machismo e criar projetos que acolham as mulheres

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Em dia de jogo do Atlético Mineiro, Dhandara Messias, 25 anos, já sabe: veste uma roupa discreta para cobrir a camiseta do time e a tatuagem que fez em homenagem ao clube no braço esquerdo. Como mora em Curitiba, essa fanática pelo Galo precisou abrir mão de frequentar o Estádio Mineirão para virar torcedora visitante na capital paranaense. Por estar em outra cidade, o trajeto só termina quando ela chega à arquibancada. Ali, a social media pode deixar a camiseta à mostra e, ao encontrar outros atleticanos, se sente um pouco mais em casa.

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Mas não tão à vontade assim. Frequentadora de jogos desde a adolescência, Dhandara já teve que aguentar muitas cantadas, olhares e assédios verbais de torcedores. Ela conta que também é comum não ser compreendida como uma entendedora de futebol. “Uma vez me ofenderam por achar que eu não era capaz de saber quem estava jogando só por ser mulher. É uma questão cultural. Enquanto criarmos homens machistas, nenhuma mulher vai estar segura nos estádios, e em lugar nenhum”, diz.

Hoje, no Brasil, existem cerca de 68 milhões de torcedoras de futebol, de acordo com uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), de 2022. Esse número equivale a 861 Maracanãs lotados. Torcer, por sinal, é verbo feminino. A palavra “torcedora” remete à década de 1920, quando as partidas só eram frequentadas por pessoas de alto poder aquisitivo. As mulheres chegavam de sombrinhas e luvas e, no meio do jogo, com as altas temperaturas e o calor da partida, tiravam as luvas e torciam o acessório – daí o termo. 

Dentro de campo, a maior artilheira da história da seleção brasileira – Marta – é uma mulher. Mesmo assim, os estádios seguem sendo espaços intimidadores para as mulheres. Dominado por torcedores homens, afastam até as mais aficionadas pelo esporte. 

Estádios seguem sendo espaços intimidadores para as mulheres

Mesmo que o público feminino tenha aumentado nas arquibancadas nos últimos anos, as falas e os olhares indiscretos seguem presentes. Se não é o assédio, é a invalidação, como se as mulheres não pudessem estar lá para opinar sobre uma jogada. Para combater esse tipo de comportamento, muitas delas estão buscando formas de oferecer mais conforto e bem-estar umas às outras dentro de jogo – e fora dele. 

Adriana da Luz, advogada e procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná faz parte do coletivo Atleticaníssimas, um grupo de torcedoras do Athletico Paranaense com mais de 16 mil seguidores no Instagram. Para ela, o estádio de futebol ideal para uma mulher é aquele em que se sinta reconhecida como uma pessoa. O coletivo começou como uma forma de reunir as amigas apaixonadas pelo time, mas, aos poucos, virou um lugar de pertencimento feminino. “A ideia sempre foi mostrar que toda mulher poderia estar ali no estádio, tido como um espaço masculino. Também poderia ser o nosso lugar e essas mulheres poderiam se sentir acolhidas”, explica.

Por todo o país, há coletivos de torcidas femininas. No Palmeiras, por exemplo, são as Verdonnas; no Corinthians, é o Toda Poderosa Corinthiana; no Flamengo, é a Nação Empoderada; no Atlético Mineiro, é o Grupa, já no Paranaense, é Atleticaníssimas; o Santa Cruz conta com o apoio do Movimento Coralinas e o Fortaleza das Torcedoras do Leão “Nós temos inúmeros relatos de mulheres que iam sozinhas ao estádio e começaram a se identificar conosco. Hoje, não se sentem mais sozinhas. Outras falam que só frequentavam na companhia do irmão ou do marido e, agora, se sentem mais livres e seguras em relação a isso”, comenta Adriana.

Por morar longe da cidade de seu clube, o Atlético Mineiro, Dhandara aproveita para ver o time jogar em outros lugares. “Mas é preciso redobrar o cuidado e entender como são os times. Quando é jogo contra o Coritiba, sei que posso ir tranquilamente. Já contra o Athletico Paranaense, não”, explica. A violência entre as torcidas faz parte dessa realidade, assim como o assédio. “Os homens acham que é o lugar que eles dominam”, afirma. 

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Luísa está aqui?

O time de futebol alemão Bayer Leverkusen adotou um protocolo contra assédio e importunação sexual para acolher mulheres com discrição e segurança. Quando alguma violência for praticada, elas podem se dirigir a um funcionário do estádio e fazer a pergunta “Luísa está aqui?”, no que dá início a um protocolo de atendimento. 

O coletivo de torcedoras  virou um lugar de pertencimento feminino

Segundo a BayArena, a casa do time com capacidade para 30 mil pessoa, 800 funcionários foram treinados para agir da forma correta nesses casos. A ideia é que a mulher tenha com quem falar, além de contar com salas de acolhimento e até mesmo a possibilidade de escolta. Durante as partidas, cartazes ficam expostos para conscientizar torcedores sobre o tema.

No Brasil, em Curitiba, um projeto de lei contra o assédio nos estádios está sendo desenvolvido pela vereadora Maria Letícia (PV), com a participação de torcedoras dos times da capital. A ideia é traçar estratégias de combate ao assédio que envolvam diferentes setores, como polícias, diretorias dos clubes, funcionários e torcedores. “Queremos ouvir todas as partes; as vítimas e os clubes, que devem oferecer melhores condições para que as mulheres estejam presentes nos estádios” afirma a vereadora. 

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No Rio de Janeiro, a lei 8743, de autoria da deputada Dani Monteiro (Psol-RJ), aprovada em 2020, prevê o treinamento de funcionários e a utilização de câmeras nas entradas dos estádios fluminenses para identificação de agressores.

O Atlético Mineiro, time de Dhandara, treina seus seguranças para agir em casos de assédio. Os funcionários recebem uma cartilha da Defensoria Especializada da Defesa da Mulher em Situações de Violência (Nudem) para saber como acolher a vítima nesses casos. O estádio Mineirão, do governo do estado, onde jogam Atlético Mineiro e Cruzeiro, também conta com uma sede do Juizado Especial Criminal (Jecrim), onde a vítima pode se proteger e denunciar casos de violência de gênero, racismo e LGBTfobia.

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