“Ter um hobby” foi uma das primeiras metas que eu escrevi na clássica lista de ano novo. A natação foi a minha escolha. Busquei por uma academia na calçada de casa para não desistir. Confesso que não pesquisei muito sobre os óculos ou sobre a touca, mas comprei um maiô que me fizesse sentir bem. Eu me conheço. Precisava que não houvesse qualquer brecha para a desistência dar as caras.
Não que desistir seja um problema, mas você sabe como é… Eu sei que você sabe. O que eu não esperava é que, apesar das decisões milimetricamente tomadas para não deixar que o diabinho localizado acima do meu ombro atormentasse a decisão, fui atormentada por ela: a dificuldade de aceitar o “não saber” durante a vida adulta. Vamos lá.
Primeira aula, empolgação. Acordei mais cedo que o despertador, cheguei antes da aula e fui mais simpática do que me é comum. Entrei na água com a segurança de quem acreditava que sairia dela sabendo nadar. Coitada. Naquela aula, descobri que respirar, ação literalmente vital, não é tão fácil assim. Quem dirá respirar, bater os pés e mexer os braços simultaneamente. Terminei a aula exausta.
A academia propositalmente escolhida pela curta distância até minha casa nunca pareceu tão longe. Ao longo do dia, senti como se ainda estivesse na água ouvindo a voz do professor auxiliando minha respiração e movimento. Seria ótimo se essa voz estivesse na minha cabeça para me lembrar que eu estava aprendendo algo novo e não para me lembrar de não errar na próxima da vez.
Quando foi que passei a tratar “aprender” como sinônimo imediato de “acertar”?
Segunda aula, vergonha. Errei tudo. Era como se fosse minha primeira aula de novo. Enquanto escrevo, a minha não evolução entre uma aula e outra não só é óbvia como é justificável. Mas como explicar isso para a mente adulta que, apesar de ter consciência que aprender é um processo, não se permite passar pelas fases do processo sem se sentir péssima? Pois bem. Fiquei envergonhada com meu desempenho. Como era possível ser tão ruim em uma atividade que eu nunca exerci e estava apenas na segunda aula?
Terceira aula, tristeza. Se, na primeira, acordei antes do despertador e, na segunda, fui confiante que já tinha aprendido tudo, na terceira, não quis sair da cama. Enrolei, praguejei e após algumas negociações comigo mesma, levantei e fui. Durante a aula, recebi alguns elogios, mas nenhum deles me deixou feliz. Afinal, avançar não era suficiente, eu queria saber nadar sem errar e, erroneamente, como percebi depois: queria aprender a nadar sem passar pelas fases do aprender.
Quarta aula e o marco de um mês de natação: autocrítica. Comecei a questionar: quando foi que eu passei a tratar “aprender” como sinônimo imediato e indissociável de “acertar”? Fui até minha estante em busca de um livro que tivesse alguma resposta.
O sugestivo A coragem de ser imperfeito, de Brené Brown, brilhou aos meus olhos. E, no capítulo 4, Arsenal contra a vulnerabilidade, com algumas frases que eu provavelmente até já tinha lido ou ouvido em outro lugar, os pensamentos que deram vida a esse texto que você lê agora se organizaram.
Os problemas de autoconfiança podem ser os primeiros a ser acusados de culpa — e com razão. Mas, além deles, crescemos alimentando a ideia de que, ao chegar na vida adulta, vamos saber de tudo — seja lá o que esse “tudo” significa. E a falsa linearidade da vida, a ausência de nuances e a falta de cenários entre o “bom” e o “ruim“ dificultam a nossa capacidade de lidar com o fato de chegarmos na vida adulta sem realmente saber tudo.
Precisamos aprender a aprender com nossas crianças
Somado a essa construção, temos a vergonha de errar, a impaciência com o processo de aprendizagem e a dificuldade de encontrar motivos para nos dedicarmos a atividades que não se convertem em benefícios que atendem ao mundo moderno, como as finanças e a estética, por exemplo.
Em algum pós aula, pensei em como, para as crianças, é tão fácil não só nadar, mas se arriscar. Se acertam de primeira, comemoram, mas se não acertam, continuam. Para elas, não é necessariamente sobre fazer bem, é só sobre fazer e se divertir fazendo.
“Precisamos aprender com nossas crianças” é uma frase bonita e usual, mas, mais que isso, eu diria que precisamos aprender a aprender com nossas crianças. Afinal, qual graça teria a vida se, a partir de determinado momento, passássemos a saber tudo? Qual seria o prazer de um livro? Da troca? Da novidade? Do hobby?
Minha vida adulta está começando. Não tenho dúvidas que não solucionei todas as questões em torno do “não saber”, mas continuei a natação e terminei esse texto. Ufa. Já são duas realizações. Que venham os próximos nados, passos e aprendizados.