O futuro que não está nos relatórios de tendências - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

O futuro que não está nos relatórios de tendências

Enquanto homens engravatados planejam um amanhã dentro de um universo virtual, a consultora Thais Fabris propõe uma mudança de olhar que preze pelas crianças, mães e indígenas em prol de um bem-estar coletivo

Por: e
3 minutos |

Nem NFTs, nem metaverso, nem criptomoedas. Quando penso no futuro, a imagem que me vem à mente é a de uma mulher indígena com uma criança chupando seu peito, enquanto luta pela demarcação de suas terras.

O futuro é a criança que chupa o peito hoje

O futuro é mãe, mas aqui e agora as mães têm a cara da fome e do desespero. Elas estão perdendo seus empregos, sem saber como vão alimentar a família, sem poder contar com os homens nas tarefas do cuidado, vendo seus filhos morrerem por violência policial. É nesse cenário que criam aqueles que vão governar, produzir arte, construir cidades, criar comunicação… Enfim, viver, pensar e fazer o mundo.

O futuro é a criança que chupa o peito hoje. Fazer três refeições por dia é um direito garantido a apenas um quinto dos pequenos de dois a nove anos no Brasil. A evasão escolar aumentou 171% durante a pandemia. Uma em cada quatro crianças e adolescentes apresentaram sintomas clínicos de ansiedade e depressão nos últimos anos.

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O futuro é indígena. Os resultados das mudanças climáticas já estão visíveis em nosso dia-a-dia, com o aumento dos fenômenos climáticos extremos que causam destruição e mortes em diferentes cidades e afetam a colheita de alimentos, o que agrava o problema da fome. Combater o desmatamento é nossa única chance. Os indígenas são guardiões das nossas florestas, é nos seus territórios que elas são mais preservadas. São eles que impedem o céu de cair sobre nossas cabeças.

Pensar no bem-estar de mães, crianças e indígenas deveria ser o ponto de partida para sonharmos um futuro melhor para todos nós. Se eles não estiverem bem hoje, ninguém estará bem amanhã.

Ultimamente estou em alguns projetos que me colocam o desafio de prever o futuro: relatórios de tendências e planejamentos de marcas para os próximos anos. Essa previsão não se faz com bola de cristal. É preciso olhar bem para o presente, porque ele tende a seguir na inércia a não ser que sofra um evento disruptor (como foi a pandemia, por exemplo). Também acredito que não existe futuro para além daquilo que a gente consegue sonhar.

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Estar nesses projetos me angustia, porque me leva a pensar no meu próprio futuro e, olhando para o aqui e agora, percebo que o amanhã com que eu sonho não tem como vir a ser. Sonho com um futuro grande e abundante como uma floresta tropical, em que todos têm acesso ao alimento para corpo, mente e espírito, em que nos compreendemos como seres interconectados e, por isso, cooperamos. Quero viver num mundo com igualdade de oportunidades e direitos, com respeito às diferenças. Hoje, esse sonho está desnutrido, desprotegido, ameaçado e doente.

No futuro que eu quero, o bem-estar é uma construção coletiva 

Enquanto isso, nas salas onde o dinheiro flui, a escolha é por alimentar o futuro sonhado por homens brancos cis heterossexuais e ricos: aquele em que vamos pegar um foguete para outro planeta ou vamos viver em um universo virtual. Um futuro que a gente só consegue imaginar em histórias distópicas que começam ou terminam em algum apocalipse. Já reparou que esse é o roteiro de todos os filmes futuristas que a gente assiste? Será que a gente quer viver nesses filmes?

No futuro que eu quero, o bem-estar é uma construção coletiva. Por isso, pergunto: onde está a perspectiva das mães quando pensamos no futuro? Onde está a perspectiva das crianças? Onde está a perspectiva indígena? O futuro é uma mulher indígena com uma criança chupando seu peito, feliz, livre e viva na floresta. Ou não é.

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