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Fala que eu te escuto

Em entrevista à Angélica, o psicanalista Christian Dunker fala sobre a diferença entre ouvir e escutar e dá dicas práticas de como dialogar em tempos de polarização

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Você sabe a diferença entre ouvir e escutar? Para uma conversa rolar, um fala e o outro escuta, certo? Parece simples, mas nem sempre é assim. Falar é um mamão com açúcar, mas escutar está mais para uma manga azeda. Se todos estão surdos, como furar nossas bolhas, aprender com as diferenças e tentar escapar da polarização?

No papo de hoje, Angélica recebe o psicanalista Christian Dunker, que sabe do poder de escutar o outro, seja dentro do seu consultório com os pacientes, na universidade com os alunos ou na mídia com os debates públicos.

“Não aprendemos a escutar. Na escola, a gente disputa sempre a palavra”, diz Dunker. Entre ouvir e escutar, tem uma diferença à qual nem sempre estamos atentos. “Escutar é um passo além, é entrar numa viagem com o outro. Ouvir é uma viagem mais consigo”, explica. 

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Escutar não é uma tarefa fácil, e o especialista comenta que há uma dificuldade básica de sair do próprio lugar e se despir dos poderes e dos títulos. “Estamos num momento muito acirrado nessa paixão pela identidade.” Dunker aponta para dois modos de escuta muito importantes. “Um é a escuta empática, que você compartilha dúvidas, incertezas e medos. E também tem a escuta lúdica, que é brincar se escutando, saindo do lugar e tentando tirando o outro do lugar também.”

Já a consequência de não escutar é prejudicar o bem-estar. “Se há uma atividade básica para cultivar a saúde mental, é a escuta. A escuta te coloca em contato com o outro e com você mesmo. Faz você criar, brincar, e lidar com a solidão.” Para ele, em geral, quem fala muito é para não se escutar.

“Se há uma atividade básica para cultivar a saúde mental, é a escuta”

E em um local que todo mundo quer falar, ou melhor, mandar áudio ou digitar, os grupos do WhatsApp podem parecer um ringue de luta, uma confusão só, e talvez sair de cena pode ser um caminho. “É importante reconhecer o momento que deu pra você, em que você já se repetiu, em que você está muito ganancioso com a palavra e pouco aberto para a escuta”, afirma Dunker. Só não cancelar: o psicanalista classifica a prática como algo que cria bolhas e não desafia a capacidade de escuta.

Quanto à polarização política, poderia ser causa ou consequência da nossa dificuldade de ouvir opiniões diferentes? “No caso do nosso mal entendido político, um dos motivos da gente não escutar é quando a gente não consegue aceitar a História e pulamos capítulos.” 

“A escuta é a parte coletiva de uma história”

Nessa de pular capítulos e marcos importantes, como a escravidão, violência na ditadura militar, acabamos vivendo numa cultura de condomínio. “A gente foi colocando muros, e se ‘desescutando’. Numas de ‘como não entendo, eu nego. Nego a diversidade, não me aproximo, tenho medo.’ Até o ponto em que você não decifra mais o outro.”

Finalmente, nada melhor que algumas dicas práticas para escutar o outro: “Primeiro, hospitalidade porque se você não abrir a porta do seu coração, da sua casa para outro, esqueça. Segundo, capacidade de fazer boas perguntas e investigar, curiosidade. Terceiro, capacidade de se aproximar da sua loucura, precisa conhecer um pouco da sua loucura porque ou ela te ajuda a escutar ou te ensurdece. Quarto, seja um agente cultural e que entenda que a escuta é a parte coletiva de uma história.”

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