Qual é a primeira coisa que você faz quando acorda? Aposto que a resposta de muita gente é: pegar o celular. E, muitas vezes, ele também é a última coisa que a gente olha antes de dormir. Sendo que, nesse meio tempo, passamos horas (e põe hora nisso!) entre o Whatsapp, os e-mails e as redes sociais. Para se ter uma ideia, uma pesquisa recente mostrou que o Brasil ocupa a quinta posição no ranking de países com mais usuários de smartphones. E isso faz com que estejamos sempre acessíveis – tanto que quando demoramos algumas horas para responder uma mensagem, não é incomum pedir desculpa pela “demora”.
Essa soma de smartphones que servem para uma variedade enorme de coisas, com aplicativos e redes sociais acaba drenando nossa energia e isso já tem até nome: “fadiga da disponibilidade”, termo utilizado para descrever um estado em que a pessoa se sente esgotada e cansada pelas interrupções diárias, justamente por estar acessível mais. Mas é importante questionar: disponível para quem? E por que?
A pessoa se sente esgotada e cansada de estar sempre acessível aos compromissos alheios
O que isso faz com o nosso corpo?
De acordo com um estudo publicado na revista científica Psychoneuroendocrinology, um dia de trabalho prejudicado pelas interrupções tem um impacto significativo em nosso cérebro. Tais cortes fazem aumentar a produção de cortisol, o famoso hormônio relacionado ao stress. A partir daí não é difícil chegar ao burnout, a doença do século.
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A assessora e jornalista Camila Dias vivenciou algo parecido. Ela conta que vinha de um fluxo de trabalho intenso: se um cliente ou uma demanda surgia às 22h, ela corria para responder ou realizar tal atividade. “Eu estava vivendo para o trabalho. Ficava ansiosa e teve uma vez que dormi e sonhei com uma pauta que precisava ser vendida”, relembra.
Camila ainda conta que teve uma crise de ansiedade bizarra, com o coração parecendo um bateria de escola de samba. “Achei que estava infartando”, diz. “São coisas que acontecem e o corpo vai te cutucando. O meu estava pedindo descanso.”
É claro que com o boom da internet e da tecnologia ficou muito mais fácil de se comunicar. Uma reunião presencial, que demoraria horas, pode ser facilmente substituída por um tête-à-tête via videochamada, e uma mensagem no Whatsapp pode evitar que uma bomba estoure antes do próximo encontro presencial. No entanto, nem a internet pode evitar o esgotamento mental.
Segundo o estudo Perspective on Employee Burnout: Causes and cures, publicado pela Gallup em 2021, a tecnologia é um dos aspectos que contribui para esse esgotamento, já que o profissional permanece conectado e não se desliga do trabalho mesmo quando está fora dele. O estudo mostra que 28% dos colaboradores que atuam em tempo integral relataram sentir-se exaustos no trabalho “muito frequentemente” ou “sempre”. Enquanto 48% relataram sentir-se esgotados “às vezes”.
“Eu sinto que preciso estar disponível a todo instante. Acordo de madrugada para checar os emails e ver se não tem nenhum incêndio para apagar”, destaca a analista de marketing Marina Oliveira, que não lembra a última vez que foi dormir sem o celular como companhia. Com o passar do tempo, “a sensação era de ter corrido uma maratona, sem ter saído do lugar”, completa.
Detox Digital
A consultora com enfoque em desenvolvimento e prática de Inteligência emocional, gestão de estresse e qualidade de vida Andrea Sarno aponta que é necessário, antes de tudo, entender os limites do nosso corpo. E, para isso, o caminho a ser seguido é o do autoconhecimento.
O que é prioridade? Tenho consciência que estou disponível? Estou de fato disponível por inteiro? Quais são as características que me fazem estar acessível o tempo todo? É a cobrança, o medo de falar não ou é uma imposição social, no caso de mulheres? São algumas perguntas que Andrea traz como exemplo, para o exercício de se olhar e compreender de onde vem essa mecanização e, consequentemente, os sinais que o corpo manda. A dor de cabeça, o cansaço e o estresse constante é o modo que o nosso corpo encontra de se rebelar e acionar o alerta vermelho.
“Eu preciso estar disponível para mim e depois para o outro”
“É muito aquela frase de avião: coloque a máscara em você primeiro e depois no próximo. Eu preciso estar disponível para mim e depois para o outro e, para isso, é necessário buscar estratégias de enfrentamento para equilibrar os pratinhos quando a rotina nos traz algum tipo de esgotamento físico e mental”, destaca a consultora. Andrea também aponta a importância de se desconectar e viver uma vida além das telas. “Tirar um tempo para si é fundamental, investir em técnicas de respiração, organização, terapia, meditação, dança… Aquilo que traga saúde mental e qualidade de vida”.
É o que Camila tem feito há 5 meses, quando começou a terapia. “Tenho controlado melhor o meu tempo, separando o meu momento de trabalho com o meu momento de lazer, exercitando o meu corpo na academia”, conta. Além de ter também uma válvula de escape, a varanda de seu apartamento. “Consegui sentar na varanda, enquanto eu faço um intervalo, pra sentir o ar, ver o movimento. Me faz muito bem. E claro, aos finais de semana, o refúgio é a boa cerveja e o pagode, uma pegada bem carioca”, conta, aos risos.
Já Marina está tentando investir no detox digital. “Neste momento tudo que eu quero é estar offline. A gente sempre diz que estamos on para tudo, né? Para festa, pro rolê, pro serviço e para mais uma demanda. Mas o meu mood de hoje é: A mãe tá of!”