Foi com a humilde tiragem de 5 mil cópias que Como fazer amigos e influenciar pessoas, do escritor norte-americano Dale Carnegie, foi lançado em 1936. Quase 90 anos depois, a obra acumula mais de 15 milhões de exemplares vendidos no mundo todo, sendo considerada um dos maiores best-sellers internacionais. Não é para menos: mesmo escrito na era pré-digital, o livro é tido como uma bíblia para melhorar relacionamentos pessoais e profissionais até hoje. Para não correr riscos, em 2020, a publicação foi atualizada com o lançamento de Como fazer amigos e influenciar pessoas na era digital. Ali, o próprio Carnegie reforça as suas teses, só que agora conectadas com esse novo mundo. Mas será que essas dicas seguem valendo de verdade?
Com a ajuda de especialistas de comunicação e psicologia, revistamos o clássico e apontamos o que vale ser levado em consideração nos dias de hoje e o que é melhor fugir. De quebra, apontamos o que é influência (de verdade) e o que podemos fazer com ela.
Escute de verdade
“Interessando-nos pelos outros, conseguimos fazer mais amigos em dois meses do que em dois anos a tentar que eles se interessem por nós”, escreve Carnegie. “Deixe eles falarem, seja um bom ouvinte, não se gabe das suas conquistas.” Apesar de a autopromoção ser uma das máximas em tempos de redes sociais, tão importante quanto contar a nossa própria história, é parar para escutar de verdade o outro. “A gente consegue se conectar com as pessoas quando nos identificamos com elas. É uma relação de troca, que inclui essa escuta interessada e ativa”, explica a jornalista Daniela Arrais, sócia da Contente, plataforma para uma vida digital mais consciente.
Interesse genuíno é lindo, especialmente nesses tempos de atenção fragmentada
Podemos seguir contando histórias para estabelecer uma relação com as pessoas, é claro. Porém, fica mais fácil dar um passo além ao tornar a coisa menos sobre nós e mais sobre o outro, sobre o coletivo, apontam a educadora Isabella Ianelli e a comunicadora Nathália Roberto, fundadoras do Curso das Emoções, que destacam: interesse genuíno é lindo, especialmente nesses tempos de atenção fragmentada, em que as redes sociais roubam nosso tempo.
Escolha as suas batalhas
“Não criticar ou condenar ninguém, tão pouco queixar-se. A única forma de vencer uma discussão é evitá-la”, recomenda Carnegie. Na época em que o livro foi publicado, alguns assuntos eram resolvidos na base do sorriso amarelo e do tapinha amistoso nas costas. Entre os homens brancos cis heterossexuais, claro. Porque enquanto isso, as mulheres, as pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+ estavam sendo oprimidas, claro. Hoje em dia, não dá para passar pano e agir com simpatia ao presenciar cenas e discursos violentos contra minorias.
“Vivemos em tempos em que é impossível não se posicionar. Quem não se posiciona está se posicionando também”, defende Daniela. Ainda assim, é bom escolher bem suas batalhas, aconselha a psicóloga Karina Ros Tagliari, co-fundadora da Quepaz, plataforma de saúde mental. Afinal, não é sobre criticar ou discutir, mas sobre lutar por algo que nos é valioso. “Não adianta discutir com quem não quer ouvir, por exemplo. Isso vai levar apenas a um desgaste, enquanto há muitas outras formas de pensar e promover o que é importante para nós”, sugere.
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Pratique a empatia
“Procure honestamente ver as coisas do ponto de vista da outra pessoa” e “seja receptivo às ideias e desejos da outra pessoa” são outros princípios do livro. A empatia continua na ordem do dia para criar boas amizades. “Ser capaz de olhar para si, atendendo às suas necessidades, mas também fazer o movimento de olhar para o outro e, genuinamente, ser receptivo ao ponto de vista e sentimentos dele, é ser uma pessoa acolhedora”, explica a psicóloga Ana Lúcia Aguinsky, co-fundadora da Quepaz.
“Precisamos comunicar cuidadosamente nossas crenças e valores ao mesmo tempo em que respeitamos os do outro”
Isso não quer dizer que devamos nos calar frente a discordâncias. “O ponto central é a comunicação assertiva, por meio da qual comunicamos cuidadosamente nossas crenças e valores ao mesmo tempo em que respeitamos os do outro”, diz Saulo Velasco, psicólogo e professor na The School of Life. Em caso de emergência, quando precisar dar vazão aos seus sentimentos sem derramar tudo no outro, a dica do próprio Carnegie é pedir um tempo para continuar a conversa depois e escrever cartas (mensagens ou e-mails, hoje em dia) para descontar sua raiva, mas não enviá-las.
Saiba a hora de criticar
Carnegie sugere elogiar os outros de forma sincera e específica antes de fazer uma crítica. A dica é manjada, mas continua sendo importante para começar conversas difíceis. “A melhor forma de fazer isso é justamente acolhendo essa pessoa e lembrando de seus vários lados. É como se falássemos ‘gostaria de falar sobre o seu lado xis, mas existem lados maravilhosos seus, que não estão sendo esquecidos nem negligenciados aqui’”, explica Karina.
Mas, quando o elogio vem imediatamente antes da crítica, corre o risco de desaparecer e só ela ser lembrada. Para que isso não aconteça, Saulo recorre a uma proposta que o psicólogo norte-americano Aubrey Daniels apresenta em seu livro Performance Management. A ideia é separar temporalmente esses apontamentos. “Os elogios devem ser feitos logo após a pessoa agir e as críticas devem ser transformadas em sugestões ou instruções claras oferecidas antes dela agir novamente, para que faça melhor”, explica.
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Iguais nas diferenças
Nas redes sociais, há espaço para diferentes tipos de personalidade, incluindo pessoas tímidas e mais deslocadas socialmente. Os “outsiders” são celebrados em páginas com milhares de seguidores, como Associação dos Sem Carisma e Melted Videos. Para Daniela, é importante que a internet reflita a pluralidade do mundo exterior, possibilitando que todo mundo encontre sua turma. Nesse sentido, cultivar diversidade e autenticidade é essencial para se conectar com os outros. “Páginas como essas vão juntando pessoas e aquilo vira uma comunidade. Você se vê menos sozinho nas suas questões. Criar conteúdo sendo autêntico reverbera”, diz ela.
“Se quisermos influenciar pessoas, precisamos furar a bolha e nos abrir ao diferente”
Só cuidado para não se trancar no seu quadrado e jogar a chave fora. Conviver com pessoas diferentes de nós é uma forma saudável de desconfiar de nossas certezas e aprender, lembra Saulo. “Tratamos como inimigo quem pensa diferente e falamos para quem não precisa nos ouvir, porque já pensa como nós. Precisamos entender que compatibilidade não é um prerrequisito para a amizade, mas uma conquista dela. Se quisermos influenciar pessoas, precisamos furar a bolha e nos abrir ao diferente.”
Você não é obrigada
“Primeiro, obrigue-se a sorrir. Se estiver só, assobie e cantarole uma melodia ou uma canção. Aja como se já fosse feliz e isto o tornará mais feliz ainda”, aconselha Carnegie. Hoje, temos um entendimento mais empático com os momentos ruins, entendemos a importância das oscilações emocionais para o nosso equilíbrio psíquico. Temos dias mais introspectivos, outros menos… E tudo bem. “Ser honesto e respeitar os próprios estados emocionais é, sem dúvida, melhor do que falsear emoções e seguir modelos. Fazemos amigos e influenciamos pessoas quando somos honestos conosco e com elas”, diz Saulo.
“Em alguns momentos não temos quase nada para dar para nós mesmos, como é que vamos dar para o outro?”, questiona Daniela, acrescentando que nos entendermos, respeitar nossos limites e desejos, faz com que o nosso estar no mundo beneficie não só a nós mesmos, mas a quem nos cerca. Karina engrossa o coro: “Pessoas se conectam de verdade com pessoas. Pessoas sentem emoções. Inclusive, saber expressar nossas emoções nos levam para perto de nossas necessidades emocionais.”
Seja você mesma
Expor nossa humanidade, imperfeita e vulnerável, é o que traz conexão. “Nas redes sociais, estão todos vestindo as suas máscaras de sucesso. Longe de produzir uma identificação ou projeção honesta, essas histórias, na melhor das hipóteses, geram admiradores e seguidores, mas nunca amigos”, diz Saulo. “Pelo contrário, muitas pessoas se sentem infelizes e impostoras por não reconhecerem em si o mesmo sucesso compartilhado por muitos nas redes sociais.”
“Precisamos aceitar nossas falhas, vulnerabilidades e emoções difíceis, esse é o caminho para uma vida que vale a pena ser vivida”
Compartilhar nossas falhas e inconstâncias inclui também variar a frequência com que nos expomos no mundo digital e físico. “Eu gosto muito de ver pessoas autênticas dividindo um pouco delas. Isso é o que vai me influenciar e vai me fazer querer ficar amiga. Quero gente de verdade inspirando de alguma forma. E se eu puder fazer isso por elas, melhor ainda”, completa Daniela.
Não carregue tanto peso
Apesar de levantar tantos mandamentos para fazer amigo, Carnegie admite ao final do livro que algumas tentativas podem falhar, mas ressalta que o esforço compensa pelas vezes em que a vitória virá. “Se você aumentar a sua probabilidade de sucesso em apenas dez por cento, você se tornará dez por cento mais eficiente como um líder — e esse será o seu benefício”, diz ele. O fato é que as relações humanas são muito complexas. Podemos seguir todos os mandamentos à risca, mas nem sempre vamos conseguir de alguém o que queremos, afinal, nem tudo depende apenas de nós. “E se ao invés de seguir receitas mágicas de bolo, você se questionar onde está o sentido e valor no que está fazendo?”, provoca Ana. “Nem sempre as coisas vão dar certo. Precisamos aceitar nossas falhas, vulnerabilidades e emoções difíceis, esse é o caminho para uma vida que vale a pena ser vivida.”