Letícia Vidica: Como colocar preço no seu trabalho - Mina
 
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Você vende o seu trabalho, não sua saúde mental

Colocar preço no que a gente faz não é fácil, mas é fundamental para garantir o nosso almoço e a mente tranquila pra conseguir dar conta do recado

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Quanto custa o seu projeto, seu negócio, seu job, a sua hora, o seu tempo? Essas  perguntas cruzam nosso caminho tanto numa prospecção por trabalho, como dentro de um negócio que criamos ou com um produto que vendemos. E você consegue responder essas perguntas ‘na lata’ ou buga por alguns minutos (horas, dias e semanas) sem saber exatamente quanto vale o seu show?

Saber colocar preço sobre o nosso trabalho costuma ser uma das grandes muralhas no meio do caminho de quem trabalha por conta própria. Eu já buguei algumas vezes – em especial, no começo da jornada – ao ter que botar valor no que faço. “Meu Deus, quanto eu cobro por isso? Quanto se cobra por isso?”

Colocar preço no trabalho é uma questão de posicionamento e comunicação

No game da precificação, vale lembrar que para quem sempre trabalhou num esquema CLT com carteira assinada, é mais natural pensar sobre o valor cheio do trabalho no fim do mês. Essas pessoas, como era o meu caso, nunca pararam para pensar sobre quanto vale cada função que você desempenha ou cada hora do seu dia. Na maioria das vezes, inclusive, não é a gente quem dá o valor, é a empresa. Se a gente acha que se encaixa, se candidata pra vaga, certo?

Mas, quando a gente passa para o outro lado desse game, quando vira pessoa jurídica, essa missão de dar o valor passa a ser nossa. O especialista em inteligência financeira Eduardo Amuri diz que quando se é empregado de alguma empresa, “a gente só quer garantir que o dinheiro vai entrar e não se preocupa em como captá-lo”. E é isso que passa a acontecer quando você é a sua própria patroa. 

Aqui vale dizer que essa dificuldade é geral. Segundo Amuri, tem origem no fato de que falar de dinheiro é sempre um assunto denso e vem acompanhado de coisas como se comparar, acreditar na máxima de que o dinheiro macula, que as pessoas vão te enxergar como mercenária, que vão medir o seu trabalho pelo preço que está colocando – e outras encanações do tipo.

E enquanto você fica encanada com as coisas erradas, perde a oportunidade de entender que preço é uma questão de posicionamento e comunicação. Amuri garante que o jeito como você se posiciona diz se o seu preço faz sentido ou não – chegando a valer até mais do que o seu produto. Anotou?

E saber seu preço pode, inclusive, garantir sua saúde mental e te livrar de algumas roubadas. Quem nunca escutou: “Adoro o seu trabalho, você faria isso pró-bono?” ou “pode ser em parceria?”. Entenda ‘pró-bono’ e “parceria” como a mais nova forma corporativa de dizer: ‘desculpe mas não temos dinheiro para te pagar’. E veja, não estou dizendo que trabalhar sem cachê é errado, mas isso depende da gente saber exatamente onde quer chegar e o que vai ganhar com isso. Vai realmente te dar visibilidade? Você precisa dela? Vai te trazer contatos? Você já não tem eles? Vai te associar a uma causa realmente importante? Até para fazer de graça tem que saber o custo, o preço e, principalmente, o objetivo.

Não valorizar financeiramente nosso trabalho faz com que a gente passe a se desvalorizar

A ideia de que é só coisa pouca, uma participação pequena, uma passadinha rápida não está em questão. Ou o job traz essas coisas aí de cima de verdade, ou só vai gerar uma frustração (consciente ou inconsciente). Muitas vezes, não valorizar financeiramente nosso trabalho faz com que a gente passe a se desvalorizar. Se está com cara de quem não vale a pena pagar pelo seu trabalho ou que todo o seu investimento para ter essa expertise não teve valor, acenda o alerta, pois não vai ter saúde mental que aguente.

E aí a receita é colocar na ponta do lápis quanto você gasta para executar aquilo, quais os custos envolvidos? Se você vai de Uber tem esse custo, se você vai de carro também, se você tem que estar lindamente vestida e maquiada também. Certa vez, no início da minha jornada trabalhando como eventos corporativos (eu sou mestre de cerimônias, palestrante e mediadora…momento: manda jobs!), uma amiga me falou: “só para sair de casa, eu já estou gastando X reais. Não saio por menos que isso”. No meu caso, não pode ficar de fora a ajuda de alguém para captar e editar vídeos, os custos com contador e comissão de agências…. E nem tô falando (ainda) dos investimentos que fiz em mim – cursos, faculdades, dedicação a trabalhos anteriores que me deram experiência. Tudo isso está embutido no custo de um jobzinho. 

Nossa, você se comunica tão bem”. Sim, eu estudei Jornalismo por quatro anos e tenho uma bagagem de quase duas décadas trabalhando com isso. “Nossa, você fala inglês tão bem”. Sim, eu investi mais de dez anos em cursos de inglês e também num intercâmbio, além de seguir praticando semanalmente com uma professora particular. “Nossa, mas você é tão especialista neste assunto”. Sim, eu fiz cursos de especialização, viajei para estudar fora, li trocentos livros etc etc… O quanto você já investiu financeiramente em você tem relação direta com o valor que você dá ao seu trabalho.

Se você está com a sensação de que estou complicando ao invés de explicar, recorrendo a live com Eduardo Amuri no canal @botanarua, “Cobre um valor que você acha justo porque cobrar barato é uma opção ruim. Um valor barato faz com que as pessoas não respeitem o seu trabalho ou não vão ficar à vontade para exigir o máximo de você”. Escute sempre um especialista.

Ainda está difícil chegar num valor justo e viável? Um jeito de sair da encruzilhada é recorrer a amigos e bons concorrentes. Faça uma pesquisa de mercado. Sempre tem uma amiga ou ex-colega que desenvolve o mesmo trabalho que você e pode te dar uma média de como está o mercado. Também não deixe de comparar com seus valores anteriores. Se já fez algum trabalho semelhante, parta do quanto cobrou por ele, mas se fizer mais de um ano, é importante calcular a inflação do período. 

E por último, mas não menos importante, no game da precificação é fundamental fugir da impostora, como bem escreveu minha colega aqui na Mina Maira Blasi: segura na mão dos 60% e vai. Ela explica que as mulheres exigem demais de si mesmas porque o sistema colocou uma régua lá em cima pra nós. Ou seja, a gente só vai (se candidata, se oferece, entra na concorrência) se preenche 100% dos requisitos de uma vaga ou de um job. Porém, nossos coleguinhas homens, se jogam quando batem 60% do que é solicitado. Estão errados? Não sei responder, mas independente desse julgamento, tenho certeza que precisamos aprender a seguir com os 60%, se for o caso. 

E jamais se esqueça, você vende seu trabalho, mas não sua saúde mental.

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