A volta ao trabalho presencial é necessária? - Mina
 
Seu Trabalho / Textão

A quem interessa a volta ao trabalho presencial?

Depois de um longo período trabalhando de maneira remota, muitas empresas estão exigindo a volta ao presencial, ainda que muita gente ainda prefira o home office ou o modelo híbrido. Maíra Blasi questiona quem se beneficia com o controle corporativo.

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O ano de 2022 foi de volta à vida: depois de dois anos em casa, finalmente voltamos às ruas, aos shows, às viagens. Agora, se tem um lugar para o qual quase ninguém queria voltar era o escritório. Muito pelo contrário, o trabalho remoto era basicamente a única coisa que as pessoas queriam manter daqueles tempos sombrios. Ou seja, o retorno ao presencial que está acontecendo agora está deixando bem explícito a quem esse modelo beneficia. 

A questão da volta ao presencial é motivada pelo puro e simples desejo de controle

Não há argumentos sólidos para justificar a volta ao escritório: os empregados voltaram a frequentar a firma para ficarem trabalhando de seus computadores, o que, vejam só, daria pra fazer de qualquer lugar do mundo. Inúmeras pesquisas apontam que as pessoas não estão gostando nada disso – e estão resistindo. Nesse cenário, o trabalho híbrido virou uma resposta “nem eu, nem eles”, que em muitas empresas funcionou como uma maquiagem para não parecer que a chefia era malvada. O nível de vigilância que foi implementado para o trabalho remoto – câmeras, microfones e até rastreamento de toques no teclado – só contribuiu para aumentar a suspeita de que a questão da volta ao presencial é motivada pelo puro e simples desejo de controle.

Uma movimentação especialmente estranha foi a das empresas de tecnologia: ainda em 2021 o Google avisou que cortaria o salário de quem não voltasse pro presencial, e como nem isso impediu as pessoas de pedirem para continuar no remoto, a volta ao escritório virou uma exigência em abril. A Apple também já estava anunciando que ia adotar um modelo híbrido com regras rígidas desde o ano passado, e em maio o diretor de Machine Learning deixou a empresa devido à falta de flexibilidade. 

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Agora, o primeiro e-mail que Elon Musk mandou para os funcionários do Twitter foi exigindo um mínimo de 40 horas presenciais por semana. E tem gente que acha que argumentos de pessoas influentes como o Elon Musk deveriam ser válidos, mas ser influente e ter muito dinheiro não é necessariamente sinal de inteligência, né? Temos que acabar com essa falácia urgentemente e, na minha opinião, as decisões que estão sendo tomadas no Twitter acendem ainda mais essa discussão.

Tem quem diga que o presencial é essencial para a cultura da empresa ou até que a socialização das pessoas (na vida) é impactada por isso, mas eu me pergunto se a socialização condicionada à labuta não seria algo que existe por conta de um viés capitalista, onde o centro da vida é trabalhar. Será mesmo que a gente depende do cafezinho e de reuniões presenciais para trabalhar melhor em equipe? E se precisamos de gente, será que isso não pode acontecer num curso, num bloco de carnaval ou numa viagem? O trabalho foi o centro da vida da humanidade por muitos séculos, talvez esteja na hora de procurar novas alternativas para criar conexões e, claro, pensar direitinho se dependemos tanto assim de estar de corpo presente para que um bom trabalho seja feito ou se só estamos condicionados a achar isso.

Até aí tudo bem (voz de narrador: “não estava nada bem”), mas além de todos os pontos acima apresentados, tem um recorte especial que a gente precisa levar em conta: boa parte das pesquisas aponta que mulheres e pessoas pretas preferem o trabalho remoto e híbrido. Considerando que esses mesmos grupos ainda lutam muito para alcançar espaços de liderança, a quem interessa a volta ao presencial? 

Voltar ao presencial não é a resposta para os desafios que estamos enfrentando 

É claro que a adesão ao trabalho remoto gera desconforto, tudo que a gente aprendeu e viveu até aqui é baseado na premissa do presencial e mudanças requerem a criação de novos acordos, padrões etc. Um ano – ainda mais um ano de circunstâncias extremas – de testes é muito pouco diante de uma vida, de gerações inteiras de presencial. Para realmente acontecer uma transformação, precisaremos de mais testes e de tempo. Voltar ao presencial não é a resposta para os desafios que estamos enfrentando com o trabalho híbrido.

Essa discussão está longe de acabar, a cada pesquisa que é divulgada só se confirma que a flexibilidade está se tornando uma prioridade para as pessoas. Depois do Women in the Workplace, um levantamento da WeWork acaba de trazer um recorte latino para a questão ao entrevistar oito mil profissionais de seis países. Pois bem, o resultado foi que, antes da pandemia, o salário e os desafios do cargo eram os maiores atrativos de uma vaga, mas agora o salário perdeu sua posição para a palavra “flexibilidade”.

Então, a gente até pode continuar caminhando em círculos, mas o fato é que o trabalho híbrido é um caminho sem volta. O mundo mudou drasticamente nos últimos anos, tanta tecnologia disponível e a gente ainda está preso em uma ideia de trabalho herdada da revolução industrial? Até quando, gente? E por quê? Precisamos urgentemente deixar o futuro do trabalho chegar.

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