Abaixo a ditadura capilar: liso ou cacheado, a escolha é sua!
Lutamos tanto para quebrar o padrão pra, de repente, sermos aprisionadas em outro? Precisamos hastear a bandeira da liberdade capilar
Não importa qual seja o meu black, ele sempre será power. Digo isso, porque de uns tempos para cá, surgiu uma discussão nas redes sociais sobre mulheres que decidiram voltar a alisar seus cabelos. Tem vídeo no Instagram, no TikTok e matérias em sites de beleza. É pitaco de tudo que é lado falando sobre o que alguns chamam de “polêmica”.
Tem gente que questiona se estamos assistindo ao fim do movimento do cabelo natural. Ou se isso nos faz retornar àquele velho (e excludente) padrão estético. Nascida nos anos 80, e como uma garota que teve que encaixar as madeixas nos padrões dos anos 1990, confesso: essa discussão me dá um frio na espinha. Mas, mais do que ter medo da volta do liso chapado, me arrepia a criação de um novo “tem que”.
“Ganhamos a liberdade de usar o cabelo que a gente quiser. E isso inclui os alisados”
Me lembro muito bem da batalha constante com alisamentos químicos, chapinha, touca para dormir e aquela paúra de água. Lembro do sofrimento com o couro cabeludo machucado, a orelha queimada e das noites mal dormidas para não amassar o cabelo. Se adequar tinha um preço, ele era alto e a gente pagava. Porque ter o cabelo crespo ou cacheado soava como inaceitável, como se nunca pudesse ser bonito. Era cruel.
É justamente por ter essa memória tão fresca na cabeça que me preocupa a possibilidade de entrarmos em outra ditadura capilar, só que agora, no caminho inverso, onde só pode ter cabelo crespo ou natural e alisar passa a ser inaceitável.
Se esforçar demais para se encaixar e se submeter a tratamentos caros e sofridos é tão bizarro quando decretar que você só pode usar seu cabelo de um um jeito. Lutamos tanto para quebrar o padrão pra, de repente, sermos aprisionadas em outro? Passei anos da minha vida buscando um cabelo que não era meu e um corpo que eu nunca teria para ser aceita como uma garota “cool”. Sei muito bem o que a pouca amplitude do que chamamos de beleza faz com as mulheres e, justamente por isso, brigo para que cada uma tenha o cabelo que quiser.
Definitivamente, a gente não precisa de novos padrões que taxam isso ou aquilo como errado. A bandeira que precisamos manter hasteada é a da liberdade capilar. Porque, sim, avançamos muito com o movimento do cabelo natural e finalmente começamos a enxergar a beleza nos nossos crespos, nos nossos cachos e ganhamos a liberdade de usar o cabelo que a gente quiser.
Entendo o receio de algumas ao observarem cabeças que passaram anos crespas voltarem a ser alisadas e pode ser gatilho para o medo do retrocesso, mas daqui da onde eu vejo, não há retorno, somos muitas, somos crespas, cacheadas, de tranças, aplique, dread ou peruca. Conquistamos um espaço e vamos fincar o pé nele, mas nas nossas possibilidades precisa caber também quem escolheu o alisamento. Como eu disse ali em cima: não importa qual o meu black, ele sempre será power.
“É maravilhoso poder ser tantas versões de mim mesma sem medo, sem vergonha ou limitações”
A liberdade é maravilhosa. Eu por exemplo, depois de passar por uma transição capilar há dez anos, hoje vivencio numa liberdade deliciosa. Alterno tranças, penteados afro e perucas. Aliás, sigo em um relacionamento sério com minhas perucas (que eu faço questão de chamar de peruca). Uso inclusive tranças loiras, porque descobri que posso e fico maravilhosa com madeixas aloiradas. É maravilhoso poder ser tantas versões de mim mesma sem medo, sem vergonha e sem limitações.
Cada uma de nós sabe bem onde o calo aperta e isso faz toda a diferença na escolha do cabelo. Tem gente que vive no modo ‘sem tempo, irmão’ e opta pelo que é mais prático. Tem quem esteja com outras prioridades e não queira gastar muito com o cabelo. Por isso ter a liberdade para escolher é fundamental. Porque, pra mim, ruim mesmo é ver alguém que gostaria de alisar e se sentir pressionada a não fazê-lo. Só existe liberdade se ela for pra todo mundo.