No amor, é preciso bancar o risco - Mina
 
Seus Relacionamentos / Reportagem

No amor, é preciso bancar o risco

Em tempos onde a tecnologia nos coloca no controle e as respostas estão sempre a um click de distância, sustentar a dúvida e o não saber nas relações se torna um desafio

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“Tudo que te deixa em dúvida é um não, porque um sim é sempre muito claro”. Essa é uma daquelas frases que de tempos em tempos viraliza no Instagram. Recentemente ela chegou em um grupo, encaminhada por uma amiga de coração recém-partido, depois de ter se sentido enrolada por um cara com quem saiu por cinco meses. A frase funciona como uma espécie de bandeira pós moderna anti-irresponsabilidade afetiva e ganha eco nas declarações: “basta de migalhas”, “basta de banho-maria”, “basta de atrapalhamento emocional”. 

Decretamos a morte de uma relação antes mesmo que ela tenha a chance de viver

O que podemos chamar de “chega de papinho” parece se apresentar com a mesma urgência e relevância do importante “chega de fiu fiu”. Mas, unidas pelo direito à certeza e clareza, não nos damos conta de que as relações amorosas não são da ordem do concreto e do absoluto e que a dúvida nem sempre é sinônimo de manipulação ou joguinho. Entrar nas relações com a premissa de que todos devem ter certeza para que a gente não ‘perca tempo’ pode nos fazer perder boas oportunidades de conexão, porque relações só se desenvolvem se a gente dá uma chance para as dúvidas.  A pergunta que faço aqui hoje é: por que a dúvida do outro nos angustia tanto? 

Nossa ilusão de controle

Entendo que vivemos num mundo onde temos cada vez mais controle das coisas. Você quer que seu supermercado chegue em 10 minutos? Dá pra pedir no Turbo. Quer chegar no último episódio da sua série favorita? Basta maratonar. Quer checar em tempo real o nível de insulina de sua filha que foi dormir na casa da amiguinha? Só comprar o aparelho que se conecta com um app. Com tantas opções de controle ao nosso dispor, não é de se estranhar que estejamos lidando pior com o fator incontrolável das relações. 

De alguma forma, desaprendemos a lidar com o tempo do outro e com o tempo das coisas, vivemos cada vez mais o tempo individual ao invés de desenvolvermos ferramentas para lidar com o tempo coletivo. Estamos imediatistas e fatalistas. 

A pressa e o imediatismo

Seja sincera, na última semana, quantos áudios de pessoas próximas você ouviu na velocidade 1,5x? Áudios que muitas vezes falavam sobre uma separação difícil ou da dificuldade em se posicionar para o chefe. Talvez você já tenha ouvido essa queixa algumas vezes. Ainda assim, acelerar o áudio pra otimizar seu tempo gera um grande efeito rebote no nosso tempo emocional. Trago ainda um outro exemplo bem simbólico pra ilustrar nossos tempos ariscos à dúvida e à espera. Minha afilhada estava com uma turma de adolescentes na praia, todos entre 15 e 16 anos. Lá, eles assistiam filmes do streaming na velocidade 2, a ideia, me explicaram, era chegar logo ao final e descobrir o que acontece. O truque foi revelado com tom de orgulho, como se eles tivessem hackeado o sistema para fazer ainda mais coisas nos 4 dias de feriado. Mas pensem, se não podemos sustentar o tempo do lazer que escolhemos, como vamos fazer pra esperar o tempo entre a visualização e a resposta da mensagem? O tempo entre o primeiro encontro e o segundo? Entre o rolo e o namoro? Não vamos né? Afinal de contas, “Tudo que te deixa em dúvida é um não, porque um sim é sempre muito claro” já diz a internet. 

Chega aqui mais um ingrediente para complexificar nossas relações: o fatalismo que vem como efeito colateral das dores mal curadas

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No amor, a experiência depõe contra nós

Todas nós já nos deixamos levar pela melodia do “Deixa acontecer naturalmente…

Deixa que o amor encontre a gente, Nosso caso vai eternizar…” do grupo Revelação, mas pra nossa tristeza, a grande revelação que tivemos é que “ele não estava tão a fim de você”. Acumulamos desencontros e dores amorosas mas ainda assim, sem nenhum critério insistimos, romantizando o efeito louco das paixões. Isso não é por acaso. Fomos educadas a romantizar migalhas e o sonho de quem com paciência e perseverança “mudaremos aquele homem”. Foi assim no filme Uma linda mulher e em Sex and the city, que quebrou diversos paradigmas da época mas, como arco romântico, teve a protagonista domando o garanhão e garantindo o final feliz clássico com direito à casamento. Nos vemos agora exaustas por termos tentado tantas vezes pelo mesmo caminho. De fato: inevitavelmente, a gente vai ficar mais velha e vai acumular mais desencontros amorosos, mais frustração, mais traumas. 

Uma das queixas que mais recebo na clínica e em meus canais é o medo de se machucar de novo, de ser passada pra trás de novo. Só que olha que curioso: o medo da repetição faz com que busquemos todos os sinais possíveis de que a pessoa atual pode atuar como aquela que quebrou nosso coração.  Como boas alunas de nossas dores, criamos padrões que reforçam o medo e não a liberdade. E aí, o fatalismo se torna a saída mais confortável: “Até agora foi assim, vai ser sempre assim.” É como se fizéssemos do acaso uma repetição, porque admitir que não temos controle sobre o desejo do outro ou sobre os imprevistos da vida nos confronta com algo insuportável: a nossa própria impotência.

O amor exige coragem para sustentar o não saber

Todo começo carrega oscilações, desencontros, frustrações. Mas hoje, não estamos sustentando os sentimentos difíceis, os mal-entendidos, os desencontros. Estamos tão feridas e com pressa, que confundimos o natural desconforto de construir algo novo com sinais de fracasso iminente. E, com isso, acabamos fugindo. Não sustentamos a morte da nossa história ideal para descobrir o que de possível pode nascer dali. 

Esperamos certezas absolutas do outro para silenciar nossas inseguranças, mas esquecemos que o outro também é humano, com seus próprios medos e tempos. Ao invés de permancer, ajustar e sermos propositivas, muitas vezes saímos e colocamos a culpa na falta de atenção, no silêncio. 

O amor não quer respostas prontas, ele pede coragem para conviver com o mistério

Nossa insegurança nos torna incapazes de sustentar as incertezas. Queremos garantias o tempo todo. Validamos nosso valor pessoal pela resposta imediata de quem amamos. E, nesse processo, esquecemos que o amor é, por essência, um espaço de risco e de construção.

Costumamos dizer que somos os últimos românticos, mas talvez sejamos apenas ansiosos. Afinal, o que é que vai nos fazer feliz? Se não conseguimos sustentar nossas próprias falhas e dúvidas, seremos capazes de sustentar as imperfeições do outro e os desafios de uma relação? O amor não quer respostas prontas, ele pede coragem para conviver com o mistério.

No início do ano vivi uma história assim. Um cara, provavelmente já calejado por mulheres que o chamaram de “irresponsável afetivo” e “love bomber” já se antecipou e, logo depois de um segundo encontro mágico, me mandou uma carta dizendo que estava recém separado e não se via assumindo um novo namoro tão cedo. A gente estava saindo há uma semana. Estava delicioso. Eu banquei o risco. Não na linha Carrie Bradshaw “vou fazê-lo meu Mr Big Brazuca” , mas numa proposta “a vida é trilha e não trilho”. O ponto é que caminhar junto estava sendo delicioso e eu queria me dar a chance de conhecer mais aquela pessoa. Porque estava sendo gostoso pra mim. Conversamos e prometemos que quando algo não tivesse mais legal pra algum dos dois, as coisas seriam reconversadas. Esse momento chegou. Eu queria mais. Ele não. Chorei até ficar com dó de mim, como diz Chico Buarque. Mas em nenhum momento me arrependi de ter nos dado o benefício da dúvida. Vivi com ele 4 meses lindos. 

Assim como paramos de buscar os príncipes que nos salvem, ousemos parar de culpar a falta de certezas e de comprometimento do outro sem botar na mesa a nossa falta de flexibilidade e de coragem para bancar o risco. Não pelo outro, mas por nós.

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