A quem pertence o desconforto do racismo?
Com certeza ele não deve ser meu e nem dos pretos de forma geral. Precisamos devolver o desconforto a quem lhe é de direito, e ele pertence exclusivamente aos racista
Não importa o saldo da sua conta, os diplomas que você acumulou ou as línguas que se esforça para falar. No Brasil, a cor da pele ainda chega antes de você. É a nossa pele preta que chama atenção antes mesmo de qualquer palavra, é ela que salta aos olhos de quem nos vê. É por ela que somos julgados, analisados e, muitas vezes, barrados. A cor da nossa pele ainda decide se merecemos ser atendidos, se podemos caminhar tranquilamente em certos lugares ou se nosso corpo será visto como uma ameaça.
Já suportamos olhares e suspeitas demais. O problema do racismo estrutural não é nosso.
Sim, já avançamos algumas casas nesse jogo chamado inclusão. Vemos pessoas negras em cargos de liderança, dirigindo carros caros, frequentando bons restaurantes, viajando de avião. E, apesar do racismo seguir indo para todos esses lugares com a gente, há uma coisa que precisamos frisar: O peso do desconforto não é nosso, não deve ser nosso e cada vez mais pessoas negras tem conseguido sair desse lugar onde ficam constrangidas pelo racismo que sofreram. Já suportamos olhares e suspeitas demais. O problema do racismo estrutural não é nosso, por isso, você aí do outro lado vai ter que lidar com o seu desconforto.
Agora, é hora de devolver. Lide com o seu racismo, se envergonhe por ele, porque eu estou aqui, vim pra ficar e não vou me esconder e nem me constranger.
Por muito tempo, fomos nós que nos encolhemos, que hesitamos antes de entrar em uma loja, que temíamos ser confundidos com ladrões e que sentimos o sabor do constrangimento. Mas, hoje, o jogo virou. Outro dia, um CEO me disse que aquele frio no estômago pode se tornar potência. É exatamente isso. O desconforto tem que mudar de lado. Chegou a hora de confrontar, de expor e, sim, constranger quem pratica o racismo.
Já ouvi histórias de homens negros que não usam terno preto para não serem confundidos com seguranças. De executivos confundidos com manobristas ao chegarem a eventos, mesmo – em alguns casos – sendo eles o dono da empresa. Outro dia, um importante CEO ao perguntar a um médico se aquele era o elevador correto num hospital, ouviu junto com a resposta a pergunta: “Veio visitar o patrão, né?”. Quantas vezes passamos por situações que escancaram esse racismo?
Estamos cansados, verdade. Mas não vamos mais ser os que ficam constrangidos.
Quantos de nós já fomos seguidos por seguranças em lojas? Quantos jovens negros já evitaram mexer na bolsa por medo de parecerem suspeitos? Quantas mulheres negras, donas de seus próprios apartamentos, já foram questionadas sobre “a patroa”? Uma amiga avisou para a vizinha que ela mesma era a patroa. A moça sem graça disse “não foi isso que eu quis dizer”. Sim, foi exatamente isso que a vizinha quis dizer. Lide com seu desconforto.
Estamos cansados, verdade. Mas não vamos mais ser os que ficam constrangidos. Essa é a devolutiva. Mostrar que tem algo errado e, sim, confrontar quem precisa entender. Porque enquanto nossos corpos não forem naturalizados nos espaços, essa “confusão” (entre muitas aspas) seguirá acontecendo.