Uma das principais características da Geração Z é ser hiperconectada e viver agarrada a seus emojis e memes. Eu sou dessas: acelerada e querendo viver tudo pra ontem. Talvez por isso nunca tenha me imaginado em um retiro. Ter vindo da quebrada, onde as pessoas vivem seus corres com pouco tempo e pouca grana pra conseguir parar, também conta. Ninguém do meu círculo nunca foi pra um retiro.
Mas, se ele serve para ajudar a gente a se desconectar do mundo externo e entrar em contato com alguma coisa mais profunda, não tem contraindicação para idade ou estrato social. Pois essa foi minha primeira vez num retiro e já adianto: todo habitante deste mundo louco deveria passar por isso. Parar, experimentar, meditar e desconectar de fato mexe com algo na gente.
A primeira coisa importante de pontuar é que eu não estava precisando de um retiro. E, nos últimos tempos, estava mais preocupada em socializar mais do que me retirar. E já está aí o primeiro mito pra gente quebrar. Se retirar, como o nome diz, nunca é demais, inclusive ajuda a sair da caverna. Talvez, se você estiver precisando, ele vai ser ainda mais revelador, mas posso garantir que a leveza de quem se retira sem necessariamente estar desesperada por isso, é mágica. Foi uma experiência incrível.
Fora isso, um convite da especialista no assunto, Renata Coin, não se nega. E lá fui eu para o Retiro Corpo como Caminho, na praia do Félix em Ubatuba.
Outro mito pra gente quebrar é que em todo retiro não se pode falar (como acontece no Vipassana). Quem acha que é meditação o dia todo, também está enganada. Neste retiro, além de meditação, teve surfe, imersão no gelo, ritual do cacau e yoga.
A proposta ali é justamente misturar momentos de introspecção mais contemplativos com outros de contato ativo com a natureza. “O retiro Corpo como Caminho foi uma oportunidade que encontrei para associar o Yoga e a meditação com ferramentas terapêuticas, de maneira que pessoas consigam colocar isso no dia a dia para amenizar a ansiedade, o estresse e fazer uma autoregulação do sistema nervoso”, explica Renata. Na prática, essa mistura ajuda a gente a habitar nosso próprio corpo e experimentá-lo de maneira diferente ao que fazemos no automático do dia a dia. Pra mim, que nunca tinha feito nenhuma dessas atividades, além de conexão teve desafio.
A maioria dos meus 10 colegas era de pessoas mais velhas. A mais nova ali tinha 14 anos a mais que eu. Isso me fez refletir que, talvez, muita gente só perceba que essa retirada seja positiva depois de percorrer mais estradas na vida. O que é uma pena e pra mim, foi uma oportunidade de contar para os mais jovens o que esse tipo de prática pode fazer por nós.
Meditação
Eu nunca tinha meditado. E nunca pensei que seria tão difícil silenciar, prestar atenção na respiração e parar quieta. Na primeira tentativa, cada minuto parecia uma eternidade. Meu corpo e minha mente pareciam estar em todos os lugares, menos ali. Isso com certeza diz algumas coisas sobre mim. Mas se na hora foi difícil, a reflexão que veio depois foi altamente reveladora. Percebi o quanto estava mega estimulada e dispersa do tempo presente, sempre com a cabeça no que está adiante. Tanto que, com o passar dos dias a melhora na minha concentração e na minha respiração foi expressiva. Entender a importância desse silenciamento voluntário foi um verdadeiro presente.
O retiro traz insights, ele em si não muda a gente, mas dá ferramentas e abre pontes pra que nós mesmas organizemos essa transformação. “Meditação é prática, e ela é adaptável para qualquer pessoa. Todos podem se conectar com a respiração, repousar um pouco e se conectar com o próprio corpo”, ensinou Renata percebendo minha dificuldade.
A prática regular da meditação ajuda a controlar a ansiedade e a concentração e a melhorar o foco. Também melhora a qualidade do sono e pode até reduzir os sintomas da depressão. Voltei para São Paulo com a missão de tentar inserir uma meditação guiada para iniciantes na minha rotina.
Yoga
Se você, como eu, nunca se postou em cima de um tapetinho de yoga por falta de oportunidade ou preconceito, fica a dica: é bem mais tranquilo do que parece. Como costumo me mexer com a ajuda dos aparelhos da academia ou na presença de um pole, dançando, fazer uma prática que era o corpo com ele mesmo alinhado apenas com a respiração foi interessante, gostoso e desafiador. Vi que preciso melhorar muito a minha flexibilidade.
Sempre pensei no Yoga como uma prática mais espiritual, mas ali ficou claro que eu estava errada. O bem-estar mental, físico e emocional vem do corpo em movimento, do fortalecimento muscular e da flexibilidade. Além do mais, fez todo sentido unir a meditação à uma prática que mexe o corpo mas tem como ponto central a concentração.
Surfe
O surfe não é uma prática comum em retiros, mas a proposta de Renata é mostrar o corpo como um caminho para lidarmos com desafios e superá-los. “O surfe é interessante aqui porque desafia esses bloqueios e limites. Ele ajuda a observarmos o que pode ser feito”, afirma. E eu amei. Não só porque tive a oportunidade de fazer minha estreia sobre uma prancha, mas porque entrei em contato com uma grande dificuldade, e com ela veio uma vontade enorme de superação. Claro que o auxílio das professoras Paulinha Gil e Moana fez toda a diferença, Paulinha esteve comigo o tempo todo, não desistiu até eu conseguir ficar em pé na prancha e pegar uma rabinha da onda, mesmo que por alguns segundos. Nunca tão pouco me preencheu tanto.
Outra coisa bacana foi a energia do coletivo. Todos estavam vibrando na mesma sintonia de superação, de se ver capaz de pegar uma onda. Foi uma experiência coletiva linda, emocionante e de extrema satisfação e felicidade. Pode parecer estranho ficar feliz com algo que não consegui atingir exatamente, mas a mágica foi exatamente essa.
Imersão do Gelo
Como falei lá no começo, tudo foi novo pra mim nessa experiência. Tudo mesmo. Entrar na banheira de gelo parecia loucura, mas foi amor à primeira vista. Antes da imersão, houve todo um preparo de meditação e respiração conduzida pela terapeuta integrativa Rajnne Om, que também nos ofereceu a possibilidade de colocar uma música ao fundo para deixar o clima mais leve, já que muitos estavam tensos. Botei a música “Banho de folhas” da cantora baiana Luedji Luna e foi lindo.
Como fui a primeira a entrar e fiquei no gelo bem mais tempo do que eu poderia imaginar (dentro da média de 7 minutos) a sensação de bem-estar se misturou à potência da coragem e à beleza da mata. O resultado foi impactante.
Assim que saí, meu corpo se esquentou e entrei em estado de extremo relaxamento, meu corpo só queria deitar e foi exatamente isso que fiz. Nesse momento a palavra retiro fez mais sentido do que nunca, porque para sair de algum lugar é preciso estar em outro e ali, senti que me retirei para o lugar certo.
Ritual do Cacau
Estava um pouco ansiosa por este momento. Primeiro porque já tinha ouvido falar desse tipo de ritual e estava curiosa, segundo porque não sou uma pessoa que aprecia muito estados alterados de consciência, por isso, o cacau sempre me pareceu do tamanho certo pra mim.
Tomamos puro, 100% cacau derretido e adoçado com mel. Uma pesquisa já tinha me indicado que o cacau é rico em triptofano, substância responsável pelo estímulo da produção de endorfina e serotonina, neurotransmissores que dão aquela sensação gostosa de prazer e bem-estar. E foi exatamente o que aconteceu comigo. Fui tomada por uma profunda sensação de relaxamento e tranquilidade, uma paz que, da onde eu venho, nem é muito comum. Posso arriscar dizer que tive uma das melhores noites de sono da vida.
Mas confesso: fiquei curiosa de saber o que aconteceria se eu tomasse mais. Fica para a próxima vez.
* A repórter viajou a convite do Retiro Corpo como Caminho