Se você é mãe, provavelmente já se sentiu pressionada a equilibrar a vida profissional e o cuidado com as crianças. Se não é, mas deseja ser, talvez esteja esperando o momento ideal para que esta decisão não afete demais a carreira. Bom, eu tenho uma novidade: este dilema não deveria ser um problema seu.
Se cabe às pessoas com útero a tarefa de gestar e parir, garantindo assim que a sociedade continue existindo, cabe a essa mesma sociedade nos acolher nesta etapa da vida. Infelizmente, não é bem o que acontece.
Quando falamos sobre trabalho e maternidade no Brasil, não estamos falando sobre uma história única. Essa trajetória pode ser dividida, principalmente, em duas vertentes. Para as mulheres negras e periféricas, o trabalho sempre foi uma obrigação, e cuidar dos filhos uma exceção. Para as mulheres brancas de classe social mais alta, o direito ao trabalho e à independência financeira é uma conquista recente. Historicamente, o primeiro grupo está presente nas casas do segundo, exercendo (mal remuneradamente e com poucos direitos) os trabalhos do cuidado para que homens e mulheres possam trabalhar fora de casa.
61% das mães solo no Brasil são mulheres negras e periféricas
Como resultado desta dinâmica, temos por um lado as mulheres negras excluídas tanto do mercado de trabalho formal quanto dos relacionamentos afetivos e compondo a maioria das mães solo, grupo que se concentra abaixo da linha de pobreza.
Por outro lado, para as mulheres, em sua maioria brancas, que conseguem entrar no trabalho formal, a maternidade representa uma ameaça às conquistas profissionais: mais de um quarto das mulheres deixam o emprego após tornarem-se mães, contra apenas 5% dos homens, e 21% delas levam mais de três anos para retornarem ao trabalho e 50% das mães são demitidas até dois anos após a licença maternidade.
Em seu livro, Manifesto Antimaternalista, Vera Iaconelli mostra que a construção social da mãe como principal responsável pelo cuidado com os filhos é nociva às mulheres: “A divisão biológica da reprodução tem sido usada para justificar tanto a subalternização das mulheres nos cuidados com a prole como também inúmeras outras injustiças decorrentes: a não contratação de mulheres em idade fértil, os salários menores em cargos iguais, a demissão quando voltam da licença-maternidade. O ciclo de hiper-responsabilização e falta de apoio se fecha com a impossibilidade de os cuidados com a próxima geração serem sustentáveis.”
Estamos colapsando
Mesmo com todos os obstáculos, hoje, segundo a Fundação Getúlio Vargas, mais da metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Isso não quer dizer que os homens fizeram o caminho contrário e assumiram mais tarefas domésticas: nós dedicamos 9,6 horas por semana às tarefas do cuidado a mais que eles e este número pouco mudou nos últimos anos, de acordo com o IBGE.
A pesquisa Esgotadas, da ONG Think Olga, demonstra a insatisfação das mulheres com esta situação: elas dão nota 2,1 à sua capacidade de conciliar diferentes áreas da vida. O mesmo relatório aponta que 1 em cada 4 mulheres que cuidam de alguém está insatisfeita ou extremamente insatisfeita com sua saúde emocional.
A junção destes dois dados demonstra o que Vera Iaconelli chama de impossibilidade: estamos fazendo todo o trabalho – o do cuidado e o remunerado – e nossos corpos e mentes estão exaustos. Estamos colapsando.
Afinal, o que fazer para que filhos não atrapalhem a carreira?
A ganhadora do Prêmio Nobel de Economia de 2023, Claudia Goldin, aponta a saída: jornadas de trabalho flexíveis. Em suas pesquisas, ela demonstra que o gap de gênero se acentua no mesmo período em que mulheres decidem ser mães e que, nos Estados Unidos, a principal causa é que os empregadores pagam desproporcionalmente mais por jornadas longas e inflexíveis.
Qualquer pessoa que reduza a carga de trabalho por um tempo ou que não esteja disponível nos fins de semana ou à noite está em desvantagem. E esta desvantagem geralmente recai sobre as mães.
Jornadas de trabalho reduzidas mudam o papel dos homens dentro de casa
No passado, ela afirmou que esta mudança exigiria uma reformulação do mercado de trabalho americano “derrubando o sistema como um todo”, mas recentemente passou a se dizer otimista, pois a pandemia mostrou que é possível trabalhar de maneira mais flexível, principalmente para quem trabalha no mundo corporativo.
Queremos flexibilidade
As experiências recentes com a semana de 4 dias ao redor do mundo mostram que jornadas de trabalho reduzidas mudam o papel dos homens dentro de casa: pais que participaram do movimento passaram 27% mais tempo com seus filhos.
No Brasil, uma pesquisa realizada pela WeWork em 2023 mostrou que a flexibilidade se tornou o benefício mais desejado no trabalho corporativo. Para 88% dos trabalhadores entrevistados, flexibilidade é o segundo fator relevante na hora de analisar uma proposta de emprego, atrás apenas do salário, relevante para 94%. Ainda assim, o que acontece hoje é uma diminuição gradativa das empresas que oferecem jornadas de trabalho flexíveis ou remotas.
Mercado foi desenhado para excluir mães e pessoas responsáveis pelo cuidado
Não é a maternidade que exclui as mulheres do mercado de trabalho e sim o próprio mercado, que é desenhado para excluir mães e pessoas responsáveis pelo cuidado.
Vamos à luta
A boa notícia é que as mulheres já sabem o caminho: ele foi apontado pelas nossas mães e avós. Ainda de acordo com Claudia Goldin, as mulheres das décadas de 60 a 70 se uniram em movimentos, ganharam força política e deram um salto histórico na conquista de direitos. Se duas gerações atrás as mulheres precisavam de permissão do marido para trabalhar e nem podiam ter conta no banco, pois não tinham CNPJ, elas também nos mostraram como resistir e demandar mudanças. Será que a nossa geração de trabalhadoras é capaz de terminar o trabalho das gerações anteriores na conquista por igualdade de salários e oportunidades?