Os perigos de buscar diagnósticos de saúde mental no TikTok - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

TikTok não é seu médico: não existe diagnóstico em 1 minuto

Conversamos com profissionais da psicologia para entender o fenômeno que tem mais de 20 bilhões de visualizações na rede chinesa e está transformando criadores de conteúdo em supostos doutores

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Quem nunca escutou ou leu um especialista descrevendo sintomas de um transtorno mental e teve certeza que tem aquele problema? Pois o TikTok elevou a questão à décima potência. As hashtags #psicologia e #saúdemental viraram grandes nichos da plataforma, com 23 bilhões e 3 bilhões de visualizações respectivamente, mostrando o fascínio dos usuários pelo tema. A gente sabe que nas redes sociais o povo adora conteúdos com respostas rápidas que satisfaçam suas necessidades, e tudo bem se estamos no terreno das dancinhas ou da maquiagem, mas, quando falamos de questões mentais, isso pode ser um problema. 

São milhares de vídeos listando sintomas que definem uma pessoa com TDAH, bipolaridade, transtorno narcisista ou depressão. Tudo de forma simpática, criativa e ultra simplista. “É muito convidativo reduzir a complexidade da vida em dois minutos, porque é simples, rápido e traz um conforto sem precisar de aprofundamento ou processo de desenvolvimento humano”, afirma Patrícia Piper, psiquiatra e professora de psicologia. Bingo: ninguém quer ter trabalho. 

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Sem muito contexto em relação ao todo, os vídeos curtos do TikTok não fornecem informações suficientes para trazer respostas sobre um problema de saúde. Eles não levam em conta fatores como o histórico médico, estilo de vida, atravessamentos sociais, raciais e de classe (dentre outras coisas). “Temos o direito de ser quem somos em toda a nossa complexidade, e a internet não pode reduzir o contraditório da experiência humana”, diz Alexandre Coimbra do Amaral, psicólogo e palestrante.

“Tratar saúde mental de forma simplista faz a pessoa acreditar que aquele diagnóstico a representa totalmente”

Segundo os especialistas, esse tipo de certeza que nos invade quando escutamos alguém falando de um transtorno chama viés da confirmação, ou seja, ficamos só com aquilo que confirma nossas próprias crenças em vez de considerar todas as possibilidades. “É um conteúdo que dialoga com algum pedaço de mim, mas eu tomo como uma verdade. É um típico processo de identificação”, explica Patrícia.

Para Alexandre, o autodiagnóstico é um problema porque tira a complexidade da vida, além de reduzir a pessoa em um transtorno. “A gente tem um monte de elementos contribuindo para emergência de um fenômeno e quando linearizamos, simplificamos, esse fenômeno, como a mãe narcisista que está na moda agora, ele deixa de ser parte  da construção de um problema. Além disso, tratar dessa forma simplista, acaba sendo um desserviço porque faz a pessoa acreditar que aquele diagnóstico a representa totalmente.”

Algumas coisas que escutamos com frequencia nos milhares de vídeos do Tik Tok fazem essa simplificação. “Quatro sinais que você está com depressão”, só quatro? Existem milhares de sinais e esses mesmos quatro podem não significar que a pessoa está deprimida. “3 melhores antidepressivos”, pra quem? Existem muitos medicamentos no mercado e é imprescindível que o médico auxilie no encontro do melhor remédio para cada pessoa – se ela precisar de um, claro. “A criança ignorada ou rejeitada pelos pais na infância será narcisista”, que simples, né? Nada na psiquiatria, na psicologia ou na psicanálise é tão chapado assim. 

Luz na escuridão 

Mas antes que alguém saia cancelando produtores de conteúdo sobre saúde mental no TikTok, precisamos falar que há também o lado positivo, desde que o conteúdo seja feito com responsabilidade e com compromisso com a verdade, claro. “O assunto é trazido para o debate, mas precisa ser um conteúdo inclusivo, baseado em evidências científicas e que, no fim, oriente a pessoa a procurar ajuda caso ela tenha se identificado”, diz a Patrícia.

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Retirar o tema de saúde mental dos consultórios e colocá-lo nas redes sociais, o democratiza, fazendo com que mais pessoas tenham acesso a informações importantes, mas é preciso atenção para entender o que esse conteúdo provoca. “Se ele gera perguntas, ele é um bom conteúdo, mas caso ele feche a pessoa numa resposta única, uma verdade, levante um sinal de alerta”, ressalta Alexandre. 

Fora do For You da rede chinesa, se sentir que precisa de ajuda para lidar com o sofrimento e outras angústias, é importante procurar por um psicólogo, psicanalista ou psquiatra. Ele, sim, vai saber te auxiliar em seus processos internos, definir se precisa de remédio e como você pode aliviar os seus sintomas. O que faz a diferença é ter o acompanhamento de um profissional de qualidade – e existem opções acessíveis para quem não consegue pagar uma consulta cara. Não deixe a sua saúde mental em segundo plano: quando ela vai bem, todo o resto funciona melhor. 

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