Briga, divórcio conturbado e negligência afetam o bem-estar das crianças - Mina
 
Seus Relacionamentos

Você já parou para pensar o que é bem-estar infantil?

O assunto é difícil justamente porque nos implica, como adultos, de forma bem profunda. O bem-estar dos nossos filhos depende diretamente de como nos relacionamos com eles. E é sobre aprender a se relacionar que vamos falar aqui

Por:
6 minutos |

Muito se fala sobre a saúde mental e o bem-estar dos adultos. Existem incontáveis livros, filmes, palestras e sites relacionados a esse tema. Mas o mesmo não se aplica à infância. Ao procurarmos conteúdos sobre o bem-estar das crianças, o que encontramos com mais facilidade são dicas sobre sono, alimentação e alguma coisa sobre o brincar livre. Pouco se fala sobre o principal fator que afeta a saúde mental dos pequenos: a qualidade da relação entre eles e seu adulto cuidador.

E não é que não existam estudos, o primeiro deles data de 1950, mas dá pra dizer que esse conhecimento ainda não está difundido na sociedade. Talvez, porque implique a nós, os adultos, muito mais do que garantir uma noite de sono ou uma alimentação razoável. É por isso que resolvi falar sobre elas. 

“Nossos filhos não precisam de perfeição, eles precisam de conexão”

Encabeçadas por dr. John Bowlby, essas pesquisas de sete décadas atrás, mostraram a nítida diferença entre o comportamento e as reações de crianças que tinham uma relação segura (ou não) com seu adulto cuidador primário. De lá pra cá, outras pesquisas significativas aprofundaram esse tema e o que fica cada vez mais claro é que, acima de temperamento, de genética e de qualquer outro fator, o que mais determina a probabilidade de uma criança se tornar um adulto com saúde mental é a qualidade da relação que ela teve com seus adultos cuidadores na infância. 

Experiências Adversas na Infância e suas consequências

Em 1998, o pesquisador Vincent Felitti analisou os históricos médicos de mais de 15 mil pessoas e chegou à conclusão empírica de que, quanto mais experiências adversas a criança tem na infância, maiores as chances dela ter doenças respiratórias, cardíacas, depressão e, até mesmo, uma expectativa de vida até 20 anos menor. As experiências adversas categorizadas nesta pesquisa foram:

  • abuso físico
  • abuso emocional
  • abuso sexual
  • negligência física
  • negligência emocional
  • um ou mais dos adultos cuidadores com problema de saúde mental
  • violência contra a figura materna
  • divórcio (conturbado)
  • um ou mais dos adultos cuidadores encarcerado
  • um ou mais dos adultos cuidadores com dependência química

E agora, o que fazemos com esta informação?

A princípio pode ser assustador ler todas estas informações. Ainda assim, eu sempre digo que informação alivia. Com esses dados em mãos, podemos começar a refletir sobre o que temos feito com a infância e o que podemos fazer diferente daqui pra frente. Não é sobre sermos adultos perfeitos. Como diz a educadora L. R. Knost: “Nossos filhos não precisam de perfeição, eles precisam de conexão”. Nosso papel é reduzir os danos de uma educação que tem invisibilizado a infância há tantas gerações. Esse é o lema que tenho carregado comigo e propagado: não é sobre perfeição, é sobre reduzir os danos.

+ Leia mais: 10 livros para explorar diferentes tipos de maternidade
+ Leia mais: Cidades melhores para mães, são cidades melhores para todos!

Se agora sabemos que a qualidade da relação do adulto cuidador com sua criança influencia diretamente na saúde mental, emocional, fisiológica e psicológica dela, estamos diante de uma grande pergunta: o que fazemos então? A resposta é: precisamos estudar.

Quando me questionam sobre a necessidade de se estudar para educar de forma respeitosa, às vezes com o argumento de que “antigamente” não tinha isso, eu sempre proponho a seguinte reflexão: se precisássemos fazer uma cirurgia no coração, colocaríamos a nossa vida na mão de uma pessoa que nunca tivesse estudado medicina e que não tivesse se especializado nisso? Pois bem. Nossas crianças também colocam suas vidas em nossas mãos. Estamos fazendo jus a esta tarefa? Para tudo na vida enxergamos a importância de se estudar e se informar, porque seria diferente com a educação das crianças?

Por onde começo a estudar sobre educação respeitosa?

Hoje em dia temos o privilégio de ter informação de qualidade na palma da mão. Mesmo que ainda exista muita desinformação, o interesse pela educação respeitosa tem crescido muito nos últimos anos e, com isso, a produção de conteúdo a respeito.

Uma boa pergunta é: se eu tratasse meus amigos como trato as crianças, quantos amigos me restariam?

O meu livro A Raiva Não Educa, A Calma Educa é pensado exatamente para adultos que tiveram pouco ou nenhum contato com a educação respeitosa e querem entender o que isso significa. Um dos argumentos que proponho é que a criança não tem cérebro maduro ainda, mas o adulto sim. Então é o adulto que precisa repensar suas atitudes, que precisa pensar em como se comunicar com a criança. Não é a criança que tem que facilitar a vida do adulto, é o contrário. Porque não é a criança que tem recursos emocionais e cognitivos (ainda), é o adulto. Aliás, sabia que o cérebro só está completamente maduro por volta dos 25 anos?

Mais do que doces e presentes, nossas crianças precisam de presença de qualidade no dia a dia. Isso não significa necessariamente que você precisa disponibilizar muito mais horas do dia (embora isso também não seja algo negativo), mas de olhar para os momentos em que está com a criança e avaliar qual a qualidade deles. A criança pode chorar na minha presença? Permito que esse choro flua ou a repreendo por isso? Dou espaço pra essa criança questionar e discordar ou espero dela obediência e submissão? Sei escutar o que ela compartilha comigo ou o silêncio, julgo e acabo dando lição de moral? Uma boa pergunta pra se fazer é: se eu tratasse meus amigos como trato as crianças, quantos amigos me restariam?

Para finalizar, quero compartilhar uma citação que carrego comigo e que se tornou minha bússola parental: “No dia em que teus filhos cometerem um erro ou um deslize e correrem PARA você ao invés DE você, neste dia você saberá o valor da educação respeitosa e pacífica.” (L. R. Knost). A pergunta que fica é: estamos construindo este tipo de relação com as nossas crianças? E só porque eu sempre gosto de cutucar um pouco mais: será que você tinha uma relação assim com teus adultos cuidadores? Esse pode ser justamente o início de um olhar mais respeitoso e empático pelas crianças.

Mais lidas

Veja também