Larga essa tela e vai se maravilhar um pouco por aí
Quando a realidade anda tão difícil quanto agora, a saída é buscar beleza na rotina. Tatiana Vasconcellos conta como tem praticado o maravilhamento e convida você a fazer o mesmo
Tenho querido me maravilhar com o mundo na mesma medida em que ando viciada em telas. E tenho tentado reparar em quais situações eu poderia estar prestando atenção ao meu redor em vez de estar com a cara vidrada num rolar de Instagram infinito e tedioso (as personas digitais andam tão desinteressantes) ou respondendo mensagens que poderiam esperar. No transporte público; no carro de aplicativo; caminhando pelas calçadas; no restaurante, no almoço, no bar. Me forço pra largar o telefone. Observo ao redor. Penso e crio enredos imaginários.
Precisamos tirar a cara da tela, buscar dopamina fora dela
Assim como o protagonista de um dos filmes mais bonitos e singelos do ano, Dias Perfeitos, me empenho em achar alguma beleza na rotina, que, em São Paulo, pode ser (e é pra tanta gente) massacrante. Um dia, lá em 2014, quando a cidade parecia estar se tornando menos hostil, decidi que buscaria viver aqui com a mesma curiosidade e olhar atento com que degusto cidades onde chego pela primeira vez. Nem sempre tenho disposição e, muitas vezes, o sistema, a correria e a pressa vencem, mas tenho me esforçado.
Andar a pé. Olhar pra cima. Observar a forma das casas, as janelas dos predinhos do bairro. Eles estão sumindo, cê viu? Só notou quem é capaz de reparar naquele trajeto meio tedioso de todo dia. Perceber. Se entreter com a forma das folhas das árvores, com o curso tortuoso dos galhos que rasgam o céu e as nuvens. Reparar nas pessoas, em como elas se movem. Se caminham rapidamente, se parecem preocupadas, relaxadas, como se vestem, sobre o que conversam, qual o volume e o tom de suas vozes.
Resistir ao enlouquecimento que a lógica da produção nos impõe na era do apocalipse climático. A realidade anda difícil, as pessoas estão preocupadas e as perspectivas podem ser desalentadoras. Para seguir em frente, é preciso uma pitada de maravilhamento – e alguns outros ingredientes, entre os quais NÃO ESTÁ um falso coach fariseu, por favor, gente.
Com certeza, isso passa por desmisturar vida digital de vida real. Tirar a cara da tela, buscar dopamina fora dela. Para não perder o contato com a realidade. Para não perder a noção do que existe e acontece. Viver cores, texturas, sabores, cheiros, barulhos e sensações que não existem no digital. E resistir à tentação de voltar para contar. De fazer de uma emoção uma postagem, de um olhar uma foto, de uma ideia um trabalho. Viver um pouco sem produzir nada e deixar maravilhar um pouco, mesmo em tempos tão preocupantes.
Agora larga essa tela e vai viver.