Em meio às crises política, sanitária e climática em que vivemos, humoristas prestam praticamente um serviço de utilidade pública, levando um pouco de leveza ao cotidiano sofrido de milhares de brasileiros e brasileiras. Mas como é fazer rir em meio às tragédias anunciadas no noticiário? Bruna Braga, Evelyn Castro e Giovana Fagundes contam como e onde choram e falam sobre a importância de aceitar a própria vulnerabilidade.
“Às seis da manhã não tem humor, tem é educação”
Evelyn Castro, atriz do Porta dos Fundos, da novela Quanto mais vida melhor, da Globo, e da série Tô de graça, do Multishow
Eu choro muitas vezes por ser mulher. Temos que ficar atentas com essa história de elogiar a “mulher guerreira”, que faz tudo, que cuida do filho, faz comida, arruma a casa, se cuida, decora o texto, dá entrevista. É terrível a gente achar que tem que dar conta de tudo isso, porque não tem.
Choro deitada na cama quando percebo que não dei conta de tudo e ainda tive que ouvir algum palpite sobre a criação do meu filho. Sou humana, preciso do outro, independente se sou uma mulher guerreira ou não. Fico descabelada, sim, engordo, sim, como besteira, não tenho tempo pra malhar. Apesar das cobranças, hoje em dia priorizo minha saúde mental.
Fora isso, tenho chorado muito por mortes recentes, não só as que foram causadas pela covid, mas também por outros motivos. A morte da [cantora] Marília Mendonça num acidente aéreo, por exemplo, é uma perda que me tocou muito, porque ela colocava nós, mulheres, em um lugar mais humanizado, cantava sobre a mulher que bebe cerveja, que chora pelos chifres.
Vivemos tempos difíceis, mas a arte me salva e ao mesmo tempo é um serviço que presto ao público. Tenho muito prazer em ver a galera rindo, gosto de causar emoções nas pessoas e fazê-las refletir. A parte chata é que, como humorista, sou muito cobrada de estar o tempo inteiro fazendo piada, rindo. Eu já aviso logo que às seis horas da manhã não tem humor, o que tem é educação, porque minha mãe me deu. Fofolete não tem, não!
“Marco horário pra chorar”
Bruna Braga, roteirista da Globo, humorista do Comedy Central Brasil e de stand up comedy
Choro com umas coisas que não entendo, por exemplo, vídeo de criança ganhando cachorrinho ou de criança recebendo o irmão que chegou da escola. Criança é um negócio que me pega, sabe? Percebi na terapia que tenho uma coisa muito séria com a minha infância e quando vejo esse tipo de vídeo é como se voltasse para esse período.
Eu marco um horário para chorar em casa quando sei que vou estar sozinha. Penso: “hoje, às 18h, vou fechar a porta do meu quarto e chorar para dar uma lavada”. Lembro de coisas que me chatearam em outro momento, mas tive que guardar o choro porque estava muito ocupada. E choro por aquilo que ainda vai acontecer e talvez eu esteja muito ocupada de novo para chorar.
Isso tem a ver com a minha rotina intensa de trabalho, com a cobrança por produtividade, mas também com um receio em mostrar vulnerabilidade. Tenho essa coisa de segurar o choro com medo de acharem um ponto fraco para me atacar, para dizer que eu não tenho graça. É aquela coisa: o palhaço quando para de fazer graça perde o emprego. Ou faço as pessoas rirem ou falo sério, no máximo.
Muitas vezes, minha manifestação de tristeza é a raiva, que trabalha na linha de frente dos meus sentimentos. Se eu tivesse um bordão, seria igual ao do Gil [ex-participante do Big Brother Brasil]: eu tô indignada! Fico com muita raiva quando vejo o noticiário e acabo usando isso a meu favor para fazer comédia. Quando posto um stories com raiva as pessoas acabam achando engraçado.
“Minha terapeuta sabe listar todas as minhas tragédias”
Giovana Fagundes, humorista de stand up comedy
Sou uma pessoa muito alegre, extrovertida, digo que já acordo rebolando a bunda. Mas isso não significa que eu não choro, pelo contrário, acho super importante. Gosto de chorar no transporte público, sempre fico me imaginando em uma cena de videoclipe com a lágrima escorrendo do meu olho e a chuva batendo no vidro.
Também choro na terapia ao relembrar traumas de família, da minha construção, coisas que ainda me magoam. Minha terapeuta saberia listar todas as tragédias da minha vida que me fazem chorar até hoje. Estou esperando o momento em que vou parar de falar sobre a minha mãe no divã, já são seis anos de terapia.
Por ser comediante, as pessoas esperam que eu esteja sempre muito feliz, animada. Teve uma situação em que uma pessoa me viu na rua e depois me mandou uma mensagem no Instagram dizendo “você estava com uma cara horrível, pensei que era uma pessoa legal”. Eu estava num dia bem merda, meu gato tinha morrido, não tinha como estar com outra cara.
A maior dificuldade em trabalhar com humor neste momento é a concorrência, porque tem um comediante na presidência que é melhor do que todo mundo. Fica difícil competir. Mas acredito que o humor tem o poder de mudar o nosso dia, nosso estado de espírito. Recebo muitos feedbacks de pessoas que estão passando por situações difíceis, que ficaram doentes, que têm problemas na família, dizendo o quanto consumir comédia as ajudou. É como uma válvula de escape, uma pausa para respirar e seguir. Sem isso, ninguém aguenta, é muita pressão, muita tragédia.