Por que a rejeição mexe tanto com a gente? - Mina
 
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Por que somos rejeitados e de quem é a “culpa”?

É preciso acabar com essa ideia de que o outro não quer ficar com a gente porque nos falta algo, defende Geni Nuñez. O amor é muito mais subjetivo do que prega o amor romântico.

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Uma das características de nosso tempo é o aumento das discussões sobre nossas emoções e sentimentos. Debates nos quais se destaca a importância de atentarmos para a nossa saúde emocional, tendo em vista o quanto isso impacta na nossa qualidade de vida, no nosso bem-estar. Outro desses traços é a acentuação do individualismo que, articulado a várias outras estruturas sociais, nos faz crer que nossa cura, saúde e liberdade devem ser apenas individuais. E, se não conseguimos alcançar esses ideais, é porque somos incompetentes nessa tarefa e, com isso, vem mais uma sobrecarga de culpa e sofrimento.

Nas relações amorosas, a rejeição nomeia um processo complexo e frequentemente dolorido

Por isso, é especialmente importante nos lembrarmos que somos seres em relação, interdependentes e coletivos. Isso nos ensina que não temos mérito individual absoluto nem nas nossas dores, nem nas nossas alegrias. A palavra rejeição anuncia um movimento de “empurrar de volta/manter à distância”, repelir. Nas relações amorosas, nomeia um processo complexo e frequentemente dolorido – aliás, um estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences mostra que experiências intensas de rejeição ativam a mesma região do cérebro que a dor física. 

As posições em que somos colocadas são atravessadas por raça, gênero, geração, classe e deficiência. Sabemos que, no machismo, homens cis heterossexuais são ensinados a reagir a partir da violência, inclusive muitos feminicídios são praticados em nome de “não se aceitar o fim da relação”, o que revela uma escassez de ferramentas para elaborar a frustração. O que o machismo, o racismo, a transfobia, o capacitismo, a gordofobia e outras violências fazem é retirar de nós a possibilidade de sermos reconhecidas como pessoas, como seres dignos de termos autonomia sobre nosso próprio corpo, sobre nosso próprio tempo emocional.

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Se em grupos hegemônicos a violência é a resposta, em grupos subalternizados é comum que haja uma internalização da culpa, através de sentimentos de autodepreciação em que a pessoa “rejeitada” cogita: “o que eu tenho de errado, feio, estranho para que essa pessoa não me queira? O que fiz de errado para não mais ser desejada e amada?”. Há um pressuposto segundo o qual a rejeição não teria acontecido caso a pessoa fosse suficientemente bonita, interessante, inteligente, etc. 

Vemos essa lógica operando sempre que há notícias sobre alguma pessoa famosa não ter sido exclusivamente desejada pelo companheiro ou companheira. Nessas situações, são comuns comentários de que “se até fulana que é belíssima, rica e talentosa foi ‘traída’, imagina eu!”. Embora se apresente como sinal de baixa autoestima, esse raciocínio também pode revelar uma grande centralização e arrogância, uma vez que nem mesmo a própria pessoa acessa todas as camadas de si e tem todas as respostas sobre o porque ama ou não alguém, quanto mais um terceiro as saberá.

Presumir que o único motivo pelo qual alguém não nos deseja é porque algo em nós faltou é um equívoco

Subjetivadas em uma cultura que nos ensina que nosso valor está em sermos desejadas e escolhidas pelo amor romântico, pode ser difícil compreender que quando alguém não nos deseja ou não nos ama mais da mesma forma, isso não deveria significar prova alguma sobre quem somos. Até porque, nem toda recusa se faz de algo ruim. Presumir que o único motivo pelo qual alguém não nos deseja é porque algo em nós faltou é um equívoco. Também temos o direito de recusar algo “positivo”. Podemos estar em um momento da vida em que determinados vínculos não fazem sentido, ou em um momento emocional em que não dispomos de energia para algumas dinâmicas. Enfim, tanto nossos sins, quanto nossos nãos são polissêmicos.

Se uma rejeição se deu por motivo racista, misógino, transfóbico, aí mesmo que é importante não nos individualizarmos, nem acharmos que a culpa é nossa, pois a hegemonia não é sobre a realidade, mas sobre uma ilusão de superioridade. Todes nós deveríamos ter nosso direito sagrado de ir e vir, de amar e desamar, de mudar de ideia e afins respeitado por nós mesmes e por outres. A questão não está em nos obrigarmos a continuar em relações nas quais não vemos mais sentido, mas em construirmos caminhos éticos para que nossos afastamentos sejam dignos, respeitosos e gentis com a história vivida. Isso também é saúde!

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